Encerrada a primeira fase do procedimento do júri, denominada instrução preliminar, caso o juiz se veja convencido da materialidade do crime e da existência de indícios de autoria, deve pronunciar o réu, conforme prescrito no art. 413 do CPP.
Segundo dispõe o § 1º do art. 413, “A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena”. Veda-se, portanto, o excesso de linguagem, ou seja, em virtude do caráter restrito da pronúncia, o juiz deve se valer de linguagem sóbria e comedida, sem excessivo aprofundamento na análise da prova, de resto desnecessária porquanto na pronúncia apenas se remete o réu a Júri, cabendo ao Tribunal Popular, este sim, a análise detida do mérito. O excesso na linguagem poderá, mais adiante, exercer indesejável influência na convicção dos jurados, que receberão cópias da decisão e, leigos que são, podem se deixar impressionar com a terminologia utilizada pelo juiz togado.
A preocupação sobre a influência da sentença de pronúncia nos jurados vai além, pois, como dispõe o art. 478, inc. I, do CPP, durante os debates as partes não podem fazer referência a esta decisão. Procura-se, na verdade, evitar que a acusação empregue de modo excessivo e inadequado a mera decisão de pronúncia, enaltecendo o fato de ter sido proferida por um juiz togado, pretendendo, desse modo, transformá-la em verdadeira sentença de mérito – o que não é. Com isso, garante-se um julgamento mais afeito à prova dos autos, no qual os jurados são levados a atentar para o que de fato interessa e não a aspectos incidentais.
A expressão fazer referência provoca certa controvérsia a respeito do alcance da restrição, isto é, se abarca apenas a utilização dos termos da pronúncia como fundamento da manifestação da acusação ou da defesa ou se nem mesmo uma simples alusão pode ser admitida, sob pena de influenciar indevidamente os juízes leigos.
Há alguns anos, o STJ firmou a tese de que a alusão ou mesmo a leitura da sentença em plenário não provoca nulidade, a não ser que a decisão tenha sido utilizada como argumento de autoridade:
“A simples leitura da pronúncia no Plenário do Júri não leva à nulidade do julgamento, que somente ocorre se a referência for utilizada como argumento de autoridade que beneficie ou prejudique o acusado” (Tese nº 08, Ed. nº 75 da Jurisprudência em Teses).
O tribunal vem reiterando a orientação, como no julgamento do REsp 1.757.942/GO (j. 28/03/2019), no qual se concluiu que as palavras utilizadas pelo promotor de Justiça não ultrapassaram a linha do razoável. No caso, o membro do Ministério Público afirmou que a legítima defesa havia sido rechaçada na sentença de pronúncia.
O ministro Rogério Schietti Cruz afirmou em seu voto que a vedação imposta pelo art. 478, inc. I, do CPP visa a impedir que as partes adotem linha argumentativa na qual a sentença de pronúncia assuma protagonismo, em que, por exemplo, sejam enaltecidos o senso de justiça e o conhecimento jurídico do magistrado. Veda-se apenas a utilização capciosa de peças processuais com a finalidade de macular o ânimo dos jurados. Como exemplo, podemos citar a situação em que, para reforçar o argumento a favor de uma qualificadora, a acusação faz referência ao fato de que a circunstância já foi aceita pelo magistrado no momento da pronúncia.
No caso julgado, afastou-se qualquer intenção escusa, inclusive porque os jurados já haviam tomado conhecimento da sentença de pronúncia.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos