Na disciplina da competência para o julgamento de infrações penais, um dos critérios utilizados no Código de Processo Penal é a conexão. Embora o Código estabeleça que a “competência será determinada pela conexão (…)”, não se trata exatamente de um critério de fixação, como são, por exemplo, o lugar do crime ou o domicílio do réu. Presta-se, em verdade, para alterar (prorrogar) a competência que inicialmente era de um juiz e, depois, vê-se transferida a outro. Assim, por exemplo, se um roubo é consumado em Santo André, aí deverá ser julgado, por força da competência ratione loci, disposta nos arts. 70 e 71 do CPP. O lugar do crime serve, neste caso, como critério determinante para a fixação da competência. Já a conexão não fixa a competência, mas somente a altera. No mesmo exemplo acima, suponha-se que o objeto roubado tenha sido adquirido por um terceiro na cidade de Diadema. A rigor, se fosse seguida a regra que determina a competência pelo lugar da infração, teríamos um processo em Santo André (pelo roubo) e outro em Diadema (pela receptação). Mas o legislador, no caso, entende que ambos os delitos devem ser julgados em um único processo, estabelecendo regras para o simultaneus processus que, em nosso exemplo, imporiam o julgamento ao juízo de Santo André.
Para que se verifique o fenômeno da conexão, é preciso, pois, a existência de ao menos duas infrações penais, relacionadas por meio de algum dos vínculos de que trata o art. 76 do CPP:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Mas nem sempre as infrações conexas têm a mesma natureza, como no exemplo acima citado. Há situações em que, separadas, seriam julgadas por juízes de categorias diversas. Uma das possibilidades é o concurso entre a jurisdição comum e a especial. Neste caso, a solução é dada pelo art. 78, inc. IV, do CPP: prevalece a especial. Justiça especial, como o nome indica, é aquela criada para conhecer de questões específicas, como a Justiça Eleitoral, a Militar, a Trabalhista. Já a Justiça comum é residual, julga todo o resto que não é destinado às Justiças especiais. No confronto entre uma e outra, prevalece a especial.
Foi o que decidiu o STF no Inq. 4435, no qual eram investigados um ex-prefeito e um deputado federal por crimes cometidos em 2010, 2012 e 2014. Inicialmente, o ministro Marco Aurélio havia declinado da competência para a primeira instância da Justiça do Estado do Rio de Janeiro porque os fatos não tinham relação com o mandato de parlamentar federal. Houve recurso de agravo regimental no qual a defesa requeria a manutenção da competência do STF – pois parte dos crimes (em 2014) ocorreu no exercício do mandato – ou, caso fosse mantida a declinação, que os autos fossem remetidos à Justiça Eleitoral, tendo em vista que, juntamente com os crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de capitais e evasão de divisas, havia também o crime de falsidade ideológica eleitoral.
Por maioria, o tribunal manteve a declinação da competência e decidiu que a conexão entre crimes comuns e crime eleitoral atrai a competência da Justiça Eleitoral.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram pela separação dos processos, ou seja, para eles, o crime de natureza eleitoral deveria ser julgado pela Justiça especializada e os demais deveriam ser remetidos à Justiça Federal. Segundo o ministro Fachin – que abriu a divergência –, é a própria Constituição Federal que estabelece a competência tanto da Justiça Eleitoral (para julgar, no caso concreto, a falsidade ideológica) quanto da Justiça Federal (que deveria julgar a evasão de divisas e os crimes a ela relacionados), razão pela qual a solução adequada seria a cisão dos processos.
Prevaleceram, no entanto, os votos dos ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, para quem os crimes comuns em conexão com os eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Nas palavras do ministro Gilmar Mendes, “a razão relevante para a atribuição de tal competência é a preocupação com o bom funcionamento das regras do sistema democrático e com a lisura dos pleitos eleitorais”.
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos