Informativo: 633 do STJ – Direito Penal
Resumo: Para tipificar o crime descrito no art. 291 do CP, basta que o agente detenha a posse de petrechos com o propósito de contrafação da moeda, sendo prescindível que o maquinário seja de uso exclusivo para tal fim.
Comentários:
Na esfera dos crimes contra a fé pública, o Código Penal pune diversas condutas relativas à falsificação de moeda. No art. 289 é punido o crime de moeda falsa, no art. 290 são punidas condutas assimiladas à falsificação e no art. 291 são tipificadas diversas condutas relacionadas a petrechos para a falsificação. Este último crime – que nos interessa especialmente no momento – consiste em:
“Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda”.
Nota-se que o tipo relaciona os seguintes objetos materiais: maquinismo, conjunto de peças que integram e fazem com que funcione o aparelho mecânico destinado à falsificação; aparelho, conjunto de peças ou utensílios organizados para falsificar moeda; instrumento, todo objeto que serve de ajuda à prática da falsificação; ou qualquer objeto especialmente destinado a falsificação de moeda, caso em que se mostra imprescindível a sua especial destinação (falsificação).
O fato de que o objeto deve ser “especialmente destinado a falsificação de moeda” não significa que esta deve ser sua única finalidade. A especial finalidade impõe apenas que, em determinado contexto, o objeto tenha a função precípua de viabilizar a falsificação, como leciona Fragoso:
“Diante de nossa lei, todavia, não se exige que a destinação exclusiva dos objetos (de resto, raríssima), seja a fabricação de moeda falsa: basta que por sua natureza sejam especialmente (geralmente ou em regra) destinados àquele fim. Não se pode excluir integralmente uma indagação sobre a destinação subjetiva (fim a que o agente destinava os objetos) no reconhecimento da existência da ação delituosa. A fórmula do nosso código é perigosa e exige do julgador meticuloso exame de todos os indícios.” (Lições de direito penal: parte especial. São Paulo: José Bushatsky, v. 3, p. 789)
Foi o que decidiu o STJ no REsp 1.758.958/SP (j. 11/09/2018).
Alegavam os recorrentes que o fato de terem sido surpreendidos mantendo sob sua posse computadores e impressoras de uso regular não poderia ensejar a tipificação do crime do art. 291 do Código Penal, tendo em vista que tais equipamentos só seriam considerados petrechos para falsificação de moeda por analogia in malam partem. Para a caracterização do crime, petrechos seriam equipamentos de uso específico para a produção de cédulas, como os que guarnecem a Casa da Moeda (chapa fotopolimérica, papel específico e outros equipamentos distintos daqueles de uso comum no mercado).
O tribunal, contudo, afastou a pretensão sob o argumento de que “destinação específica” não significa “característica intrínseca”, ou seja, o que importa é a destinação que o agente pretende conferir ao objeto, não que se trate de algo única e exclusivamente utilizado para a produção de moeda, o que, aliás, tornaria praticamente impossível a caracterização do crime, pois nem mesmo os equipamentos empregados na produção legal têm exclusivamente essa finalidade:
“A expressão especialmente destinado, ao contrário do alegado, não se refere a uma característica intrínseca ou inerente do objeto.
Se assim fosse, só a posse ou guarda de maquinário exclusivamente voltado para a fabricação ou falsificação de moedas consubstanciaria o crime, o que implicaria a inviabilidade de sua consumação (crime impossível), pois nem mesmo o maquinário e insumos utilizados pela Casa de Moeda são direcionados exclusivamente para a fabricação de moedas, como bem referenciado por Paulo César Busato:
[…]
As impressoras e o papel empregado na fabricação dos reais são fornecidos por empresas que só podem vender para outras Casas de Moeda no mundo, porém, as mesmas casas empregam estes aparelhos e materiais na fabricação de outros objetos que não o dinheiro, como selos fiscais, postais e cartoriais, passaportes, cartões indutivos para telefonia, bilhetes magnetizados para transporte (metrô e ônibus) e carteiras de trabalho.
[…]
(BUSATO, Paulo César, Direito Penal: parte especial 2, v.3. São Paulo: Atlas, 2016, pág. 330)
Tal dicção está relacionada ao uso que o agente pretende dar a esse objeto, ou seja, a consumação depende da análise do elemento subjetivo do tipo (dolo), de modo que se o agente detém a posse de impressora, ainda que manufaturada visando ao uso doméstico, mas com o propósito de a utilizar precipuamente para contrafação de moeda, incorre no referido crime.”
Trata-se de solução semelhante à adotada na interpretação do art. 34 da Lei 11.343/06, que pune diversas condutas relativas a “maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas”. Como lembra Vicente Greco FilhoLei de Drogas Anotada – Lei 11.343/2006. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 123, não há objetos cuja natureza restrinja sua utilização à produção de drogas. Logo, mesmo instrumentos de uso recorrente (pipetas, destiladores, estufas) podem ser utilizados, e, portanto, são capazes atrair a tipificação.
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