Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Comentários:
Mais um dispositivo perigoso que pode abrir margem para justificar todo tipo de omissão em razão da “realidade”. Estamos diante do que os elaboradores do texto normativo chamaram de “primado da realidade”. Em apertada síntese, significa que na interpretação das normas sobre gestão pública deve ser observada com primazia a realidade.
Por que estamos defendendo que se trata de mais um dispositivo perigoso? Ora, sabemos que a realidade, sobretudo nos Municípios, nunca é das melhores e, diante disso, o artigo em comento pode criar uma brecha para que os gestores argumentem que não cumpriram adequadamente determinadas leis em razão da realidade específica de seu município.
Temos casoshttp://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=site&%25252525252525253Bpost%2525252525252525255Fdata=&infoid=41219&sid=4, por exemplo, onde Prefeitos do Piauí alegaram a má qualidade da internet para justificar a falta de transparência dos gastos públicos e tentar perdão das multas sofridas pelo TCE-PI.
Em regra, essas justificativas não são aceitas pelo Tribunal de Contas e Poder Judiciário, pois eles entendem que essas situações (ou seja, a realidade do seu Município) são conhecidas previamente por eles e portanto não são justificativas plausíveis para o descumprimento.
Os juristas que auxiliaram na criação da norma assim justificaram: “(…) a norma em questão reconhece que os diversos órgãos de cada ente da Federação possuem realidades próprias que não podem ser ignoradas. A realidade de gestor da União evidentemente é distinta da realidade de gestor em um pequeno e remoto município”.
A Professora Irene Noharahttp://direitoadm.com.br/proposta-de-alteracao-da-lindb-projeto-349-2015/ faz importantes observações a respeito:
“Os elaboradores do texto normativo chamam essa exigência de primado da realidade. Todavia, podem existir vários olhares sobre essa previsão, por exemplo: (a) desnecessária, pois já deveria estar pressuposta na interpretação jurídica feita na área da gestão, que não pode se estabelecer sem que se considere a realidade; (b) ineficaz, porque podem existir interpretações variáveis e que não deixam de ser especulativas, abstratas, portanto, sobre quais seriam os obstáculos e dificuldades; e, por fim, (c) perigosa: se for utilizada como uma brecha capciosa para se alegar que, por exemplo, como a realidade não nos permitiu cumprir adequadamente as exigências legais, então, podemos nos eximir de garantir direitos…
Isso ocorre principalmente porque o parágrafo único do art. 2º do projeto determina que: “na decisão sobre a regularidade de comportamento ou validade de ato, contrato, ajuste ou norma administrativa, serão levadas em conta as circunstâncias práticas que tiverem imposto, limitado ou condicionado a ação dos agentes”.
Aqui é interessante que essa determinação normativa não seja utilizada, portanto, como um pretexto para o argumento no sentido de que a realidade vence o direito… ou seja, que se as circunstâncias de cumprimento da lei forem muito penosas, vamos questionar tal requisito, ou pior, negociar o seu cumprimento por um regime de transição, conforme será visto na sequência…”
Por fim, vale chamar a atenção para os critérios previstos no parágrafo 2º que devem ser considerados na aplicação das sanções:
a) Natureza e gravidade da infração cometida;
b) Danos causados à Administração Pública;
c) Agravantes;
d) Atenuantes;