1-INTRODUÇÃO
Tem sido comum, na área civil, mais especificamente na seara do Direito de Família, atualmente chamado por muitos de “Direito das Famílias”, o reconhecimento de uma enorme “mutação” no conceito de família que ultrapassa o modelo tradicional para abranger várias novas modalidades, inclusive sem, necessariamente, a interposição do casamento.
Nas palavras de Gontijo:
“A família passa a ser vista, pela legislação, como uma entidade mais ampla, que deve ser protegida pelo Estado, estendendo este sua influência a formas não tradicionalmente aceitas de organização familiar. Poder-se-ia entender haver nisso uma tentativa de se ampliar o controle do Estado a aspectos da vida familiar, sobre os quais antes ele não influía, como em relação às uniões estáveis. Tal idéia, contudo, pode ser tão extremada quanto a antiga doutrina francesa, fundada na máxima de Bonaparte, segundo a qual, se os concubinos se esquecem ou passam à margem da lei, a lei se desinteressa deles. O alargamento da noção jurídica de família exige proteção e regulamentação dos efeitos da união estável. Mesmo no direito francês, embora não existindo previsão legal, a jurisprudência vem conferindo efeitos e conseqüências ao concubinato. De acordo com essa interpretação, a lei procura aproximar-se mais da realidade social das famílias, adotando novos conceitos e modelos. Como afirma Francisco José Ferreira Muniz “as formas de vida familiar à margem dos quadros legais revelam não ser essencial o nexo família-matrimônio: a família não se funda necessariamente no casamento, o que significa que o casamento e família são para a Constituição realidades distintas. A Constituição apreende a família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste um conceito unitário de família”. A Constituição passa a reconhecer, então, a multiplicidade de formas de famílias presentes na sociedade, ao afirmar que ela pode ou não ser fundada no casamento, pode ou não ser nuclear (como no caso das famílias monoparentais, por exemplo). Mesmo assim, expressa claramente que tais uniões devem ser incentivadas pela lei a se converterem em casamento. Aqui se encontra a idéia de que a família deve ser tutelada pelo Estado, atuando no sentido de proteger as organizações familiares. Agora, porém, partindo de uma noção ampliada de família. As uniões estáveis ou extramatrimoniais, conquanto socialmente existentes em todos os tempos, são recentemente normatizadas, sobretudo a partir da Constituição de 1988, que as contempla como base de família. É facultado às pessoas escolherem um modelo de família”.
No seio desse quadro plural e diferenciado exsurgem as propostas de reconhecimento jurídico das chamadas “uniões poliafetivas” (que se constituiriam não somente entre dois parceiros ou parceiras, mas podendo ampliar o número de conviventes), o que, certamente, ao menos de forma indireta, atinge o chamado “princípio monogâmico” tradicionalíssimo na conformação das famílias.
Eventual mutação que venha realmente a ocorrer de forma ampla e definitiva no campo civil, provavelmente deverá ser avaliada com relação às suas possíveis repercussões na seara criminal, especialmente no que se refere ao crime de Bigamia, previsto no artigo 235, CP. A questão tem grande relevância, dadas suas potenciais consequências quanto à retração do direito de punir estatal ou a manutenção do “status quo” perante as mudanças que se apresentam na conformação do conceito de família no âmbito civil.
Este trabalho tem por finalidade realizar um prognóstico sobre as possíveis consequências da mutação do conceito de família, especialmente com relação ao reconhecimento de “uniões poliafetivas”, quanto à base de sustentabilidade da legitimação do crime de bigamia no ordenamento jurídico brasileiro.
Clique aqui para ler o artigo completo.
Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na Pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.
Bianca Cristine Pires dos Santos Cabette, Bacharel em Direito, Pós graduanda em Direito Público no Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Inovação Acadêmica Sustentável e Social do Unisal.