O art. 41 do CPP estabelece os requisitos básicos para a elaboração da peça inicial acusatória: “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.
A inicial acusatória importa em uma narrativa do fato, com todas suas circunstâncias e características, devendo apontar, objetiva e subjetivamente, o fato delituoso em si, bem “como a pessoa que o praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o mal que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira por que o praticou (quo modo), o lugar onde o praticou (quando)”, na lição de Borges da RosaComentários ao Código de Processo Penal, São Paulo: RT, 3ª. ed., 1982, p. 128. Em decorrência disso, podemos afirmar, em síntese, que a denúncia e a queixa devem conter:
a) Exposição do fato – Considerando que o acusado se defende dos fatos contidos na inicial (e não da qualificação legal a eles atribuída), a precisa exposição do ocorrido mostra-se fundamental, na medida em que propicia ao réu o mais amplo exercício de sua defesa.
b) Data do crime – O ideal – e, na prática, quase sempre é assim – é que da inicial conste a data e o local dos fatos, informação importante não só para a produção das provas (a comprovação de um álibi pode depender disso), como também para determinar a prescrição.
c) Local dos fatos – Embora também seja importante, sua omissão é considerada simples irregularidade.
d) Qualificação do acusado – É intuitivo que a peça acusatória indique a correta qualificação do denunciado ou querelado. A forma mais eficaz de designação de uma pessoa ocorre quando indicado seu nome, mas, como determina o art. 259 do CPP, “a impossibilidade de identificação do acusado com o seu verdadeiro nome ou outros qualificativos não retardará a ação penal, quando certa a identidade física”.
e) Classificação do crime – “Classificar o crime” consiste em indicar o artigo da lei penal no qual incurso o acusado.
f) Rol de testemunhas – O objetivo da lei é de permitir o exercício da contradita prevista no art. 214 do CPP Art. 214. Antes de iniciado o depoimento, as partes poderão contraditar a testemunha ou argüir circunstâncias ou defeitos, que a tornem suspeita de parcialidade, ou indigna de fé. O juiz fará consignar a contradita ou argüição e a resposta da testemunha, mas só excluirá a testemunha ou não Ihe deferirá compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208.. A ausência desse rol, porém, não dá causa à rejeição da denúncia ou queixa, pois seu autor pode considerar desnecessária a produção da prova testemunhal.
g) Outros requisitos – Além dos requisitos elencados no art. 41, outros podem ser lembrados, extraídos de artigos do Código e mesmo da legislação extravagante: 1) deve ser escrita em língua portuguesa; 2) deve ser acompanhada da representação do ofendido, se for o caso; 3) o ideal é que conste pedido expresso de condenação; 4) deve ser datada; 5) deve conter a assinatura do responsável pela elaboração da peça.
A ausência de determinados requisitos pode constituir mera irregularidade, que não causa nenhum embaraço ao regular processamento da ação penal. É o caso da omissão do local dos fatos ou mesmo da assinatura da peça acusatória. Embora se diga que a inicial não assinada é um ato inexistente, a jurisprudência tem encarado a omissão como simples irregularidade se as circunstâncias indicarem, sem nenhuma dúvida, a autoria da acusação.
No geral, o norte para a avaliação da peça acusatória é a possibilidade de exercício da ampla defesa. Se elaborada de forma que o agente possa exercitar plenamente a garantia constitucional de se defender da imputação, ainda que contenha determinadas irregularidades a inicial será considerada hígida. Por outro lado, quando a elaboração da denúncia ou da queixa é de tal modo deficiente que impede o exercício adequado da defesa, considera-se inepta. É o caso, por exemplo, em que os fatos são narrados de forma muito genérica, sem individualizar a conduta.
Mas até que momento a inépcia da inicial acusatória pode ser arguida?
De acordo com o que tem decidido o STJ, a inépcia deve ser apontada ainda na fase processual, quando a ampla defesa é exercitada de forma mais contundente. Assim, caso a denúncia ou a queixa não seja liminarmente rejeitada, nos termos do art. 395, I, do CPPArt. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. , por ser manifestamente inepta, deve o acusado apontar as irregularidades na primeira oportunidade, sob pena de preclusão. Após a prolação da sentença condenatória, sem que tenha havido a iniciativa de apontar a inépcia no momento oportuno, não se discute a higidez da peça acusatória porque se considera plenamente viabilizado o exercício da ampla defesa:
“A superveniência da sentença penal condenatória torna esvaída a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia, isso porque o exercício do contraditório e da ampla defesa foi viabilizado em sua plenitude durante a instrução criminal (AgRg no AREsp n. 537.770/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/8/2015)” (REsp 1.465.966/PE, DJe 19/10/2017).
“O pedido de trancamento do processo por inépcia da denúncia ou por ausência de justa causa para a persecução penal não é cabível quando já há sentença, pois seria incoerente analisar a mera higidez formal da acusação ou os indícios da materialidade delitiva se a própria pretensão condenatória já houver sido acolhida, depois de uma análise vertical do acervo fático e probatório dos autos” (RHC 32.524/PR, DJe 17/10/2016).
E não tem sido diferente a orientação do STF:
“De acordo com a jurisprudência desta Suprema Corte, a superveniência do édito condenatório prejudica o exame da tese defensiva da falta de justa causa e preclusa a alegação de inépcia da denúncia quando suscitada após a sentença penal condenatória ser exarada. Precedentes” (HC 104.447/BA, DJe 13/10/2017).
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