Tipificado no art. 334 do CP e punido com reclusão de um a quatro anos, o descaminho consiste em iludir, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, o pagamento de direito ou imposto devido em face da entrada ou saída da mercadoria não proibida.
Os tribunais superiores admitem a aplicação do princípio da insignificância àquelas situações em que as mercadorias apreendidas são em pequena quantidade, com valores ínfimos e sem destinação comercial. Isto porque, em virtude do baixo valor dos tributos incidentes sobre tais bens, o Fisco não promove a execução de seus créditos, utilizando-se do já conhecido argumento de que a instauração de um processo executivo fiscal, diante de um valor irrelevante a ser recebido, não será compensada no momento do pagamento.
Existe, no entanto, divergência no valor do teto da insignificância.
Baseando-se nos termos das Portarias 75/12 e 130/12 do Ministério da Fazenda, o STF tem considerado o valor de R$ 20.000,00:
“Nos termos da jurisprudência deste Tribunal, o princípio da insignificância deve ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações feitas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda. Precedentes. II – Mesmo que o suposto delito tenha sido praticado antes das referidas Portarias, conforme assenta a doutrina e jurisprudência, norma posterior mais benéfica retroage em favor do acusado. III – Ordem concedida para trancar a ação penal” (HC 139.393/PR, DJe 02/05/2017).
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento do Recurso Especial nº 1.393.317/PR, decidiu que o princípio da insignificância só se aplica em casos de crime de descaminho se o valor questionado for igual ou inferior a R$ 10.000,00. Em síntese, concluiu que o Judiciário deve seguir os parâmetros descritos em lei federal, e não em portaria administrativa da Fazenda Federal.
“Soa imponderável, contrária à razão e avessa ao senso comum tese jurídica que, apoiada em mera opção de política administrativo-fiscal, movida por interesses estatais conectados à conveniência, à economicidade e à eficiência administrativas, acaba por subordinar o exercício da jurisdição penal à iniciativa da autoridade fazendária. Sobrelevam, assim, as conveniências administrativo-fiscais do Procurador da Fazenda Nacional, que, ao promover o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00, impõe, mercê da elástica interpretação dada pela jurisprudência dos tribunais superiores, o que a Polícia deve investigar, o que o Ministério Público deve acusar e, o que é mais grave, o que – e como – o Judiciário deve julgar.
(…)
A partir da Lei n. 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio de simples portaria, alterar o valor definido como teto para o arquivamento de execução fiscal sem baixa na distribuição. E a Portaria MF n. 75/2012, que fixa, para aquele fim, o novo valor de R$ 20.000,00 – o qual acentua ainda mais a absurdidade da incidência do princípio da insignificância penal, mormente se considerados os critérios usualmente invocados pela jurisprudência do STF para regular hipóteses de crimes contra o patrimônio – não retroage para alcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à vigência da referida portaria, porquanto não é esta equiparada a lei penal, em sentido estrito, que pudesse, sob tal natureza, reclamar a retroatividade benéfica, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, do CPP”.
O tribunal tem insistido nessa mesma tese, ressalvando o afastamento do princípio da insignificância no caso de reiteração delitiva, como no julgamento do AgRg no REsp 1.538.629/RS, DJe 27/03/2017.
Recentemente, no entanto, a Terceira Seção do STJ afetou os Recursos Especiais 1.709.029 e 1.688.878, que discutem a aplicação do princípio da insignificância em crimes de descaminho, para revisar a tese anteriormente adotada. A revisão foi proposta pelo ministro Sebastião Reis Júnior, segundo quem o propósito é adequar a jurisprudência do tribunal ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, como ressaltado, considera o princípio da insignificância aplicável nos casos em que o valor do tributo iludido não ultrapassa R$ 20.000,00.
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