1. INTRODUÇÃO
O recurso ordinário constitucional – o ROC – será a primeira das peças endereçáveis ao STJ e ao STF que estudaremos. Apesar de nunca ter sido a escolhida da FGV em segunda fase, é uma peça com boa probabilidade de cair na prova prática.
Prevista nos arts. 102, IIArt. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...) II - julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime político;, e 105, IIArt. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) II - julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;, da CF, a peça já foi alvo de debates no STF em razão da hipótese de HC substitutivo, e é regulada pela Lei 8.038/90. As teses, em si, não são difíceis, pois estão limitadas ao que se buscou no HC denegado. Entretanto, como veremos a seguir, alguns detalhes podem ser perigosos em sua elaboração.
2. ROC EM RESE?
A CF é bem clara: cabe ROC em decisão denegatória de HC. No entanto, imagine a seguinte situação: o juiz de primeira instância julga o HC e o denega. O paciente, então, interpõe RESE (CPP, art. 581, X Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: (...) X - que conceder ou negar a ordem de habeas corpus;), e o TJ nega provimento. Qual é o recurso cabível da decisão do tribunal? O ROC ao STJ, pois o RESE foi interposto em razão de HC denegado, e a CF (art. 105, II) determina que compete ao STJ julgar ROC de HC julgado em única ou última instância por TJ ou TRF.
3. ROC DO ROC?
O art. 102, II, “a”, da CF, diz o seguinte, sobre a competência do STF: “II – julgar, em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão”. Percebeu a expressão “única”? Significa dizer que só caberá ROC ao STF se o tribunal superior foi a única instância a julgar o HC. Ex.: um HC é impetrado no STJ contra decisão de TJ. Da decisão do HC julgado pelo STJ, cabe ROC ao STF. Por outro lado, se um ROC é impetrado no STJ contra decisão de Tribunal de Justiça que julgou HC, não cabe outro ROC (ao STF) da decisão que denega o primeiro ROC (julgado pelo STJ). Ou seja, não é possível ROC de ROC.
4. FUNDAMENTO LEGAL
Se quem denegou o HC ou MS foi o STJ, a peça está fundamentada no art. 102, II, da CF. Se quem denegou foi TJ ou TRF, a peça deve ser fundamentada no art. 105, II, da CF (não se esqueça do inciso!). Ademais, nesta segunda hipótese, a peça também deve ser embasada no art. 30 (HC) ou no art. 33 (MS) da Lei 8.038/90.
5. ROC E O NOVO CPC
Em relação ao ROC interposto contra decisão denegatória de MS, habeas data e mandado de injunção, fique atento ao que dispõem os arts. 1027Art. 1.027. Serão julgados em recurso ordinário: I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão; II - pelo Superior Tribunal de Justiça: a) os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; b) os processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. e 1028Art. 1.028. Ao recurso mencionado no art. 1.027, inciso II, alínea “b”, aplicam-se, quanto aos requisitos de admissibilidade e ao procedimento, as disposições relativas à apelação e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. do CPC.
6. ENDEREÇAMENTO
O endereçamento do ROC depende de quem julgou o HC. Se foi TJ ou TRF, a interposição deve se dar a um dos tribunais e as razões ao STJ. Se o STJ julgou o HC, a interposição deve ser endereçada a ele e as razões ao STF. E se quem denegou o HC foi juiz de primeira instância? Aí, a peça cabível será o RESE (CPP, art. 581, X).
7. HC SUBSTITUTIVO
O assunto não influencia na elaboração da peça, mas pode ser cobrado nas questões. Como estamos estudando o ROC, achei o momento ideal para falar a respeito dele. Entenda: da decisão denegatória de HC, oriunda de tribunal, cabe ROC. No entanto, os advogados faziam o seguinte: quando um HC era denegado, eles impetravam outro HC – ou seja, HC em HC. O motivo é óbvio. Em HC, é possível pedir liminarmente a concessão do que se busca. Ademais, o trâmite do HC goza de prioridade em relação a outras peças (ex.: art. 1035, § 9º, do CPC§ 9o O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.). Como os tribunais aceitavam a manobra, ninguém mais fazia interposição de ROC. Era melhor interpor HC em HC – ou HC substitutivo. O STF, no entanto, passou a não mais admiti-lo, devendo o paciente interpor ROC quando o seu HC for denegado. Atualmente, o entendimento é o seguinte: os tribunais não conhecem do HC substitutivo, mas podem conceder a ordem de ofício. Veja um julgado do STJ (HC 356.419/SP), do último dia 31 de agosto, que confirma o que acabei de dizer: “Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.”.
8. ROC EM MS
Embora o mandado de segurança não seja peça muito utilizada por quem atua na área criminal – em comparação a quem atua na cível -, é importante que você saiba que cabe ROC da decisão denegatória do remédio constitucional. A sua tese será o direito líquido e certo violado.
9. DECISÃO QUE CONCEDE HC OU MS
Veja que só se fala em ROC se a decisão for denegatória. Se o HC ou o MS for concedido, a parte interessada deverá recorrer com recurso especial ou recurso extraordinário.
10. CRIMES POLÍTICOS
Como o assunto envolve polêmica, duvido muito que a FGV o escolha para a próxima segunda fase. O art. 102, II, “b” da CF determina que, em sentença proferida em julgamento de crime político, a peça cabível não é a apelação, ao tribunal, mas ROC ao STF. Acerca dos crimes políticos, veja a Lei 7.170/83.
11. COMPETÊNCIA
Depende da hipótese. Veja:
a) ROC ao STF: a interposição é endereçada ao presidente do tribunal superior que proferiu a decisão e as razões são endereçadas ao STF;
b) ROC ao STJ: a interposição é endereçada ao presidente do TJ ou do TRF e as razões são endereçadas ao STJ.
12. PRAZOS
O prazo para a interposição de ROC em HC é de 5 dias (art. 30 da Lei 8.039/90). Se o ROC for em MS, o prazo é de 15 dias (art. 33 da Lei 8.038/90). O recorrido também tem 15 dias, mas para oferecer contrarrazões (art. 1028, § 2º, do CPC§ 2o O recurso previsto no art. 1.027, incisos I e II, alínea “a”, deve ser interposto perante o tribunal de origem, cabendo ao seu presidente ou vice-presidente determinar a intimação do recorrido para, em 15 (quinze) dias, apresentar as contrarrazões.). Entretanto, cuidado: se o MS for em matéria criminal, e de competência do STF, há o enunciado n. 319O prazo do recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus ou mandado de segurança, é de cinco dias. da Súmula da Corte. Alguns autores sustentam que ele continua válido.
13. TESES
A tese gira em torno do que foi sustentado – e denegado – em HC. Se o que se discute é a liberdade provisória do recorrente, você deve fazer a mesma análise que faria para um pedido de liberdade provisória ou de relaxamento: ausência de requisitos para a preventiva ou ilegalidade do flagrante.
A peça pode ficar um pouco mais complicada em caso de HC impetrado para o trancamento de ação penal por falta de justa causa. Neste caso, você terá de explorar as teses de composição do crime, de punibilidade e de falta ou ilegalidade de provas (ex.: indiciamento com base em delação apócrifa). Nada que já não tenha sido estudado em outras peças. De qualquer forma, detectada a falta de justa causa, jamais peça absolvição em ROC.
14. MODELO DE PEÇA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO …
Obs.: o uso de “doutor” e de “egrégio” não é obrigatório. O importante é que a peça de interposição seja endereçada à autoridade correta. Se o ROC fosse interposto de julgamento do STJ, o endereçamento seria: “Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça”. Por fim, fique atento à competência da JF, hipótese em que você terá de endereçar ao “Desembargador Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da … Região”.
FULANO, já qualificado nos autos, vem, por seu advogado, interpor RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL, com fundamento no art. 105, II, “a” da Constituição Federal e art. 30 da Lei 8.038/90.
Obs.: se o ROC for interposto contra decisão do STJ, fundamente no art. 102, II, da CF. Além disso, faça um favor a você mesmo: coloque um post-it para marcar a Lei 8.038/90 em seu vade mecum. Ninguém merece ficar desesperado na prova porque a lei “fugiu”.
Requer seja recebido e processado o recurso e encaminhado, com as inclusas razões, ao Superior Tribunal de Justiça.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Obs.: a dica de sempre: veja se o enunciado não pede o último dia do prazo.
RAZÕES DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL
Recorrente: FULANO.
Recorrida: JUSTIÇA PÚBLICA.
Superior Tribunal de Justiça,
Colenda Turma,
Douto Procurador da República,
O recorrente, não concordando com a decisão da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado …, vem, por seu advogado, pedir para que seja reformada, pelas razões a seguir:
Obs.: perceba que a galera mudou. No STJ, há turmas, e não câmaras. Além disso, sai o procurador de justiça e entra o procurador da república.
DOS FATOS
No dia 4 de fevereiro de 2016, o recorrente, em uma briga no “Bar da Tonha”, disparou dois tiros contra Sicrano, causando sua morte. Dois dias depois, no dia 6 de fevereiro, Fulano apresentou-se espontaneamente ao delegado plantonista, que o prendeu em flagrante.
Em virtude da ilegalidade da prisão em flagrante, o recorrente ajuizou relaxamento da prisão em flagrante, denegado pelo juiz da … Vara do Júri da Comarca …. Da decisão, impetrou habeas corpus, ao Tribunal de Justiça do Estado …, que denegou a ordem por entender legal a prisão em flagrante.
Obs.: nos fatos, apenas resuma o enunciado.
DO DIREITO
Portanto, Excelências, inegável a ameaça à liberdade do recorrente por ilegalidade ou abuso de poder, sanável por habeas corpus, com fundamento no art. 5º, LXVIII, da Constituição FederalLXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; .
Isso porque as hipóteses de prisão em flagrante estão no art. 302 do Código de Processo PenalArt. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.. Considerando que o recorrente apresentou-se espontaneamente, é inegável que a sua prisão em flagrante foi ilegal, devendo ser relaxada.
Obs.: no tópico “do direito”, a FGV fará com que você fundamente a tese sustentada no HC denegado. Por isso, embora a tese venha de graça – o problema terá de dizer o porquê do HC ter sido denegado -, o seu trabalho será o de fundamentá-la adequadamente.
DO PEDIDO
Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o recurso, para que seja reconhecida a ilegalidade da prisão em flagrante, com fundamento no art. 302 do CPP, devendo haver seu relaxamento, com fulcro no art. 5º, LXVIII, da CF. Ademais, requer a expedição de alvará de soltura.
Obs.: exceto em prisão temporária, quando esgotado o prazo, o preso só sai da cadeia com alvará (ou se fugir!). Se o cliente estiver preso, peça a sua expedição. Ademais, traga os artigos usados no tópico “do direito” para o “do pedido”. A FGV costuma cobrar em duplicidade os dispositivos.
Pede deferimento
Comarca, data.
Advogado.