1. INTRODUÇÃO
O rito do júri possui duas fases: na 1ª, o magistrado faz juízo de admissibilidade. Ele decide se o réu deve ou não ser julgado perante o Conselho de Sentença. Ao término desta fase, é possível apelar em duas situações (CPP, art. 416 Art. 416. Contra a sentença de impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação. ): contra a impronúncia ou contra a absolvição sumária. Esta hipótese já foi cobrada na segunda fase do Exame de Ordem, como vimos em um post passado.
Caso o réu seja pronunciado, o julgamento é submetido ao Conselho de Sentença (2ª fase), e da decisão do Tribunal do Júri é possível apelar, mas com fundamento no art. 593, III, do CPP Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. . Em relação à estrutura da peça, esta possibilidade de apelação não difere em nada das demais já vistas. A grande pegadinha está no pedido, pois não é possível requerer a absolvição do acusado, mas a realização de um novo júri ou a correta aplicação da pena. Sem dúvida alguma, é o ponto que mais causará prejuízo entre os examinandos caso venha a cair em uma segunda fase.
2. PRAZO
O prazo é o mesmo das demais hipóteses do art. 593 do CPP: 5 dias para interposição e 8 para razões.
3. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL
Art. 593, III, do CPP. Não se esqueça de indicar a(s) alínea(s).
4. COMO IDENTIFICAR A PEÇA
O problema dirá que o réu já foi julgado e condenado pelo Conselho de Sentença.
5. TESES DE DEFESA
As teses são aquelas do art. 593, III, “a” a “d”, do CPP. É possível que mais de uma esteja presente. A identificação correta da tese é fundamental para o pedido (vide art. 593, § 1º a § 3º§ 1º Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação. § 2º Interposta a apelação com fundamento no no III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança. § 3º Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. ). Vejamos:
a) Nulidade posterior à pronúncia: se tiver ocorrido alguma nulidade posterior à pronúncia, deve ser pedido um novo julgamento, pois o primeiro foi nulo. Algumas hipóteses de nulidade estão no art. 564 do CPP. Outras podem ser identificadas no passo a passo do rito do júri, a partir do art. 406 do CPP. Exemplo: o art. 478 do CPP.
b) Sentença do juiz presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados: neste caso, deve ser pedido ao tribunal para que corrija a sentença. Não é preciso um novo julgamento.
c) Erro ou injustiça na aplicação da pena ou da medida de segurança: também deve ser pedido ao tribunal para que corrija a sentença. Não tem motivo para um novo julgamento. Nesta hipótese, avalie o quantum de pena, o regime inicial imposto e a possibilidade de eventuais benefícios. Fique atento aos arts. 492Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: a) fixará a pena-base; b) considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates; c) imporá os aumentos ou diminuições da pena, em atenção às causas admitidas pelo júri; d) observará as demais disposições do art. 387 deste Código; e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva; f) estabelecerá os efeitos genéricos e específicos da condenação; II – no caso de absolvição: a) mandará colocar em liberdade o acusado se por outro motivo não estiver preso; b) revogará as medidas restritivas provisoriamente decretadas; c) imporá, se for o caso, a medida de segurança cabível. e 493 do CPPArt. 493. A sentença será lida em plenário pelo presidente antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento..
d) Decisão dos jurados contrária às provas dos autos: como a decisão dos jurados é soberana, não pode o tribunal reformar o que por eles foi decidido. No máximo, pode determinar a realização de novo julgamento por outro Conselho de Sentença – os sete jurados do primeiro julgamento não podem, evidentemente, participar do segundo, pois já expuseram a sua posição sobre o caso.
6. COMPETÊNCIA
A interposição ou a juntada deve ser endereçada ao juiz presidente do Tribunal do Júri, e as razões ao tribunal (TJ ou TRF).
7. MODELO DE PEÇA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ PRESIDENTE DO … TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA …
Obs.: há alguns dias, uma ex-aluna me perguntou se as razões deveriam ser endereçadas ao “Desembargador Presidente do Tribunal do Júri”. Apesar da expressão “tribunal”, não se trata de Corte similar ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Regional Federal. O magistrado que preside o Tribunal do Júri é juiz de direito de primeira instância, e não um desembargador.
FULANO, já qualificado nos autos, vem, por seu advogado, interpor RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamento no art. 593, III, “a”, “c” e “d”, do CPP.
Obs.: não se esqueça de indicar a alínea. Pode ocorrer de a apelação estar fundamentada em mais de uma. Neste caso, mencione todas elas (ex.: art. 593, III, “a” e “c”, do CPP). Ademais, pode ocorrer de a interposição ter se dado em plenário. Nesta hipótese, o ideal seria o pedido de juntada de razões, e não a interposição. Em qualquer caso, não deixe de mencionar o art. 593, III, do CPP, que, indubitavelmente, será exigido.
Requer seja recebido, processado e encaminhado o recurso, com as inclusas razões, ao Tribunal de Justiça do Estado ….
Obs.: muitos usam a expressão “egrégio” antes de tribunal. A palavra significa notável, admirável, importante. É claro, não é algo obrigatório, assim como não é exigido, pela FGV, o uso de “doutor”, “excelência” ou outra expressão para cumprimento da autoridade a quem a peça se destina. Além disso, cuidado com a competência da Justiça Federal.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Obs.: se a FGV pedir, date a interposição e as razões no último dia de prazo.
RAZÕES DE APELAÇÃO
APELANTE: FULANO.
APELADO: JUSTIÇA PÚBLICA.
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COLENDA CÂMARA,
DOUTO PROCURADOR DE JUSTIÇA,
Em que pese o respeitável saber jurídico do Juiz Presidente do … Tribunal do Júri da Comarca …, a sentença recorrida deve ser reformada pelas razões a seguir:
Obs.: nas vezes em que caiu apelação, a FGV exigiu no gabarito o pedido de reforma da sentença. Por isso, não deixe de pedi-la expressamente.
I. DOS FATOS
O apelante foi denunciado, nos termos do art. 121, “caput”, do CPArt. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos., por ter causado a morte de Sicrano, no dia 4 de fevereiro de 2016. Na fase de instrução, ele confessou ter praticado a conduta, mas disse ter agido em legítima defesa, pois Sicrano tentou matá-lo, e ele apenas se defendeu. As testemunhas, João e Maria, confirmaram a versão do recorrente, e disseram que a conduta se deu em hipótese de exclusão da ilicitude.
Pronunciado, o apelante foi submetido a julgamento perante o Conselho de Sentença do … Tribunal do Júri da Comarca …. Novamente, afirmou que a conduta se deu em legítima defesa, e, mais uma vez, as testemunhas corroboraram a sua versão.
Em plenário, em debate, o ilustre membro do Ministério Público afirmou que o recorrente deveria ser condenado pelo crime. Segundo ele, o fato de o acusado ter sido pronunciado indica que não houve legítima defesa, senão o próprio magistrado o teria absolvido sumariamente na fase de pronúncia.
O Conselho de Sentença rejeitou a tese defensiva e condenou o recorrente pela prática do delito. O meritíssimo Juiz Presidente, ao proferir a sentença, impôs a pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial fechado, em virtude da gravidade em abstrato do delito.
Obs.: no tópico “Dos Fatos”, apenas resuma o enunciado.
II. DO DIREITO
Como se vê, Excelências, a sentença recorrida não merece prosperar. Isso porque, ao fazer referência à pronúncia, o Promotor de Justiça deu causa à nulidade de todo o julgamento, conforme art. 478, I, do CPP Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;, devendo o caso ser submetido a novo julgamento, com fundamento no art. 593, III, “a”, do CPP.
Ademais, todas as provas produzidas durante a instrução apontam para a exclusão da ilicitude pela legítima defesa, com fulcro no art. 25 do CP Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.. As testemunhas João e Maria, as únicas ouvidas, confirmaram a versão do apelante, de que a conduta se deu para proteger-se de ataque injusto de Sicrano. Em razão disso, o caso deve ser submetido a novo julgamento, com fundamento nos arts. 593, III, “d” e art. 593, III, § 3º, ambos do CPP, em virtude de a decisão dos jurados ser manifestamente contrária às provas dos autos.
Por derradeiro, ainda que não seja o caso submetido a novo julgamento, errou o Juiz-Presidente ao fixar o regime inicial fechado com fundamento na gravidade em abstrato do delito, devendo ser fixado o regime semiaberto, conforme art. 33, § 2º, “b” do CP § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto., e art. 593, III, § 2º do CPP
Obs.: alegue tudo o que for de interesse ao réu, ainda que pareça contraditório. Além disso, seja repetitivo: fundamente a sua tese no tópico “dos fatos” e no “do pedido”. Em vários gabaritos, vi a FGV pedir o mesmo dispositivo duas vezes – na exposição da tese e no pedido.
III. DO PEDIDO
Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o recurso, para que o processo seja anulado desde o julgamento e o recorrente seja submetido a um novo julgamento, com fundamento nos arts. 478, I, e 593, III, “a”, do CPP.
Subsidiariamente, requer seja o apelante submetido a novo julgamento em virtude da decisão ser contrária às provas dos autos, com fulcro nos arts. 593, III, “d” e 593, III, § 3º, do CPP.
Por derradeiro, caso Vossas Excelências entendam que não deve ocorrer novo julgamento, pede a fixação de regime inicial semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, “b”, do CP e art. 593, III, § 2º, do CPP.
Obs.: em hipótese alguma você pedirá a absolvição na apelação do art. 593, III, do CPP. Peça novo julgamento ou a retificação da sentença, a depender do caso, como já estudamos anteriormente.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Obs.: fique atento a eventual pedido da banca para que a peça seja datada no último dia de prazo. A data deve ser mencionada tanto na interposição quanto nas razões.