1. INTRODUÇÃO
O recurso em sentido estrito não é cobrado desde o XI Exame de Ordem. Sem dúvida alguma, é uma das peças de maior probabilidade para a próxima segunda fase. Por isso, da mesma forma como fiz com a apelação, dividirei a explicação em mais de uma postagem, para que a abordagem seja a mais completa possível.
A peça, em si, não é difícil. A estrutura é a mesma dos demais recursos e as teses principais são o motivo que ensejou a sua interposição – por isso, facilmente identificáveis. Portanto, em tese, é mais fácil do que a apelação, que comporta todas as teses possíveis.
Caso caia, é bem provável que seja pedido no rito do júri, contra decisão de pronúncia (art. 581, IV, do CPP Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: (...) IV – que pronunciar o réu;). Por essa razão, será a primeira hipótese de RESE que estudaremos.
2. FUNDAMENTO LEGAL
Art. 581 do CPP.
3. PRAZO
O prazo é de 5 dias para a interposição e de 2 dias para as razões. É bem provável que a banca peça para que a data seja o último dia de prazo. Se o problema disser o dia da semana, leve a informação em consideração. Ex.: se a intimação se deu em uma sexta-feira, a contagem do prazo deve iniciar na segunda-feira seguinte. Por outro lado, se o enunciado nada disser, não invente informação. Faça a contagem corrida. Ex.: se a intimação se deu no dia 5, o prazo encerra no dia 10.
4. APELAÇÃO E RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Não há como fazer confusão. As hipóteses de RESE estão em rol taxativo, no art. 581 do CPP. A apelação deve ser residual, quando não for possível a interposição de RESE.
5. JUÍZO DE RETRATAÇÃO
Em RESE, é possível que o juiz que proferiu a decisão se arrependa e volte atrás após as contrarrazões do recorrido. Como é uma peculiaridade da peça, a FGV sempre pontua o pedido de retratação, que deve ser fundamentado no art. 589 do CPPArt. 589. Com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de dois dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que Ihe parecerem necessários. Parágrafo único. Se o juiz reformar o despacho recorrido, a parte contrária, por simples petição, poderá recorrer da nova decisão, se couber recurso, não sendo mais lícito ao juiz modificá-la. Neste caso, independentemente de novos arrazoados, subirá o recurso nos próprios autos ou em traslado..
6. CONTRARRAZÕES
O CPP não fala em contrarrazões em momento algum. Portanto, a FGV deve aceitar as expressões “razões do recorrido” e “razões de recurso em sentido estrito”, termos utilizados no art. 588 do CPPArt. 588. Dentro de dois dias, contados da interposição do recurso, ou do dia em que o escrivão, extraído o traslado, o fizer com vista ao recorrente, este oferecerá as razões e, em seguida, será aberta vista ao recorrido por igual prazo. Parágrafo único. Se o recorrido for o réu, será intimado do prazo na pessoa do defensor., fundamento legal da peça, e “contrarrazões de recurso em sentido estrito”, expressão adotada pela doutrina. Caso seja a peça escolhida, faça a petição de juntada – e não de interposição – e as razões.
7. TESES
No rito do júri, no final da 1ª fase, o juiz tem quatro opções: pronunciar, impronunciar, absolver sumariamente ou desclassificar o delito para outro. Para o réu, a impronúncia e a absolvição sumária são interessantes. A desclassificação também pode ser do seu interesse, desde que para um crime menos gravoso. De qaulquer forma, no RESE do art. 581, IV, o nosso foco será evitar que o réu seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri (2ª fase). Vejamos o passo a passo para alcançar o objetivo:
1º Passo: derrubar a justa causa. Neste ponto, procure destruir a imputação contra o réu. Veja se o enunciado traz provas inequívocas de que o fato não existiu (materialidade) ou de que o acusado não praticou o delito (autoria). Ademais, busque por causas de exclusão do crime. Nestas hipóteses, peça a absolvição sumária, com fundamento no art. 415 do CPPArt. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. . Em seguida, busque por fragilidade probatória – não há certeza de que o fato não ocorreu ou de que o réu não praticou o delito, mas também não há prova suficiente para a pronúncia. Neste caso, peça a impronúncia, com fundamento no art. 414, “caput”, do CPPArt. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado..
2º Passo: a busca por nulidades processuais. O rito do júri tem início no art. 406 do CPP. Veja se o procedimento foi respeitado (ex.: se foi dado prazo para resposta à acusação). Ademais, analise se a competência realmente é da vara do júri – ponto importante caso a natureza de crime doloso contra a vida seja afastada em desclassificação (ex.: de homicídio doloso para culposo). Identificada qualquer nulidade, peça a anulação do processo desde o ato viciado.
3º Passo: a análise da punibilidade. As causas gerais de extinção da punibilidade estão no art. 107 do CPArt. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.. A FGV costuma pedir a prescrição. Caso o problema traga muitas datas, faça o cálculo e descubra se a punibilidade já não está extinta. Identificada qualquer causa de extinção da punibilidade, peça a sua declaração.
4º Passo: a desclassificação do crime. No rito do júri, é bem provável que o gabarito traga alguma tese de desclassificação. A situação mais comum é a da desclassificação do homicídio doloso para o homicídio culposo, hipótese em que você deverá pedir, além da desclassificação, a nulidade do processo e a sua remessa ao juízo competente. Não se esqueça de fundamentar a sua tese e o pedido no art. 419 do CPPArt. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja. .
Por fim, atenção: se houver crime conexo, faça o passo a passo acima em relação a ele. Exemplo: o réu foi pronunciado por homicídio doloso e por estupro. É possível que o juiz pronuncie pelo homicídio, mas impronuncie pelo estupro. Por essa razão, é necessário realizar a análise fracionada de cada crime imputado ao réu. Ademais, é também admissível buscar o afastamento de qualificadoras. Caso caia, é bem provável que seja a tese subsidiária do problema. Sobre a imposição de pena, não é possível falar, em RESE, em dosimetria, em regime ou em eventuais benefícios, como a substituição e o “sursis”.
8. MODELO DE PEÇA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA … VARA DO JÚRI DA COMARCA …
Obs.: em muitas comarcas, a vara que julga os crimes dolosos contra a vida é intitulada “vara do tribunal do júri”. Em outras, apenas “vara do júri”. Se for uma pequena comarca do interior, é bem provável que nem exista uma vara do júri, mas apenas uma vara única. E no Exame de Ordem, qual nome devemos adotar? Veja o que diz o enunciado. No XI Exame de Ordem, a FGV falou em “vara criminal do tribunal do júri”. Portanto, o endereçamento correto era este último. Lembre-se: só existe no mundo o que está no enunciado. E se não houver a informação? Como a FGV já utilizou a expressão “vara do tribunal do júri”, penso que seja a melhor opção. Ademais, fique atento à competência da Justiça Federal, que também julga crimes dolosos contra a vida.
FULANO, já qualificado nos autos, vem, por seu advogado, interpor RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, com fundamento no art. 581, IV, do Código de Processo Penal.
Obs.: certa vez, um ex-aluno reprovou na segunda fase por ter elaborado a peça no verso da folha de resposta. Depois desse dia, não duvido de mais nada. Por isso, não custa dizer: em hipótese alguma fale em RESE. O nome da peça é recurso em sentido estrito. Ademais, não se esqueça de mencionar de forma correta: art. 581 e inciso. Por questões estéticas, escrevi em letra maiúscula, mas isso não faz a menor diferença.
O recorrente pede, primordialmente, que Vossa Excelência se retrate de sua decisão, nos termos das razões anexadas, com fundamento no art. 589 do CPP.
Obs.: este ponto é importante. Em um famoso manual, o modelo de RESE trazido pelos autores não faz qualquer menção à retratação ou ao art. 589 do CPP. No entanto, na última vez em que a peça caiu, a FGV fez a seguinte exigência: “Deverá, o examinando, na própria petição de interposição, formular pedido de retratação (ou requerer o efeito regressivo/iterativo), com fundamento no Art. 589, do CPP”. Portanto, não vacile! Peça a retratação e fundamente adequadamente.
Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não se retrate, requer o recebimento, o processamento e o encaminhamento do recurso, com as razões inclusas, ao Tribunal de Justiça do Estado ….
Obs.: já vi gente pedindo o encaminhamento das razões do tribunal do júri. Evidentemente, não é o correto, devendo o endereçamento ser feito ao TJ ou ao TRF.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Obs.: se a FGV pedir o último dia de prazo, calcule os 5 dias, e não a soma total dos prazos (7 dias). A data deve ser mencionada tanto na interposição quanto nas razões – a banca sempre faz esta exigência. Caso o enunciado não fale em dia da semana, ignore a informação e faça a contagem corrida. Dois exemplos: 1º a intimação se deu no dia 2, uma sexta-feira. Neste caso, o prazo encerra no dia 9, pois a contagem teve início na segunda-feira; 2º a intimação se deu no dia 2, sem menção a dia da semana. Nesta hipótese, o prazo encerra no dia 7. Se já tiver havido interposição, o prazo a ser contado é o de 2 dias, e o art. 588 deverá ser mencionado expressamente.
RAZÕES DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
RECORRENTE: FULANO.
RECORRIDO: JUSTIÇA PÚBLICA.
Egrégio Tribunal de Justiça,
Colenda Câmara,
Douto Procurador de Justiça,
O recorrente, não conformado com a decisão do Excelentíssimo Sr. Juiz de Direito da … Vara do Júri da Comarca …, que o pronunciou, requer a sua reforma pelas razões a seguir:
I. DOS FATOS
No dia 25 de janeiro de 2016, no cruzamento das ruas “A” e “D”, o apelante, ao conduzir seu automóvel, atropelou Sicrano, causando a sua morte.
No momento da colisão, o veículo estava dentro do limite permitido para a via, que é de 50 km/h.
Ao ser submetido ao teste de alcoolemia, descobriu-se que o recorrente havia consumido uma pequena quantidade de bebida alcóolica. Questionado a respeito ao ser interrogado na delegacia, ele confirmou a informação, e disse ter bebido apenas um copo de cerveja.
Em razão disso, o Ministério Público o denunciou por homicídio doloso, com fundamento no art. 121 do CPArt. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos., pois a embriaguez afastaria automaticamente qualquer possibilidade de culpa, em vez de dolo, na conduta do agente.
O Juiz de Direito da … Vara do Júri concordou com a tese, e pronunciou o apelante pela prática do crime de homicídio doloso.
Obs.: no tópico “dos fatos”, apenas resuma o enunciado.
II. DO DIREITO
Entretanto, a respeitável sentença de pronúncia não merece prosperar. Embora o apelante tenha bebido na data dos fatos, a quantidade foi mínima, não suficiente para retirar-lhe plenamente a capacidade de conduzir o automóvel.
Ainda que os Tribunais Superiores reconheçam que a ingestão de bebida alcoólica pode fazer com que seja reconhecido o dolo eventual em crimes praticados no trânsito, isso não significa que seja algo automático. A avaliação deve ser caso a caso.
Portanto, a conduta do apelante melhor se amolda ao crime do art. 302 do Código de Trânsito BrasileiroArt. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor., praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor, devendo haver a desclassificação. Em consequência disso, é incompetente o juízo da Vara do Júri para o julgamento do delito, e nulo o processo, conforme art. 564, I, do CPP, devendo ser remetido ao juiz competente, nos termos do art. 419, “caput”, do CPP.
Obs.: o modelo está bem simples. Na prova, é bem provável que a FGV peça diversas teses ao mesmo tempo. Tudo o que for dito e fundamentado no tópico “do direito” deve ser repetido no “do pedido”. É repetitivo e desnecessário, mas a FGV assim exige.
III. DO PEDIDO
Diante do exposto, requer seja conhecido e provido o recurso, para que ocorra a desclassificação do crime de homicídio doloso, do art. 121 do CP, para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, do art. 302 do CTB. Pede, ademais, em consequência da desclassificação, que o processo seja anulado “ab initio”, com fundamento no art. 564, I, do CPP Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;, e que seja remetido ao juízo competente, com fundamento no art. 419, “caput”, do CPP.
Obs.: procure fazer o pedido da forma mais completa possível, com todos os artigos utilizados para fundamentar a tese. Não se preocupe em ser repetitivo – em verdade, é algo positivo. Se a peça tiver diversas teses, fundamente uma a uma no pedido.
Pede deferimento.
Comarca, data.
Advogado.
Obs.: se a banca pedir, date a peça no último dia do prazo.