Em 6/8/2025 a Corte Especial do STJ concluiu o julgamento do Tema 1201, delineando novos contornos para a aplicação da multa relativa à interposição do agravo interno previsto no art. 1.021 do Código de Processo Civil.
As teses jurídicas fixadas no Tema 1201 são as seguintes:
I – O agravo interposto contra a decisão do Tribunal de Origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição do recurso especial ou extraordinário, quando apresentado contra a decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC.
II – A multa prevista no artigo 1.021, § 4º, não é cabível quando alegada, fundamentadamente, a distinção ou a superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, ou quando a decisão agravada estiver amparada em julgado de tribunal de segundo grau. Excetuadas essas hipóteses, caberá ao órgão colegiado verificar a aplicação da multa considerando as peculiaridades do caso concreto.
Esse precedente vinculante possui várias camadas de interpretação, e é muito relevante apresentá-las uma a uma.
Para tanto, é necessário percorrer determinado percurso pelo sistema processual civil.
O primeiro ponto é ressaltar que o recurso de agravo interno se encontra diretamente relacionado às possibilidades decisão monocrática pelos relatores nos órgãos colegiados dos Tribunais, conforme estabelecido pelo art. 932, incisos III a V, do Código de Processo Civil:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(…)
III – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
Em relação a essas decisões, assim dispõe o art. 1.021, caput, do Código de Processo Civil:
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
É sabido que tanto o artigo 102, inciso III, como o artigo 105, inciso III, ambos da Constituição Federal, exigem para o conhecimento do recurso extraordinário e, respectivamente, do recurso especial, que se configure a “causa decidida”, isto é, que se tenham esgotado todos os recursos cabíveis na via da jurisdição ordinária, somente então abrindo a viabilidade para os recursos excepcionais.
Essa exigência constitucional se faz muito presente no sistema recursal voltado às instâncias extraordinárias (STF, STJ, TST, TSE e até mesmo para a TNU – Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais), traduzida por dezenas de Súmulas ou entendimentos jurisprudenciais que demandam o esgotamento das instâncias recursais ordinárias, em percurso que remonta à bem conhecida Súmula 281 do STF.
Já tivemos oportunidade de nos manifestar a esse respeito em nosso livro MANUAL DOS RECURSOS CÍVEIS:
“Além disso, não se pode esquecer que a interposição de agravo interno é, em certos casos, o único mecanismo viável de esgotamento das instâncias ordinárias, situação exigida na Súmula 281 do STF, a fim de que sejam admitidos o recurso extraordinário e o recurso especial. Nessas hipóteses, a aplicação da multa prevista no art. 1.021. § 4º, do CPC, será inviável, pois caracterizará barreira à interposição daqueles recursos excepcionais e obstrução do acesso à justiça.”
(DONOSO, Denis; SERAU JR., Marco Aurélio. Manual dos Recursos Cíveis – Teoria Geral e Recursos em Espécie, 11ª edição, 2025, p. 393)
Considerando esse cenário, o entendimento anterior do STJ, firmado em recurso repetitivo, vinha no sentido de que não cabia multa na interposição do agravo interno voltado precipuamente ao esgotamento de instâncias (Recurso especial repetitivo 1.198.108/RJ, submetido à sistemática do art. 543-C, do CPC/1973). Por isto, este novel Tema 1201 parece configurar overruling ou, ao menos, desdobramento da tese anterior.
As situações que, a priori e de per se, não configuram conduta processual abusiva, a sempre impedir a aplicação da multa processual, parecem ter sido reduzidas.
Com efeito, o item I da tese firmada no Tema 1201 indica que a interposição do agravo interno com a finalidade de esgotamento de instâncias não elide, por si só, a aplicabilidade da multa punitiva, sendo necessário aferir, no caso concreto, um elemento adicional, qual seja a pertinência do julgado monocrático impugnado com o sistema de precedentes judiciais vinculantes:
I – O agravo interposto contra a decisão do Tribunal de Origem, ainda que com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição do recurso especial ou extraordinário, quando apresentado contra a decisão baseada em precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF, autoriza a aplicação da multa prevista no artigo 1.021, § 4º, do CPC.
Ou seja, quando a decisão monocrática for baseada em precedente vinculante do STF ou do STJ, o sistema processual indica que deverá ser preservada, pois apresenta pertinência ao conteúdo firmado em precedente vinculante e, assim, o agravo interno voltado ao esgotamento de instâncias deve ser penalizado com multa, pois o resultado derradeiro do processo já se apresenta como negativo ao agravante, que deveria ter evitado o aludido incidente processual. Daí a possibilidade de aplicação da multa do art. 1.021, § 4º, do CPC.
É no tem II do Tema 1201 que se encontram as hipóteses de não aplicabilidade da multa processual, a saber: a) alegação, fundamentada, de a distinção ou superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF; b) decisão agravada amparada em julgado de tribunal de segundo grau; c) dispensa da multa em razão das peculiaridades do caso concreto, por decisão do órgão colegiado.
Chama a atenção, pelo grau de subjetivismo, que o trecho do item II do Tema 1201 onde se estabelece que a multa prevista no artigo 1.021, § 4º, não será cabível “quando alegada, fundamentadamente, a distinção ou a superação do precedente qualificado oriundo do STJ ou do STF”.
Esse ponto é bem relevante, pois proíbe a aplicação da multa quando o agravo interno não for manifestamente protelatório, mas efetivamente necessário, para esgotamento de instâncias e, sobretudo, para que o Poder Judiciário averigue a ocorrência de superação ou distinção no caso concreto. Porém, apesar de positivo, esse entendimento esbarra no grau de subjetividade em torno da apreciação de o que venha a ser uma alegação fundamentada (ou não) sobre as perspectivas de superação ou distinção no caso concreto.
Da mesma forma, também consideramos interessante a possibilidade de dispensa da multa processual em razão das particularidades do caso concreto, mediante apreciação do órgão colegiado que julga o agravo interno. Abre-se espaço para situações excepcionais e diversificadas ganharem tratamento mais adequado.
Outrossim, o Tema 1201 também reforça a importância de se apresentar, no caso concreto, e modo bem fundamentado, ter havido distinção ou superação, o que impedirá a aplicação da multa nas hipóteses em que for necessário interpor agravo interno para esgotamento de instâncias.
Por tudo isto, é possível perceber que o Tema 1201 do STJ representa mais um importante passo na consolidação do sistema de precedentes judiciais no Brasil, modelo adotado nos idos de 2015, mas ainda em processo de plena efetivação.