Estamos próximos da data de 3 de fevereiro de 2025, quando entrará em vigor a Resolução 591/2024, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Esta Resolução visa regulamentar os procedimentos de julgamentos virtuais nos Tribunais pátrios, matéria complexa dos pontos de vista jurídico e tecnológico, a qual tratamos com maior profundidade em nossa obra MANUAL DOS RECURSOS CÍVEIS – TEORIA E PRÁTICA.
A Resolução CNJ 591/2024, na maior parte de seus dispositivos, cumpre bem esta função de uniformização e racionalização de procedimentos que inerentemente cabe ao CNJ (art. 103-B, § 4º, I, da Constituição Federal).
Porém, há alguns dispositivos eivados de inequívoca inconstitucionalidade e ilegalidade, em evidente extrapolação do papel regulamentar conferido ao CNJ. Isso ocorre especialmente nos dispositivos relativos à sustentação oral, a nosso ver limitada de modo indevido:
Art. 9º Nas hipóteses de cabimento de sustentação oral, fica facultado aos advogados e demais habilitados nos autos encaminhar as respectivas sustentações por meio eletrônico após a publicação da pauta e até 48 (quarenta e oito) horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual ou prazo inferior que venha a ser definido em ato da Presidência do Tribunal.
§ 1º O envio do arquivo de sustentação oral será realizado por meio do sistema de peticionamento eletrônico ou equivalente definido pelo Tribunal, gerando protocolo de recebimento e andamento processual.
§ 2º O arquivo eletrônico de sustentação oral poderá ser de áudio e/ou vídeo, devendo observar o tempo máximo de sustentação e as especificações técnicas de formato, resolução e tamanho, definidos em ato da Presidência do Tribunal, sob pena de ser desconsiderado.
Como se vê, nos julgamentos assíncronos a sustentação oral ocorrerá somente através do encaminhamento de arquivos de vídeo e áudio, sendo vedada a participação presencial do advogado ou advogada.
Neste tocante, deve-se ter em consideração o art. 8º da Resolução 591/2024, que estabelece que os julgamentos virtuais serão convertidos em presenciais somente quando o pedido de destaque for deferido pelo relator:
Art. 8º Não serão julgados em ambiente virtual os processos com pedido de destaque feito:
I – por qualquer membro do órgão colegiado;
II – por qualquer das partes ou pelo representante do Ministério Público, desde que requerido até 48 (quarenta e oito) horas antes do início da sessão e deferido pelo relator.
A Res. CNJ 591/2024 não estabelece nenhum critério pelo qual haverá ou não o deferimento do pedido de destaque e conversão de julgamento virtual em presencial, abrindo enorme margem de discricionariedade ao relator.
Também chama atenção o art. 9º, § 6º da Res. CNJ 591/2024, que limita o conteúdo da sustentação oral a matérias exclusivamente de fato:
§ 6º Durante o julgamento em sessão virtual, os advogados e procuradores poderão realizar esclarecimentos exclusivamente sobre matéria de fato, os quais serão disponibilizados, em tempo real, no sistema de votação dos membros do órgão colegiado.
Ora, é da boa técnica da sustentação oral que a apresentação priorize os principais elementos fáticos da demanda, alertando os julgadores no Tribunal para o caso concreto.
Porém, consideramos inconstitucional, por ofensa aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, a perspectiva de proibir aos advogados a apresentação dos principais argumentos jurídicos do caso sub judice: muitas vezes será necessário chamar a atenção para um tema repetitivo do STF ou do STJ ou caberá apresentar a distinção (distinguishing) em relação a um precedente vinculante; muitas vezes é relevante arguir uma nulidade processual, etc.
Em suma, a proibição de argumentar também sobre matéria de direito nos parece absurda e, da mesma forma que o apontamento anterior, inconstitucional e ilegal.
O art. 22, inciso I, da Constituição Federal, estabelece que compete privativamente à União Federal legislar sobre matéria processual.
O CNJ não pode legislar sobre matéria processual, tão somente expedir atos regulamentares em relação ao funcionamento do Poder Judiciário, consoante art. 103-B, § 4º, I, da Constituição Federal:
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
É clássica a discussão na doutrina a respeito de supostas normas “regulamentares” na prática acabarem por inovar o ordenamento jurídico e restringirem indevidamente direitos subjetivos dos cidadãos.
Lembremos, por fim, a disposição do art. 133 também do Texto Constitucional (“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”).
Como se vê, há um vasto panorama constitucional malferido pela Resolução CNJ 591/2024.
Ainda prestes a entrar em vigor, a Resolução 591/2025 merece uma atenta revisão nos pontos para os quais se procurou sinalizar maior preocupação.