Informativo: 728 do STJ – Direito Penal
Resumo: A qualificadora prevista no art. 129, § 2º, inciso IV, do Código Penal (deformidade permanente) abrange somente lesões corporais que resultam em danos físicos.
Comentários:
O crime de lesão corporal consiste em ofender, direta ou indiretamente, a integridade corporal ou a saúde de alguém, quer causando uma enfermidade, quer agravando a que já existe. Segundo Bento de Faria, basta que a conduta cause dano ao corpo ou à saúde:
“O dano ao corpo ocorre quando a lesão determina qualquer prejuízo à integridade do conjunto orgânico da pessoa. Dano à saúde é a desordem causada às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo.” (Código Penal brasileiro comentado: parte especial, v. 3, p. 85).
O crime pode ser qualificado se a lesão provoca na vítima alguma deformidade permanente, isto é, um dano estético, aparente, considerável, irreparável pela própria força da natureza e capaz de provocar impressão vexatória (desconforto para quem olha e humilhação para a vítima). Ao contrário de outros países (como Itália e Argentina, por exemplo), a nossa lei não restringe a qualificadora aos casos de lesão no rosto, abrangendo todo o corpo, mesmo que atingindo região visível somente em momentos de maior intimidade.
Devido a circunstâncias como a sede e a extensão das lesões, a forma como o crime é praticado, a idade ou as condições da vítima, é possível a ocorrência de danos psicológicos graves, como transtorno de estresse pós-traumático e depressão, que podem inclusive alterar – ou deformar – permanentemente a saúde mental. Mas os danos psicológicos, por si, não são capazes de qualificar a lesão. A deformidade permanente deve sempre estar associada ao aspecto físico da pessoa:
“O crime de lesão corporal, conforme a doutrina, consiste “em qualquer dano ocasionado por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou a saúde (fisiológica ou mental) de outrem”.
Assim, também pratica o referido delito aquele que causa lesão à saúde mental de outrem. Nesses termos, ainda, segundo a doutrina, no ponto: “[m]esmo a desintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência, a vontade ou a memória dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não se concebe uma perturbação mental sem um dano à saúde, e é inconcebível um dano à saúde sem um mal corpóreo ou uma alteração do corpo”.
A conclusão doutrinária, contudo, tem relação com o tipo penal fundamental do delito de lesão corporal. Com efeito, ao especificamente tratar da qualificadora prevista no art. 129, § 2.º, inciso IV, do Código Penal (deformidade permanente), ressalta-se que ela está relacionada à estética, não devendo ser verificada tão somente com base em um critério puramente objetivo, mas, a um só tempo, objetivo e subjetivo. Nesse sentido, leciona que a qualificadora estará presente quando houver uma deturpação ou vício de forma capaz de causar “uma impressão, se não de repugnância ou de mal-estar, pelo menos de desgosto, de desagrado”.
A propósito, ambas as turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça firmaram o entendimento de que a deformidade permanente deve representar lesão estética de certa monta, capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, apenas lesões corporais que resultam em danos físicos.
No caso, não incide a mencionada qualificadora, porquanto a vítima, em razão da lesão, “fora cometida de ‘Transtorno de Estresse Pós-Traumático’, provocando-lhe alteração permanente da personalidade”.
Registra-se, por oportuno, que a lesão causadora de danos psicológicos pode, a depender do caso concreto, ensejar o reconhecimento de outra qualificadora ou ser considerada como circunstância judicial desfavorável (como ocorreu na situação em análise).” (HC 689.921/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 08/03/2022).
Como destaca a própria decisão, é possível que a associação de danos psicológicos à lesão corporal faça incidir outra qualificadora – como, por exemplo, a incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias – ou seja considerada para aumentar a pena-base em razão das consequências mais graves do crime.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Manual de Direito Penal (parte especial)
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