Informativo: 596 do STJ – Direito Penal
Resumo: O art. 331 do CP, que prevê a figura típica do desacato, é incompatível com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica, do qual a República Federativa do Brasil é signatária.
Comentários:
Há quem sustente que a punição da conduta de desacato seja incompatível com a ordem constitucional e com a legislação internacional de que o Brasil faz parte.
Quanto à ofensa à ordem constitucional, argumenta-se que se trata de tipificação de caráter autoritário, que visa afinal a impedir – ou ao menos a desencorajar – manifestações contrárias às práticas de agentes estatais. Sustenta-se que, apesar da objetividade jurídica do crime – a manutenção do prestígio da Administração –, que portanto justifica a tipificação, os agentes públicos estão sujeitos a maior fiscalização e censura e que, por isso, não se pode tolher o direito de crítica, ainda que exacerbada. Criminalizar a conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postulados próprios do Direito Penal como a intervenção mínima e a lesividade. Não bastasse, em grande parte das situações o agente estatal acaba por fazer ele mesmo uma espécie de “juízo preliminar” da caracterização do crime e toma por ofensa uma manifestação que no geral seria interpretada como crítica, provocando constrangimento contra quem se manifestou.
E no que concerne à legislação internacional, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – à qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a liberdade de pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano contraria os termos da Convenção: “A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas consistissem de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito paralisante em quem quer expressar-se, que pode traduzir-se em situações de auto-censura incompatíveis com um sistema democrático.
A esta conclusão se chegou pela análise que efetuou a CIDH acerca da compatibilidade das leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado em 1995. A CIDH concluiu que tais leis não eram compatíveis com a Convenção porque se prestavam ao abuso como um meio para silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo desse modo o debate que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas. Em conseqüência, os cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se relaciona com a função pública. Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas pelo temor das pessoas às ações judiciais ou sanções monetárias. Por estas e outras razões, a CIDH concluiu que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou aos Estados a que as derrogassem” (Relatório do relator especial para a liberdade de expressão, Eduardo A Bertoni, solicitado pela Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos em cumprimento da Resolução Ag-Res. 1894 (XXXII-O/02). Disponível em https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3m.htm).
Para o STJ, que, no julgamento do REsp 1.640.084/SP, considerou o crime de desacato incompatível com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, “Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo resultar de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta Turma, DJ 25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da função exercida em nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição abusiva do poder punitivo estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”.