A Constituição da República assegura que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art. 5º, XII). O sigilo das comunicações telefônicas é, pois, direito assegurado constitucionalmente e exige, para seu afastamento, ordem judicial, devidamente fundamentada.
A proteção abrangida pelo dispositivo decorre dos direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, CR/1988). Com efeito, assinalam Ingo Wolfgand Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, Minha Biblioteca, 2021, p. 207), que “a inviolabilidade do sigilo da correspondência – já na fase inaugural do constitucionalismo – e, mais recentemente, considerando a evolução tecnológica, a inviolabilidade das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados, constitui direito fundamental vinculado à proteção da privacidade e intimidade.”
O art. 5º, XII, trata de um dos maiores dilemas constitucionais verificados na atualidade no que diz respeito à tutela dos direitos e garantias fundamentais: de um lado, há a proteção ao sigilo da correspondência e das comunicações; de outro, tem-se a exceção constitucional que autoriza o Estado a invadir a esfera da privacidade e da intimidade dos cidadãos nos casos previstos pela legislação ordinária. Dito de outro modo, embora a Constituição assegure a inviolabilidade das correspondências e comunicações, ela também prevê, nitidamente, a possibilidade de limitação/restrição dessa garantia constitucional. A grande questão que se coloca, portanto, é saber em que medida o Estado, com todo o seu aparato, pode ingressar na esfera privada da vida dos cidadãos, em consonância com o regime inaugurado pelo constitucionalismo democrático – STRECK, Lênio. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2018, Minha Biblioteca, p. 313).
No atual cenário, a proteção constitucional deve ser pensada e aplicada para além das correspondências (cartas), das ligações telefônicas, e passam a alcançar as contemporâneas formas de comunicação, interação e divulgação de ideias, como aplicativos de mensagens de texto, áudios e vídeos (como o Whatsapp ou o Telegram, por exemplo).
Ao examinar casos que envolvem o acesso policial em aparelhos smartphones, o Superior Tribunal de Justiça considera que são ilícitas as provas obtidas mediante devassa nos dados de aparelho celular, tais como mensagens de texto e conversas por aplicativos, sem prévia autorização judicial. Registre-se, porém, que o tema está sendo analisado pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 1042075/RJ (Tema 977), cujo julgamento foi interrompido após pedido de vista do Min. Alexandre de Moraes na sessão de 11/11/2020. A tese sugerida pelo Relator, Min. Dias Toffoli, é a seguinte: é lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo (CF, art. 5º, incisos X e XII).
Nessa linha de pensar, como dito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes do envio e/ou recebimento de mensagens de texto SMS, conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas e/ou recebidas, por meio de correio eletrônico, decorrentes de flagrante, sem prévia autorização judicial – ver, nesse sentido: AgRg no HC 609.842/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe 17/12/2020 e AgRg no REsp 1808791/DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 01/09/2020, DJe 04/09/2020.
Essa prévia autorização, segundo a doutrina, representa verdadeira barreira de contenção de atuação dos poderes públicos em detrimento dos direitos fundamentais, quando houver autorização constitucional, a lei poderá flexibilizar a extensão do exercício dessas liberdades públicas (FISCHER, Douglas. Constituição Federal Comentada. Minha Biblioteca. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 75).
Assinale-se, porém, que a partir do AgRg no REsp 1853702/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/06/2020, DJe 30/06/2020, a Quinta Turma estabeleceu uma importante distinção entre as informações protegidas pelo sigilo constitucional – mensagens de texto e conversas obtidas em aplicativos – e os dados constantes da agenda de contatos e do registro de chamadas.
Para a Quinta Turma do STJ, a agenda telefônica é uma das facilidades oferecidas pelos modernos aparelhos de smartphones a seus usuários e durante uma prisão em flagrante, a análise pelos policiais dos dados constantes na agenda telefônica ou no registro de chamadas não está garantida pela de proteção do sigilo telefônico ou de dados telemáticos prevista no art. 5º, XII, da CR/1988.
Segundo o Tribunal, a agenda de contatos telefônicos não se inclui na proteção prevista no art. 5º, XII, haja vista que essas informações não são decorrentes de comunicação telefônica ou telemática, mas de mera compilação do proprietário do aparelho.
Também é lícita, segundo o STJ, por óbvio, a prova obtida das conversas telefônicas do aparelho celular do paciente sem autorização judicial, mas com a permissão ou consentimento do acusado – HC 537.274/MG, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJPE), Quinta Turma, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019)[1]
Do mesmo modo, é válida a prova se ocorreu a busca e apreensão dos aparelhos de telefone celular, porquanto precedida de autorização judicial para análise e utilização dos dados neles armazenados (HC 428.369/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/09/2019, DJe 03/10/2019)
Em resumo, não sendo agenda de contatos ou registro de chamada é de considerar ilícita a prova obtida pela polícia quando da abordagem do indivíduo preso em flagrante consistente no acesso de dados constantes em aplicativos de conversas e mensagens de texto – vide REsp 1782386/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020.
NOTA
[1] O STJ também considerou que não há ilegalidade na perícia de aparelho de telefonia celular pela polícia na hipótese em que seu proprietário – a vítima (nesse caso não foi o acusado) – foi morto, tendo o referido telefone sido entregue à autoridade policial por sua esposa, interessada no esclarecimento dos fatos que o detinha, pois não havia mais sigilo algum a proteger do titular daquele direito (RHC 86.076/MT, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ Acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/10/2017, DJe 12/12/2017).
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