A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8429/1992) traz suas sanções no art. 12. Entre as penalidades possíveis estão a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. Tais reprimendas, segundo o art. 20 da LIA, só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Eis o dispositivo citado:
“Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.”
Segundo o artigo, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, medidas mais severas impostas pela Lei de Improbidade, só se efetivam com o trânsito em julgado da decisão que as determinou. A razão de ser da previsão decorre da gravidade dessas penalidades, as mais ríspidas entre as traçadas pelo art. 12.
Diversamente da pena de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos, as demais sanções previstas no art. 12 da LIA não estão sujeitas à cláusula de reserva do art. 20 da Lei, de modo que não dependem do trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, na inexistência de efeito suspensivo ao recurso interposto pelo condenado, plenamente possível a execução provisória dos demais capítulos da sentença condenatória (art. 12 da LIA) – nesse sentido: GAJARDONI, Fernando. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: RT, 2020, RL-1.10).
Existia uma divergência entre a Primeira e a Segunda Turmas do STJ quanto ao alcance da sanção de perda da função pública: se atingiria somente o cargo no qual o indivíduo cometeu o ato ou se seria aplicável, também, ao cargo em que o sujeito estaria ocupando quando do trânsito em julgado da condenação.
A Primeira Turma do STJ entendia que a sanção da perda do cargo público prevista entre aquelas do art. 12 da Lei n. 8.429/1992 não está relacionada ao cargo ocupado pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sim àquele (cargo) que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita – AgRg no AREsp 369.518/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria Primeira Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 28/03/2017. Na própria Primeira Turma, contudo, se dizia que esse entendimento era majoritário no órgão – vide AgInt no AgInt no AREsp 1384319/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 04/05/2020, DJe 07/05/2020. A Ministra Regina Helena e o Ministro Sérgio Kukina ficavam vencidos ou ressalvavam suas posições.
Para a Primeira Turma, “a sanção de perda da função pública, de que trata o art. 12 da Lei nº 8.429/92, não pode atingir cargo diverso daquele ocupado pelo agente público à época da conduta ímproba.” (AgInt no REsp 1861855/DF, julgado em 08/06/2020, DJe 12/06/2020)
A Segunda Turma do STJ, porém, entendia que a perda do cargo ou a suspensão dos direitos políticos abrangeria qualquer atividade que o agente estivesse exercendo ao tempo da condenação irrecorrível (atingiria o cargo em que o indivíduo estivesse no momento do trânsito em julgado e não somente o cargo em que o sujeito estava quando cometeu o ato de improbidade) – ver REsp 1.297.021/PR, DJe 20/11/2013 e RMS 32.378/SP, DJe 11/05/2015)
Seria desinfluente, portanto, que a condenação tenha ocorrido em mandato ou cargo anterior. De fato, condicionar a perda ou suspensão somente ao cargo em que ocorreu o ato ímprobo seria esvaziar a essência da lei, poderia ensejar manobras e bastaria o indivíduo (um cargo comissionado, por exemplo) trocar de cargo para escapar da sanção, tornando inócua a punição.
Para órgão não faria sentido estabelecer a punição ao tempo do trânsito em julgado e deixar de aplicá-la porque o cargo ou função vinculado à prática do ato ímprobo já não é mais ocupado pelo agente – trecho do voto Min. Og Fernandes no REsp 1.813.255/SP, DJe 04/09/2020.
O impasse sobre o tema foi resolvido, recentemente, em 09 de setembro de 2020, quando a Primeira Seção julgou os ERESp 1.701967/RS, Rel. p/ acórdão Min. Francisco Falcão. Prevaleceu a posição da Segunda Turma: a penalidade de perda da função pública imposta em ação de improbidade administrativa atinge tanto o cargo que o infrator ocupava quando praticou a conduta ímproba quanto qualquer outro que esteja ocupando ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Para o STJ, resolvendo divergência até então existente entre as Turmas de Direito Público, a improbidade não está ligada ao cargo, mas à atuação na Administração Pública. Assim, a perda de cargo é aplicável à função exercida pelo agente público no momento do trânsito em julgado da ação.
Segundo o relator para o acórdão, “qualquer que seja a atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível, ele deve ser afastado.” Prevaleceu que o conceito não é de improbidade no cargo, mas na Administração.
Entendeu-se, na esteira da posição da Segunda Turma, que a sanção de perda da função pública pretende extirpar da administração aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício do cargo – o que abrange qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo do trânsito em julgado e não somente àquela que ele exercia quando cometeu o ato.
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