8) No crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (art. 218-B do CP), a vulnerabilidade relativa do menor de 18 anos deve ser aferida pela inexistência do necessário discernimento para a prática do ato ou pela impossibilidade de oferecer resistência, inclusive por más condições financeiras.
O art. 218-B do Código Penal tipifica, no caput, seis condutas: submeter, induzir, atrair a vítima (menor de dezoito anos) à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, ou impedir ou dificultar que alguém a abandone.
Nas modalidades submeter, induzir, atrair e facilitar, consuma-se o delito no momento em que a vítima passa a se dedicar à prostituição, colocando-se, de forma constante, à disposição dos clientes, ainda que não tenha atendido nenhum. Exige-se, portanto, certa habitualidade da vítima no exercício da prostituição.
O mesmo dispositivo, no inciso I do § 2º, pune quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com pessoa menor de dezoito e maior de catorze anos na situação descrita no caput. Segundo Nucci,
“quer se punir, de acordo com o art. 218-B, aquele que insere o menor de 18 anos no cenário da prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilita sua permanência ou impede ou dificulta sua saída da atividade. Por isso, passa-se a punir o cliente do cafetão, agenciador dos menores de 18 anos, que tenha conhecimento da exploração sexual. Ele atua, na espécie, como partícipe. Não há viabilidade de configuração do tipo penal do art. 218-B, § 2º, I, quando o menor de 18 e maior de 14 procurar a prostituição por sua conta e mantiver relação sexual com outrem. Afinal, ele não se encontra na ‘situação descrita no caput deste artigo’ (expressa menção feita no § 2º, I, parte final)” (Crimes contra a dignidade sexual, p. 59).
Na tese nº 8, que decorre de julgamentos como o do HC 371.633/SP (j. 19/03/2019), além de contrariar a lição exposta no parágrafo anterior, o STJ estabeleceu que, na figura equiparada, ao contrário do que ocorre na modalidade do caput, não se exige que o menor mantenha relacionamento habitual com determinada pessoa para que este indivíduo seja responsabilizado pelo crime. Basta um evento em que alguém pratique atos de libidinagem com menor entre quatorze e dezoito anos submetido a exploração sexual para que se tipifique o delito.
Em primeiro lugar, o tribunal destacou a desnecessidade de que o menor seja explorado por terceiro para que o “cliente” seja responsabilizado pelo crime. No caso julgado, o próprio impetrante havia abordado alguns adolescentes e lhes oferecido dinheiro e alimentos para que com ele mantivessem relação sexual em diversas ocasiões. Segundo se decidiu, nesta situação se confundiam na mesma pessoa as características de explorador e usuário do serviço de prostituição, e não há nada que impeça a punição de acordo com a segunda figura típica:
“Nesse contexto, e, especialmente tendo em conta que houve efetivo contato físico e prática de ato de libidinagem entre o réu e os ofendidos, não há dúvidas que os fatos que lhe foram assestados enquadram-se na figura do inciso I do § 2º do artigo 218-B do Estatuto Repressivo, consoante já decidiu este Sodalício em casos semelhantes:
‘RECURSO ESPECIAL. FAVORECIMENTO DA PROSTITUIÇÃO OU DE OUTRA FORMA DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE OU DE VULNERÁVEL. TIPICIDADE. CLIENTE OCASIONAL. RESTABELECIMENTO DA CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O inciso I do § 2º do art. 218-B do Código Penal é claro ao estabelecer que também será penalizado aquele que, ao praticar ato sexual com adolescente, o submeta, induza ou atraia à prostituição ou a outra forma de exploração sexual. Dito de outra forma, enquadra-se na figura típica quem, por meio de pagamento, atinge o objetivo de satisfazer sua lascívia pela prática de ato sexual com pessoa maior de 14 e menor de 18 anos. 2. A leitura conjunta do caput e do § 2º, I, do art. 218-B do Código Penal não permite identificar a exigência de que a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com adolescente de 14 a 18 anos se dê por intermédio de terceira pessoa. Basta que o agente, mediante pagamento, convença a vítima, dessa faixa etária, a praticar com ele conjunção carnal ou outro ato libidinoso. 3. Pela moldura fática descrita no acórdão impugnado se vê claramente que o recorrido procurou, voluntariamente, a vítima e, mediante promessa de pagamento, a induziu à prática de atos libidinosos, a evidenciar seu nítido intuito de exploração sexual da adolescente, o que justifica o restabelecimento de sua condenação. 4. Recurso provido para restabelecer a sentença monocrática, que condenou o réu à pena de 4 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, como incurso no art. 218-B, § 2º, I, do Código Penal. (REsp 1490891/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018)’” (destaques no original).
O impetrante também buscava o afastamento da continuidade delitiva argumentando que a figura do § 2º do art. 218-B pressupõe habitualidade no relacionamento entre o menor e quem solicita a prostituição. Também neste ponto o tribunal lhe negou razão:
“Isso porque apenas o caput do artigo 218-B da Lei Penal reclama a habitualidade para a sua configuração, sendo certo que, consoante consignado alhures, os fatos em tela se amoldam à figura do inciso I do § 2º da aludida norma incriminadora, cuja caracterização independe da manutenção de relacionamento sexual habitual entre o ofendido e o agente, permitindo, portanto, a incidência da causa de aumento prevista no artigo 71 do Estatuto Repressivo”.
No mesmo julgamento foi abordada a questão relativa à vulnerabilidade de menores submetidos a exploração sexual. Segundo o impetrante, o crime deveria ser afastado porque os adolescentes tinham maturidade sexual, não eram vulneráveis.
Inicialmente, o tribunal pontuou a diferença entre a vulnerabilidade dos art. 217-A, 218 e 218-A e a do art. 218-B. No primeiro caso, em que se pune a relação sexual com menor de quatorze anos, não se discute a maturidade sexual ou a capacidade de consentimento. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que o estupro de vulnerável se caracteriza pelo simples fato de alguém manter relação sexual com criança ou adolescente menor de quatorze anos. Esta orientação se firmou por meio da súmula 593 e foi corroborada pela Lei 13.718/18, que inseriu no art. 217-A um parágrafo (5º) que exclui a possibilidade de analisar o consentimento da vítima ou o fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. O mesmo se dá nos artigos 218 e 218-A, em que o sujeito passivo, embora não envolvido diretamente em relações sexuais, também é menor de quatorze anos.
Mas a vulnerabilidade do art. 218-B tem natureza diversa, pois a tutela penal recai em maiores de quatorze anos, razão pela qual é necessário apurar se a pessoa tem o necessário discernimento para a prática do ato:
“Diferentemente do que ocorre nos artigos 217-A, 218 e 218-A do Código Penal, nos quais o legislador presumiu de forma absoluta a vulnerabilidade dos menores de 14 (catorze) anos, no artigo 218-B não basta aferir a idade da vítima, devendo-se averiguar se o menor de 18 (dezoito) anos ou a pessoa enferma ou doente mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou por outra causa não pode oferecer resistência.
Ao tratar da vulnerabilidade relativa prevista na norma penal incriminadora em tela, Guilherme de Souza Nucci adverte que ‘no contexto do art. 217-A, são considerados vulneráveis os menores de 14 anos, os enfermos e deficientes mentais e os que não podem opor resistência”, ao passo que “no art. 218-B, cuja titulação também trata de pessoa vulnerável, inclui-se o menor de 18 anos’, concluindo ‘ser o menor de 18 e maior de 14 anos uma pessoa relativamente vulnerável’ (Código Penal Comentado. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 1240/1241).
Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt, citando Yordan de Oliveira Delgado, assevera que ‘a justificativa para se ampliar o conceito, é o fato de que embora o maior de 14 já esteja apto a manifestar sua vontade sexual, normalmente ele se entrega à prostituição face à péssima situação econômica’, motivo pelo qual ‘a sua imaturidade em função da idade associada a sua má situação financeira o torna vulnerável’ (Tratado de Direito Penal. Parte Especial. v. 4. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 124)”.
No caso julgado, concluiu-se que os menores eram vulneráveis, pois a proposta para as relações sexuais envolveu ofertas em dinheiro e de alimentos, o que evidencia que a situação miserável das vítimas serviu para que o impetrante se aproveitasse para satisfazer a própria lascívia:
“Por conseguinte, não há que se falar em atipicidade da conduta do réu sob o argumento de que os adolescentes teriam consentido com a prática dos atos libidinosos, uma vez que, como visto, restou devidamente comprovada no acórdão impugnado a vulnerabilidade relativa dos menores de 18 (dezoito) anos, o que é suficiente para a caracterização do delito do artigo 218-B, § 2º, inciso I, do Código Penal”.
9) A conduta daquele que pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 18 anos e maior de 14 anos em situação de prostituição ou de exploração sexual somente foi tipificada com a entrada em vigor da Lei n. 12.015/2009, que incluiu o art. 218-B, § 2º, I, no CP, não podendo a lei retroagir para incriminar atos praticados antes de sua entrada em vigor.
Antes de entrar em vigor o art. 218-B do Código Penal, punia-se apenas no art. 228 a conduta de induzir ou atrair alguém à prostituição. O dispositivo não continha condutas equiparadas para punir quem mantinha relação sexual com a pessoa (maior ou menor de idade) submetida à prostituição. Por isso, somente com a inserção do art. 218-B, dedicado a punir a exploração sexual de menores, pode ser considerada típica a conduta de agir como “cliente” de um menor entre quatorze e dezoito anos que se prostitui:
“O art. 218-B estabeleceu, em seu § 2º, que incorre nas mesmas penas do caput “quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo”. In casu, porém, percebe-se que as condutas foram perpetradas entre janeiro e abril de 2007, ou seja, antes da entrada em vigor da Lei n. 12.015/2009. Nesse contexto, não sendo admissível a retroação da lei penal desfavorável ao réu (CF, art. 5º, XL), impõe-se o reconhecimento da atipidade [sic] das condutas descritas na peça acusatória quanto ao ora paciente” (HC 160.901/GO, j. 18/09/2018).
10) O segredo de justiça previsto no art. 234-B do Código Penal abrange o autor e a vítima de crimes sexuais, devendo constar da autuação apenas as iniciais de seus nomes.
O princípio da publicidade (arts. 5º, LX e 93, IX, da CF) determina que os atos processuais sejam públicos, com acesso irrestrito. Essa regra, contudo, cede diante de algumas exceções, dentre elas, quando da publicidade decorre violação à intimidade da pessoa. Nos processos em que se apuram crimes contra a dignidade sexual, a intimidade (sobretudo da vítima) fica exposta de maneira incomum, o que impõe o segredo de justiça sem que, com isso, seja violado o devido processo legal. O STJ entende que o sigilo deve abranger inclusive a identificação do autor do crime:
“1. Conquanto o princípio constitucional da publicidade dos atos processuais seja a regra, esse é passível de sofrer restrições para, tal qual no caso concreto, preservar o interesse público ou a integridade e intimidade das partes. 2. O segredo de justiça previsto no art. 234-B do Código Penal deve se dar integralmente, se estendendo ao processo como um todo, não prevendo distinção entre Réu e Vítima. 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no AREsp 1.676.136/RS, j. 30/06/2020).
11) O Juizado Especial de Violência Doméstica é competente para julgar e processar o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP) quando estiver presente a motivação de gênero ou quando a vulnerabilidade da vítima for decorrente da sua condição de mulher.
Nos termos do art. 14 da Lei 11.340/06, admite-se a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, considerados órgãos da justiça ordinária com competência cível e criminal.
Para que determinado fato seja julgado pelo juizado de caráter especial é preciso que se amolde à definição de violência doméstica e familiar contra a mulher. O art. 5º da Lei 11.340/06 dispõe que assim se considera qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
O art. 7º, inc. III, por sua vez, estabelece que a violência sexual deve ser “entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.
Se, reunidas essas condições, a vítima for ainda vulnerável, a competência pode recair no juizado. Mas, se a condição do sexo feminino não for determinante para a ocorrência do crime, o STJ afasta essa competência:
“1. Caso em que se apura a prática de crime de estupro de vulnerável, em tese praticado por genitor contra filha de 4 anos de idade. Assim, ainda que fosse o caso de violência doméstica, deve prevalecer, para fins de fixação de competência, a condição de criança da vítima, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Ademais, por outra senda, esta Corte já decidiu que, “verifica-se que o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a prática do crime de estupro de vulnerável pelo paciente, mas sim a idade da ofendida e a sua fragilidade perante o agressor, seu próprio pai, motivo pelo qual não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher” (HC n. 344.369/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/5/2016, DJe 25/5/2016). 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp 1.490.974/RJ, j. 20/08/2019).
12) Reconhecida a existência de crime único entre as condutas descritas nos art. 213 e art. 214 do CP, unificadas pela Lei n. 12.015/2009 na redação do novo art. 213, compete ao Juízo das Execuções o redimensionamento de pena imposta ao condenado, conforme a Súmula n. 611 do Supremo Tribunal Federal.
A Lei 12.015/09 promoveu a união dos tipos penais do estupro e do atentado violento ao pudor no art. 213 do Código Penal. O STJ adotou a orientação de que condutas incorridas em ambos os tipos penais antes da alteração legal, se cometidas no mesmo contexto fático, devem ser tratadas como crime único, o que altera sensivelmente a pena. Nos casos já em fase de execução penal, aplica-se a súmula 611 do STF, segundo a qual, “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”:
“1. A atual jurisprudência desta Corte Superior sedimentou-se no sentido de que, “como a Lei 12.015/2009 unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um mesmo tipo penal, deve ser reconhecida a existência de crime único de estupro, caso as condutas tenham sido praticadas contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático” (AgRg no AREsp n. 233.559/BA, Rel. Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 10/2/2014, destaquei). 2. Se transitada em julgado a ação penal a que respondeu o acusado, deve o Juízo das execuções proceder à nova dosimetria da pena, nos termos do enunciado sumular n. 611 do STF. 3. Ordem concedida” (HC 412.473/SP, j. 12/12/2017).
13) Nos crimes sexuais praticados contra criança e adolescente, admite-se a oitiva da vítima por profissional preparado e em ambiente diferenciado na modalidade do “depoimento sem dano”, prevista na Lei n. 13.431/2017, medida excepcional que respeita sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
A Lei 13.431/17 estabelece normas para a oitiva de crianças e adolescentes que sejam vítimas ou testemunhas de violência. De interesse mais direto aos nossos comentários destacam-se os arts. 7º a 12 do mencionado diploma, que tratam da escuta especializada e do depoimento especial.
Considera-se escuta especializada “o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade” (art. 7º). E, por depoimento especial, tem-se o “procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária” (art. 8º).
Ambos serão tomados – pela autoridade judiciária ou policial – em ambiente apropriado e acolhedor, preservando-se a privacidade do depoente e proibindo-se qualquer contato visual dele com seu agressor ou com o investigado. Tal depoimento – sob o rito do segredo de justiça – ocorrerá apenas uma vez, salvo se absolutamente imprescindível sua repetição, quando, então, será necessária a autorização da vítima ou testemunha (ou de seu representante legal). Será realizado em uma sala especial, por profissionais especializados, com transmissão direta para a sala de audiência. Findo o depoimento, o juiz indagará das partes sobre perguntas complementares que, se admitidas, serão encaminhadas aos profissionais especializados, que as formularão à vítima ou testemunha. Vê-se, pois, que o depoente não tem contato direto com o juiz e com as partes, que permanecerão na sala de audiência, enquanto a oitiva ocorre em uma sala especialmente adaptada. Como não poderia deixar de ser, o STJ admite a forma especial de oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual:
“A jurisprudência desta Corte Superior se consolidou no sentido de que “a suspeita da prática de crime sexual contra criança e adolescente justifica a sua inquirição na modalidade do ´depoimento sem dano´, respeitando-se a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, em ambiente diferenciado e por profissional especializado” (HC 226.179/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/10/2013, DJe 16/10/2013). Precedentes” (AgRg no AREsp 1.682.899/DF, j. 04/08/2020).
14) Na apuração de suposta prática de crime sexual, é lícita a utilização de prova extraída de gravação telefônica efetivada pelo ofendido, ou por terceiro com a sua anuência, sem o conhecimento do agressor.
Embora a tese não seja clara a esse respeito, seus três precedentes dizem respeito a crimes sexuais envolvendo vulneráveis. Naqueles casos, a constatação dos crimes decorreu de gravações telefônicas promovidas por representantes legais de menores que haviam sido vítimas de crimes contra a dignidade sexual. Para o STJ, a prova é lícita:
“II – A gravação de conversa, in casu, não configura prova ilícita, visto que não ocorreu, a rigor, interceptação por terceiro, mas uma mera gravação pela genitora utilizando-se do próprio celular, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, sua filha, na perspectiva do poder familiar, vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância” (AgInt no REsp 1.712.718/AC, j. 24/04/2018).
“1. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça admitem ser válida como prova a gravação ou filmagem de conversa feita por um dos interlocutores, mesmo sem autorização judicial, não havendo falar, na hipótese, em interceptação telefônica, esta, sim, sujeita à reserva de jurisdição (RE n. 583.937 QO-RG/RJ, Ministro Cezar Peluso, Plenário, DJe 18/12/2009; APn 644/BA, Ministra Eliana calmon, Corte Especial, DJe 15/2/2012). 2. As gravações telefônicas, ainda que realizadas com apoio de terceiro, contavam sempre com a ciência e permissão de um dos interlocutores, entre eles, a própria vítima do crime de estupro. A conduta é, portanto, lícita, sendo despicienda, para tanto, a autorização judicial. E, ainda, a situação dos autos não se confunde com a interceptação telefônica, em que a reserva de jurisdição é imprescindível” (AgRg no AREsp 754.861/PR, j. 04/02/2016).
“3. No caso concreto, a genitora da vítima solicitou auxílio técnico a terceiro para a gravação de conversas realizadas através de terminal telefônico de sua residência, na qualidade de representante civil do menor impúbere e investida no poder-dever de proteção e vigilância do filho, não havendo ilicitude na gravação. Dada a absoluta incapacidade da vítima para os atos da vida civil – e ante a notícia de que estava sendo vítima de crime de natureza hedionda – a iniciativa da genitora de registrar conversa feita pelo filho com o autor da conjecturada prática criminosa se assemelha à gravação de conversa telefônica feita com a autorização de um dos interlocutores, sem ciência do outro, quando há cometimento de delito por este último, hipótese já reconhecida como válida pelo Supremo Tribunal Federal” (REsp 1.026.605/ES, j. 13/06/2014).
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