Estes comentários à primeira série de teses sobre a falta grave na execução penal (Edição nº 07) foram originalmente publicados neste site em agosto de 2018. Considerando, no entanto, que o STJ organizou outras três edições em 2020 (144, 145 e 146), decidimos revisar e atualizar esta publicação, que em breve será complementada com os comentários das teses posteriores. |
1) Após a vigência da Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007, constitui falta grave a posse de aparelho celular ou de seus componentes, tendo em vista que a ratio essendi da norma é proibir a comunicação entre os presos ou destes com o meio externo.
A introdução de aparelho de comunicação no presídio, antes de março de 2007, não gerava, em regra, nenhuma consequência para o preso surpreendido com o aparelho, para o agente público que se omitisse diante a obrigação de vigilância ou mesmo para o particular que fizesse a introdução no sistema penitenciário. Os dois primeiros comportamentos, com o advento da Lei 11.466/07, foram tipificados como falta grave (art. 50, inc. VII, da LEP) e crime (art. 319-A do CP), respectivamente. Posteriormente, a Lei 12.012/09 tipificou também as condutas – atribuíveis ao particular – de ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada do aparelho, sem autorização, em estabelecimento prisional.
O art. 50, inc. VII, da LEP estabelece que a falta grave consiste em ter, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
Como se nota, o dispositivo legal faz expressa menção tão somente ao aparelho telefônico, de rádio ou similar, mas não a baterias, carregadores e outros acessórios que possam viabilizar ou facilitar o uso dos aparelhos de comunicação.
A omissão gera controvérsia a respeito das consequências da posse de objetos outros que não os aparelhos. Embora haja orientação no sentido de que neste caso a punição por falta grave ofende o princípio da reserva legal, o STJ orienta-se no sentido contrário: a falta existe tanto se o preso tem sob sua posse o aparelho de comunicação quanto se tem carregadores, baterias ou chips, acessórios essenciais para o funcionamento dos aparelhos e que viabilizam a comunicação:
“A conduta consistente na apreensão de bateria de celular, micro cartões de memória e de adaptadores USB, após a regular instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, no qual a defesa foi plenamente exercida, configura a falta disciplinar de natureza grave prevista no art. 50, VII, da Lei de Execuções Penais” (AgInt no HC 532.846/SC, j. 03/12/2019).
2) A prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal caracteriza falta grave, independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.
De acordo com o art. 52, primeira parte, da Lei nº 7.210/84, a prática de crime doloso durante a execução penal caracteriza falta grave.
Há quem sustente que as penalidades decorrentes da falta grave só podem ser impostas depois do trânsito em julgado relativo ao crime praticado, pois, até que se cumpra essa formalidade, não é possível considerar, sem sombra de dúvida, praticado o crime. Outros, no entanto, argumentam que, uma vez constatada a ocorrência do delito, é possível aplicar a sanção disciplinar mesmo sem o trânsito em julgado, inclusive porque há um procedimento administrativo específico, no âmbito da própria execução, que apura se a falta efetivamente ocorreu.
Por meio da súmula nº 526, o STJ firmou o entendimento de que não se exige o trânsito em julgado relativo ao crime cometido durante a execução. Em um dos julgamentos que precederam a súmula, destacou o tribunal que “O cometimento, pelo apenado, de crime doloso no curso da execução, caracteriza falta grave, nos termos do disposto no art. 52 da Lei de Execução Penal, independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória, por se tratar de procedimento administrativo, sendo certo, ademais, que a mencionada legislação não exige, igualmente, o trânsito em julgado de sentença condenatória para a regressão de regime, bastando, para tanto, que o condenado tenha cometido fato definido como crime doloso (art. 118, I, da LEP). Precedentes” (HC 189.899/RS, DJe de 04/12/2012).
E a súmula vem sendo aplicada regularmente pelo tribunal:
“O acórdão impugnado, ao manter a decisão que determinou a regressão cautelar de regime, em razão da suposta prática de fatos definidos como crimes dolosos no curso da execução da pena, decidiu em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, inclusive sumulada no enunciado 526, a saber: ‘O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato’ (AgRg no HC 518.657/TO, j. 17/10/2019).
3) Diante da inexistência de legislação específica quanto ao prazo prescricional para apuração de falta grave, deve ser adotado o menor lapso prescricional previsto no art. 109 do CP, ou seja, o de 3 anos para fatos ocorridos após a alteração dada pela Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, ou o de 2 anos se a falta tiver ocorrido até essa data.
A prática de falta grave provoca diversas consequências na execução da pena, como a interrupção do prazo para a progressão de regime e o óbice à concessão de benefícios que pressupõem comprometimento e responsabilidade da parte do condenado. Mas essas consequências só podem incidir após apuração por meio de procedimento administrativo que garanta ao preso o exercício da defesa.
Embora a Lei de Execução Penal discipline as formas de falta grave e suas consequências, não há menção a prazo limite para que, uma vez cometida a infração, a direção do estabelecimento prisional instaure o procedimento que pode culminar na imposição de sanções disciplinares. Diante da lacuna, convencionou-se que a falta grave deve se submeter ao prazo prescricional mínimo estabelecido no Código Penal para as infrações penais.
Note-se, no entanto, que esse prazo mínimo sofreu alteração em 2010. Até a edição da Lei 12.234/10, o prazo prescricional mínimo era de dois anos (art. 109, VI, do CP). Com a lei, foi reajustado para três. Temos, portanto, que a falta grave cometida até a entrada em vigor da Lei 12.234/10 fica submetida à prescrição de dois anos; as posteriores prescrevem em três anos:
“2. As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte firmaram o entendimento de que, em razão da ausência de legislação específica, a prescrição da pretensão de se apurar falta disciplinar, cometida no curso da execução penal, deve ser regulada, por analogia, pelo prazo do art. 109 do Código Penal, com a incidência do menor lapso previsto, atualmente de três anos, conforme dispõe o inciso VI do aludido artigo. 3. In casu, conforme consta do voto condutor do acórdão impugnado, a falta grave foi cometida em 4/4/2017 (fuga em 26/12/2013, com recaptura do sentenciado em 4/4/2017), tendo sido determinada a instauração de procedimento administrativo disciplinar para a respectiva apuração. 4. O termo inicial do prazo prescricional, no caso de fuga, é a data da recaptura, por ser uma infração disciplinar de natureza permanente (HC n. 362.895/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 14/2/2017, DJe 22/2/2017). 5. A conduta foi praticada após a edição da Lei n. 12.234/2010, cujo menor lapso prescricional é de 3 anos, prazo ainda não implementado” (HC 527.625/SP, j. 12/11/2019).
4) Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.
Sempre que houver notícia de falta disciplinar, é indispensável a instauração do devido procedimento para sua apuração.
Era controversa a necessidade de defesa técnica. Havia quem sustentasse que no processo disciplinar a defesa é dispensável (bastaria a autodefesa), pois, nos termos da súmula vinculante nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
Por outro lado, havia quem defendesse – com razão – que a referida súmula se aplicava aos procedimentos de natureza civil, não ao procedimento para averiguar falta disciplinar na execução penal, onde está em jogo o direito de ir e vir do condenado (nesse sentido, Min. Gilmar Mendes, RE 398.269/RS). A Lei 12.313/10 incumbiu à Defensoria Pública a manifestação no processo executivo e nos incidentes de execução, sendo, portanto, necessária a sua manifestação, sob pena de nulidade (STJ, HC nº 103.450/SC).
Pondo fim à discussão, além da adoção da tese o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 533, ainda plenamente eficaz:
“De acordo com o Enunciado n. 533 da Súmula do STJ, para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado” (AgRg no RHC 118.363/GO, j. 03/12/2019).
5) A prática de falta grave pode ensejar a regressão cautelar do regime prisional sem a prévia oitiva do condenado, que somente é exigida na regressão definitiva.
Existem situações em que a pena privativa de liberdade está sujeita à regressão, isto é, à transferência do preso para regime mais severo. Segundo o art. 118 da Lei de Execução Penal, dá-se a regressão quando o condenado pratica fato definido como crime doloso ou falta grave (inciso I), ou sofre condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante a cumprir, torna incabível o regime (inciso II).
No caso do inciso I do art. 118, sem implicar violação da presunção de inocência, a regressão não pressupõe sentença condenatória transitada em julgado, bastando a prova de que o preso praticou crime ou fato definido como falta grave. Isso porque a regressão deve ser baseada em procedimento administrativo que garanta ao condenado o exercício do contraditório e da ampla defesa, ocasião em que lhe será possível alegar o que considerar conveniente para evitar a regressão. Além disso, considerando a importância de respostas rápidas a más condutas ocorridas durante o cumprimento da pena, seria inviável, na prática, aguardar o trânsito em julgado de uma sentença condenatória para aplicar sanções disciplinares.
Ocorre que, a depender das circunstâncias, inclusive o aguardo do procedimento administrativo para que se determine a regressão pode contrariar a ordem pública, razão pela qual se admite a regressão cautelar sem que o condenado seja previamente ouvido. É o que se dá, por exemplo, no caso de prisão em flagrante por crimes graves como tráfico de drogas e roubo:
“1. Em se tratando de regressão cautelar, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. Inaplicabilidade do enunciado sumular 533 desta Corte. 2. Nos termos do art. 118 da Lei de Execução Penal, a execução da pena privativa de liberdade está sujeita à forma regressiva, com a transferência para um regime mais rigoroso do que o estabelecido no édito condenatório, o que não configura constrangimento ilegal” (RHC 92.446/BA, j. 08/02/2018).
Uma vez determinada a regressão cautelar, deve-se instaurar imediatamente o procedimento para apurar a falta e, se o caso, tornar definitiva a medida imposta.
Note-se que há decisões segundo as quais o procedimento é obrigatório apenas para fatos cometidos no interior dos estabelecimentos prisionais, não para condutas criminosas cometidas enquanto o condenado se encontra fora do presídio, em razão das quais a regressão pode ser determinada diretamente. O STJ, no entanto, não aceita a tese. Para o tribunal, inclusive a regressão decorrente de crime cometido fora do estabelecimento deve ser baseada no procedimento administrativo que garanta o exercício da defesa:
“1. A tese da imprescindibilidade da instauração de um Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD para reconhecimento da prática de falta disciplinar amolda-se à jurisprudência desta Corte, consolidada em seu enunciado sumular n.º 533. O entendimento em testilha deve ser aplicado, inclusive, no tocante ao cometimento de falta disciplinar consistente na prática de crime doloso durante a execução da pena. 2. Para fins de regressão cautelar, no entanto, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. 3. In casu, o magistrado a quo determinou a dispensa de procedimento administrativo disciplinar para ambas as hipóteses (regressão cautelar e definitiva), devendo a decisão subsistir apenas no tocante ao aspecto acautelatório, mantida a anulação parcial” (AgRg no HC 423.979/RS, j. 06/03/2018).
6) O cometimento de falta grave enseja a regressão para regime de cumprimento de pena mais gravoso.
Esta tese representa nada mais do que a aplicação do disposto no inciso I do art. 118 da Lei de Execução Penal, que determina a regressão de regime se o condenado pratica fato definido como crime doloso ou falta grave.
Embora possa parecer óbvia, a tese vem na esteira de decisões em que as particularidades de casos concretos ensejaram o debate sobre a necessidade da regressão. Num dos diversos precedentes, em que o condenado em regime aberto não havia retornado à casa do albergado, a primeira instância considerou desproporcional a regressão e deixou de aplicá-la. Mas o STJ não encampou a iniciativa:
“Segundo consta, o Juízo da Execução, após ter reconhecido a prática de falta grave pelo apenado (fuga), fixou como base de cálculo para futuros benefícios a data de sua recaptura, bem como suspendeu suas benesses pelo período de 60 (sessenta) dias, contudo, deixou de regredi-lo ao regime mais gravoso, mantendo o modo aberto de execução, em obediência ao princípio da proporcionalidade. Por seu turno, esta Corte já decidiu inúmeras vezes que o apenado fica sujeito a regime prisional mais gravoso quando cometida falta grave” (AgRg no REsp 1.223.548/RS, j. 21/06/2011).
Em outro precedente, o condenado buscava evitar a regressão alegando que lhe havia sido imposto o regime inicial aberto, o que impossibilitava, sob pena de ofensa à coisa julgada, a regressão a regime diverso. Evidentemente, o STJ afastou a pretensão:
“Ora, se mesmo os crimes punidos com detenção – os quais, a princípio, não podem se achar atrelados ao regime fechado – podem regredir a um modo de execução mais rigoroso, não existe, então, qualquer justificativa para não se aplicar o mesmo entendimento em relação aos crimes punidos com reclusão, como ocorre no presente caso.
Ressalte-se que o princípio da individualização das penas serve de norte ao sistema prisional brasileiro. E nem poderia ser diferente, pois, visando corrigir e ressocializar o infrator – finalidade social da pena -, o sistema premia ou sanciona seu comportamento no cárcere, seja, no primeiro caso, concedendo progressão, liberdade condicional, dentre outros benefícios, seja, no segundo caso, determinado a regressão, perda dos dias remidos, dentre tantos outros malefícios.
(…)
Destarte, praticado falta grave, deve o apenado ter regredido o seu regime de cumprimento de pena, seja porque assim determinou o legislador, seja porque, de maneira contrária, o sistema prisional brasileiro não conseguirá obter êxito no seu intento, qual seja, de reeducar o cidadão que temporariamente vem se mostrando pernicioso para a sociedade” (AgRg no HC 247.606/MG, j. 04/04/2013).
Há também julgados nos quais os condenados pretendiam afastar a regressão em virtude da prescrição para a apuração da falta grave no procedimento administrativo. Alegavam que, uma vez obstada a iniciativa administrativa, não poderia o juízo da execução considerar o cometimento de falta grave para impor a regressão de regime. Também nestes casos o STJ tem decidido pela possibilidade da regressão, pois o procedimento administrativo disciplinar, sobre o qual incide a prescrição (cf. tese nº 3), destina-se à aplicação das sanções de caráter disciplinar. Se o condenado comete falta grave consistente, por exemplo, na prática de crime doloso, a prescrição do procedimento administrativo não pode vincular o juízo da execução, a quem cabe a avaliação judicial sobre o regime mais adequado para o cumprimento da pena. Neste sentido:
“O condicionamento da atuação do Juízo da Execução à decisão da Comissão Disciplinar implica inaceitável subordinação do Judiciário à Autoridade Administrativa. É certo que a Lei de Execução Penal atribui ao diretor do estabelecimento prisional o poder de apurar e aplicar sanções disciplinares. Contudo, há faltas que, quando praticadas no curso da execução da pena, geram consequências que extravasam a esfera administrativa da disciplina prisional. É o caso, por exemplo, da determinação da regressão do regime (art. 118, I, da LEP), da perda dos dias remidos (art. 127, da LEP), e da suspensão do benefício de livramento condicional (art. 145, da LEP), que são medidas concernentes ao controle jurisdicional do cumprimento da pena e que não podem ficar jungidas à discricionária atuação da autoridade administrativa.
Por outro lado, consoante prevê o art. 67, da LEP, cabe ao Ministério Público a função de fiscalizar a execução penal, tanto no âmbito administrativo, quanto na seara judicial, tendo por obrigação provocar o Poder Judiciário, na hipótese de vislumbrar algum ilícito no curso da execução.
Dessa forma, vincular a esfera judicial à decisão obtida no âmbito administrativo, seja qual for ela – absolvição ou condenação –, de modo a impedir o Parquet de fiscalizar a execução da pena, é violar a sua competência institucional, além de afrontar o Princípio Constitucional da Inafastabilidade da Juridição, positivado no inciso XXXV, do art. 5º, da Carta Magna.
Não se pode aceitar a submissão do Judiciário à esfera administrativa, nem tampouco é admissível restringir a competência legal do Ministério Público, sendo, em todo caso, inafastável o direito constitucional de acesso à jurisdição” (HC 418.569/RS, j. 26/06/2018).
7) A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a obtenção do benefício da progressão de regime.
Nos termos do art. 112 da Lei nº 7.210/84, admite-se a progressão de regime se, comprovada a boa conduta carcerária, o condenado houver cumprido ao menos:
I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
Há, todavia, discussão a respeito dos efeitos que a prática da falta grave opera no prazo de progressão de regime, ou seja, se há ou não interrupção.
Há quem sustente que a inexistência de disposição legal determinando a interrupção do prazo obsta esse efeito, a exemplo do que ocorre no livramento condicional (súmula nº 441). Dessa forma, embora seja possível considerar a falta grave na análise dos requisitos subjetivos para a progressão, não se justifica o reinício da contagem do prazo para a concessão do benefício.
Há, no entanto, outra orientação que defende a interrupção do prazo em decorrência de interpretação sistemática do art. 112 da Lei de Execução Penal. Se o condenado cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e comete a falta grave, a punição consiste na regressão de regime, que, uma vez operada, provoca a recontagem do prazo. Se o condenado que cometeu a falta cumpre a pena em regime fechado, não é possível regredir, restando apenas a interrupção do prazo para a progressão, pois, caso isso não ocorra, a falta simplesmente não será punida, o que, em última análise, pode permitir que o condenado requeira a progressão com base no cumprimento do requisito objetivo logo em seguida à prática da infração disciplinar.
Adotando a segunda orientação, decidiu o STF: “Uma vez cometida falta grave no curso do cumprimento da pena em regime fechado, tem-se a fixação de novo termo inicial para progredir – inteligência da Lei de Execução Penal.” (HC 114.494/SP, j. 28/11/2017). Com a mesma fundamentação, o STJ firmou a tese e editou a súmula nº 534, que vem sendo aplicada:
“A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.364.192/RS, consolidou o entendimento de que “a prática de falta grave interrompe o prazo para a progressão de regime, acarretando a modificação da data-base e o início de nova contagem do lapso necessário para o preenchimento do requisito objetivo”, excetuando, no entanto, a alteração do marco inicial para a concessão de livramento condicional, indulto e comutação da pena” (RHC 96.193/SP, j. 26/05/2020).
8) Com o advento da Lei n. 12.433, de 29 de junho de 2011, o cometimento de falta grave não mais enseja a perda da totalidade do tempo remido, mas limita-se ao patamar de 1/3, cabendo ao juízo das execuções penais dimensionar o quantum, segundo os critérios do art. 57 da LEP.
Em sua redação original, o art. 127 da Lei de Execução Penal dispunha que o condenado punido por falta grave perdia o direito ao tempo remido, cuja contagem recomeçava a partir da infração cometida. A Lei 12.433/11, todavia, modificou a regra para estabelecer que o cometimento de falta grave pode ocasionar a perda de até um terço dos dias remidos, seguidos os critérios do art. 57: natureza, motivos, circunstâncias e consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão. Note-se que a palavra pode deve ser interpretada como poder-dever do magistrado, restando-lhe o juízo de discricionariedade somente acerca da fração da perda.
Tratando-se de norma benéfica, o STJ firmou a orientação de que a limitação imposta para a perda dos dias remidos retroage sobre faltas cometidas antes da Lei 12.433/09, como se extrai do seguinte precedente da tese nº 8:
“Vê-se que a penalidade consistente na perda de dias remidos pelo cometimento de falta grave passa a ter nova disciplina, não mais incidindo sobre a totalidade do tempo remido, mas apenas até o limite de 1/3 (um terço) desse montante, cabendo ao Juízo das Execuções, com certa margem de discricionariedade, aferir o quantum, levando em conta “a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”, consoante o disposto no art. 57 da LEP. E, por se tratar de norma penal mais benéfica, deve a nova regra incidir retroativamente, em obediência ao art. 5.º, inciso XL, da Constituição da República.” (HC 230.659/SP, j. 05/11/2013).
Destacamos, finalmente, que, antes mesmo da alteração do art. 127, o STF havia editado a súmula vinculante nº 9, segundo a qual a norma relativa à perda dos dias remidos (art. 127) havia sido recepcionada pela Constituição Federal e não estava submetida às disposições do art. 58, também da LEP.
As Regras Mínimas da ONU dispõem que deve ser determinada por lei ou por regulamento a duração das sanções disciplinares (regra nº 29). Dentro desse espírito, o art. 58 da Lei de Execução Penal anuncia que o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvado o regime disciplinar diferenciado, que poderá chegar a dois anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie (art. 52, inc. I). Ressalte-se que esse é o limite, e não o dever, podendo as sanções ser aplicadas por menos tempo, conforme a necessidade.
Ocorre que, confrontadas as disposições do art. 58 e do art. 127 (mesmo depois da Lei 12.433/09), abre-se espaço para debater sobre se a revogação do tempo remido deve respeitar o limite estabelecido para as sanções disciplinares. A súmula vinculante nº 9, contudo, deixa claro que o limite de trinta dias não precisa ser observado.
9) A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional.
O art. 83 do Código Penal estabelece a possibilidade de concessão do livramento condicional desde que o condenado cumpra determinados requisitos. Trata-se, basicamente, do cumprimento de parcela da pena conforme a natureza do crime e as condições pessoais do condenado.
A certa altura, juízos de execução e tribunais começaram a considerar interrompido o prazo do livramento condicional em desfavor do preso que houvesse cometido falta grave durante a execução da pena. O STJ, no entanto, assentava reiteradamente a impossibilidade de a falta grave acarretar a interrupção do prazo para o livramento condicional porque o não cometimento da falta não está entre os requisitos objetivos elencados no art. 83 do CP. Para o tribunal, impor a interrupção significava criar um requisito inexistente na lei. Para firmar a orientação, editou-se a súmula nº 441, reiteradamente aplicada:
“A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, por ausência de expressa previsão legal, a prática de falta grave não enseja a alteração do marco para fins de livramento condicional – Súmula 441/STJ. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, em parte, para cassar o v. acórdão vergastado no ponto em que interrompeu o prazo para o benefício do livramento condicional em razão da prática de falta grave.” (HC 451.122/SP, j. 21/06/2018)
Note-se, no entanto, que um dos requisitos subjetivos do livramento condicional é o bom comportamento durante a execução da pena. Esse requisito cobra do condenado comportamento adequado durante todo o tempo da execução da pena, seja no cumprimento das obrigações internas, seja no seu relacionamento com demais habitantes do sistema e com os funcionários, elementos indicativos da sua capacidade de readaptação social. Caso o agente cometa falta grave durante a execução da pena, o juiz pode negar a concessão do livramento com base no comportamento insatisfatório. Não se trata, no entanto – ao contrário da interrupção pura e simples do prazo –, de efeito automático, pois o juiz deve fundamentar por que o comportamento adotado pelo preso contraria o propósito ressocializador da liberdade antecipada.
Por fim, lembramos que a Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) inseriu nos requisitos do livramento condicional o não cometimento de falta grave nos doze meses anteriores à pretensão de obter o benefício. Não se trata, todavia, de interrupção. Embora o condenado não possa obter o livramento se houver cometido falta grave nos doze meses anteriores, o prazo do benefício não se inicia novamente na prática da infração. Consumada a falta grave, nos doze meses seguintes o preso não pode ser beneficiado com a liberdade antecipada, mesmo que cumpra seu requisito temporal. Os doze meses, aliás, coincidem com o prazo da reabilitação da falta grave, hoje previsto na maioria dos regimentos internos das unidades prisionais em vários estados brasileiros.
10) A prática de falta grave não interrompe o prazo para aquisição do indulto e da comutação, salvo se houver expressa previsão a respeito no decreto concessivo dos benefícios.
O indulto é concedido pelo presidente da República, via decreto presidencial (art. 84, XII, CF/88 – ato administrativo), podendo ser delegada a atribuição aos ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União. Atinge apenas os efeitos executórios penais da condenação, subsistindo o crime, a condenação irrecorrível e seus efeitos secundários (penais e extrapenais). O indulto oode ser pleno (quando extingue totalmente a pena) ou parcial (quando concede apenas diminuição da pena ou sua comutação).
A exemplo do que ocorre na progressão de regime e no livramento condicional, discute-se qual o efeito do cometimento de falta grave para a concessão do indulto (pleno ou parcial): interrompe ou não o prazo?
De acordo com o entendimento majoritário, o cometimento de falta grave só pode afetar a concessão do indulto nos limites do que dispõe o próprio decreto presidencial que disciplina o benefício. Normalmente, o decreto dispõe apenas que a concessão do indulto fica condicionada à ausência de falta grave nos doze meses anteriores à publicação do próprio decreto. Não há menção à interrupção do prazo. Por isso, na esteira da tese nº 10, o STJ editou a súmula nº 535 para dispor que a prática de infração disciplinar grave não interrompe o prazo para a concessão do indulto. Destaca-se, a respeito, o seguinte julgado, no qual o tribunal concedeu habeas corpus contra decisão de corte estadual que havia considerado possível a interrupção em um caso que não dizia respeito a sanção disciplinar, mas ao cometimento de novo crime, cuja pena, unificada com a que estava sendo cumprida, deveria impor novo marco para a comutação:
“II – In casu, o eg. Tribunal de origem cassou a comutação de pena deferida ao paciente com base no Decreto Presidencial n. 8.615/2015, ao fundamento de que não estaria preenchido o requisito objetivo, uma vez que o apenado não teria resgatado o lapso de pena necessário a partir da data do cometimento do último delito.
III – A jurisprudência desta eg. Corte Superior firmou-se no sentido de que o cometimento de falta grave decorrente de novo crime não interrompe o prazo para obtenção do livramento condicional (Súmula n. 441/STJ) e nem para a comutação de pena ou o indulto (Súmula n. 535/STJ).
IV – Se o reconhecimento de falta grave decorrente de novo crime não enseja a alteração do marco inicial para a comutação da pena ou indulto, por ausência de previsão legal, conclui-se que, com até maior razão, o cometimento de novo delito no curso da execução também não pode ser utilizado para alterar a data-base para tais benefícios, ainda que não reconhecida judicialmente a falta grave dele decorrente, pois ausente qualquer previsão na legislação e no próprio decreto concessivo.
V – O eg. Tribunal de origem, em que pese tenha tentado justificar a ausência de violação à Súmula 535/STJ, acabou por afrontar, ainda que por outro modo, a ratio essendi que a ela deu origem, qual seja, de que não é possível interromper o lapso temporal da comutação da pena ou do indulto sem previsão legal ou no decreto concessivo.
VI – A superveniência da nova condenação decorrente da prática do delito repercutirá no cálculo do requisito objetivo, ou seja, no lapso temporal necessário para a obtenção da comutação da pena, o que não implica, automática e necessariamente, na alteração do marco inicial da benesse” (HC 449.472/SP, j. 21/06/2018).
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