Resumo
A Lei nº 13.964/2019, nominada como “Pacote Anticrime”, promoveu a inserção do art. 14-A no Código de Processo Penal e do art. 16-A no Código de Processo Penal Militar. A partir dessa alteração, o integrante das forças de segurança pública que figure como investigado de caso de letalidade policial deverá ser cientificado da existência de procedimento apuratório e poderá nomear defensor técnico. Se não indicar defensor, a instituição a que ele seja vinculado deverá fazê-lo. Essa exigência tem o condão de obstar ou impedir a tramitação do procedimento que apura o caso de letalidade policial? O artigo tem por objetivo responder a essa pergunta por meio de interpretação sistemática que, de um lado, considere o sentido e o alcance da ampla defesa assegurada na Constituição Federal e, de outro lado, respeite os demais enunciados legais que versem sobre a investigação preliminar e as prerrogativas do defensor técnico do investigado. Sua contribuição consiste em propor compreensão que assegure a tramitação da apuração sobre letalidade policial em consonância e respeito aos novos dispositivos legais.
Palavras-chave:
Ampla defesa. Defensor técnico. Investigação preliminar. Letalidade policial.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A investigação preliminar e o exercício da ampla defesa. 3. O sentido da intimação da instituição a que pertence o investigado. 4. A presença de defensor técnico para atos de investigação. 5. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
A Lei nº 13.964/2019 introduziu o art. 14-A no Código de Processo Penal (CPP), cuja redação vale transcrever, para em seguida problematizá-la:
Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação.
§ 2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado.
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º (VETADO).
§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem.
A redação do art. 14-A do CPP é igualmente positivada no Código de Processo Penal Militar (CPPM), em seu art. 16-A, também por alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019 (que se convencionou chamar de “Pacote Anticrime”).
O art. 14-A do CPP estabelece a obrigatoriedade de “citação” dos agentes das forças de segurança pública enumeradas pelo art. 144 da Constituição Federal, sempre que figurarem como investigados em procedimentos de apuração preliminar de fatos “relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional”.
A falta de técnica legislativa da alteração promovida pela Lei nº 13.964 é patente: nomina como citação a necessidade de cientificar o investigado de que há apuração em curso de fato que possa ser a ele imputado. A citação, como sabido, é ato de comunicação processual que cumpre finalidade dúplice: dá conhecimento ao acusado de que contra ele há uma imputação criminal deduzida em juízo e possibilita a ele o exercício da ampla defesa no curso do processo (PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas, Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 772).
A citação é ato processual que pressupõe a existência de processo criminal, portanto, de modo que se mostra incorreto mencionar o ato de citação se inexistente processo-crime em curso. A citação, ato que perfectibiliza a relação jurídico-processual, portanto, pressupõe que a ação penal já tenha sido aforada e que, por conseguinte, haja imputação deduzida formalmente (e delimitadamente) em desfavor do citando. É o que se extrai dos arts. 351-369 do CPP (Título X – Das Citações e Intimações, Capítulo I – Das Citações).
Quando o legislador usa erradamente expressão jurídica que se refere ao chamamento do acusado ao processo do acusado, para que ele tome ciência da acusação e dela se defenda, ele não promove a alteração da natureza jurídica do ato de notificação do investigado para que saiba que há procedimento apuratório sobre fato que pode ser a ele imputado. Não é a nomenclatura que define a natureza jurídica do instituto, por conseguinte, mas sim a moldura fática que enseja a sua prática e, por conseguinte, igualmente a consequência jurídica que dele decorrerá.
Para além da falta de técnica legislativa adequada na eleição das expressões veiculadas pelo art. 14-A do CPP (igualmente presente no art. 16-A do CPPM), a redação trazida pela Lei nº 13.964 traz um problema prático de relevante deslinde: se o legislador estabelece a necessidade de indicação de defensor ao investigado nos casos que enuncia no art. 14-A do CPP, há óbice a que a investigação prossiga e encontre seu desfecho na ausência desse defensor?
O presente artigo se presta a responder a essa pergunta. Para tanto, indicará a natureza jurídica do procedimento de investigação preliminar e a exigência de defensor técnico para a prática de seus atos de apuração. Seguidamente, delimitará quais atos investigativos reclamam, por imprescindível, a presença de defensor técnico. Ao fim, pretende-se delinear quais hipóteses a ausência de defensor implicará a inviabilidade da tramitação da investigação preliminar.
Metodologicamente, procederá à análise dos textos legais, além de objetivar uma leitura sistemática do ordenamento jurídico. Por meio de raciocínio dedutivo e abordagem jurídico-interpretativaGUSTÍN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca, (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática, 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 28., que decompõe um problema jurídico em diversos aspectos, relações e níveis, busca-se sugerir caminho interpretativo à solução do problema decorrente da ausência de defensor técnico para assistir o investigado nos casos previstos no art. 14-A do CPP (e, por extensão, no art. 16-A do CPPM).
2. A investigação preliminar e o exercício da ampla defesa
O exercício da ampla defesa no processo penal se projeta em, pelo menos, três dimensões distintas: o direito de audiência, o direito a um defensor técnico e a autodefesa. A ampla defesa, no processo penal, mais que um requisito formal de validade do próprio processo, é elemento intrínseco da cláusula do devido processo legal. Por isso, não se admite que ela seja exercitada de maneira decorativa ou figurativa. Exige-se ampla defesa efetiva, de modo a permitir que o acusado, normativamente amparado por uma série de prerrogativas normativas (a que a literatura estadunidense nomina de privileges), resista a imputação que o Estado (em regra) deduz contra si em processo judicial com observância de contraditório.
Os postulados do contraditório e da ampla defesa são elementos essenciais do processo penal e acidentais da investigação preliminar que antecede a imputação de uma acusação em juízo. A ampla defesa, em particular, quando se refere à exigência de defensor técnico, pode se apresentar antes ou no curso do processo. Se antes, repita-se, trata-se de possibilidade, e não obrigatoriedade a que se exija para que a apuração de fato criminoso seja válida.
A presença de defensor técnico, ademais, mostra-se presente no curso da própria persecução penal – investigação preliminar ou processo-crime – ou fora da persecução penal. Neste último caso, a referência se dá ao manejo de ações autônomas de impugnação, como o habeas corpus, cuja pretensão, se acolhida, pode vir a guardar consequências para a persecução penal (exclusão de provas reputadas como ilícitas, trancamento do processo etc.).
Rememorar essas lições se mostra necessário para se compreender a dimensão normativa da nova disposição legal positivada no art. 14-A do CPP. A exigência de citação do investigado (rectius, notificação) do investigado nos casos de apuração de fato envolvendo letalidade policial guarda estrita projeção com a ampla defesa.
O legislador, na previsão do art. 14-A do CPP (e, por extensão, do art. 16-A do CPPM), assegura sentido e alcance mais extenso à garantia da ampla defesa aos integrantes das forças de segurança pública nos casos de apuração de fato envolvendo letalidade policial. Trata-se de opção, conquanto criticável, lídima do legislador ordinário, no exercício de sua competência privativa para versar sobre Direito Processual Penal.
A leitura dos §§ 1º e 2º do já transcrito art. 14-A do CPP direciona a uma pergunta subsequente: a materialização da defesa técnica do investigado é tarefa de incumbência do próprio investigado ou passa a ser uma tarefa igualmente de responsabilidade da força policial (órgão de Estado) que o investigado integra?
3. O sentido da intimação da instituição a que pertence o investigado
O legislador estabeleceu, como já visto, o direito do investigado ser notificado da existência de procedimento apuratório preliminar do fato referente a letalidade policial. Uma vez cientificado da existência do procedimento, o investigado disporá de 48 horas para constituir um defensor técnico, contadas da efetivação da comunicação.
A presença de defensor técnico na fase investigatória é facultativa. A previsão do § 1º do art. 14-A do CPP não tem o condão de alterar o entendimento já consolidado, inclusive no Supremo Tribunal FederalSTF, HC 82.354-8/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 10/8/2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79033. Acesso em 22/7/2020. Em sentido idêntico, cf. STF, RE 481.955 AgR/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10/5/2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623407. Acesso em 22/7/2020., sobre o (não) alcance da ampla defesa na fase de investigação preliminar:
Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio.
Essa compreensão não foi alterada pelo enunciado normativo trazido pela Lei nº 13.964/2019.
Há, verdadeiramente, uma norma de reforço, que mais uma vez contempla a maior extensão do sentido da ampla defesa incidente aos agentes das forças de segurança pública nas apurações de letalidade policial. É que, na ausência de indicação de defensor técnico pelo investigado, o legislador impôs que essa ausência seja comunicada à instituição a que o investigado seja vinculado, nos termos do já transcrito § 2º do art. 14-A do CPP.
Isso implica questionar, então, se a instituição de vinculação do investigado passou a tomar, para si, o dever de providenciar defensor técnico ao investigado. A resposta é afirmativa, mas é preciso que tal compreensão seja dimensionada em relação aos efeitos que essa exigência trará para o regime de legalidade estrita da investigação preliminar.
Com efeito, na ausência de indicação de defensor técnico ao investigado pelo próprio investigado, incumbirá à sua instituição de vínculo indicar um defensor técnico para patrocínio desse agente das forças de segurança pública. Isso é claro, por força do § 2º do art. 14-A do CPP.
No entanto, na ausência de indicação de defensor técnico, impede-se a tramitação da investigação preliminar? Essa pergunta há de ser respondida à luz de um questionamento inevitável: quais os atos de apuração para cuja realização a presença de defensor se torne imprescindível?
4. A presença de defensor técnico para atos de investigação
Se a investigação preliminar não observa, como regra, a exigência de defensor técnico, dado que a ampla defesa é elemento acidental do procedimento preparatório, em rigor, não há qualquer óbice a que a investigação preliminar siga seu regular curso na ausência de defensor técnico para o investigado nominado nas situações do art. 14-A do CPP.
No entanto, tal compreensão, se tomada de maneira absoluta, implicaria o total esvaziamento do preceito trazido pela Lei nº 13.964/2019. Não há correção hermenêutica na indicação de que um novo enunciado normativo venha a ser inserido no ordenamento sem qualquer efeito jurídico. Cuida-se, em verdade, de compreender seu sentido e alcance, seu lídimo espaço de vigência e aplicação, e não alcançar compreensão que esvazie de sentido o novo enunciado.
Com isso em consideração, há de se buscar quais os atos investigatórios cuja realização reclama a presença do defensor técnico para sua efetiva atuação. A resposta é encontrável na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB), especialmente após as alterações por ela experimentadas pela Lei nº 13.245/2016.
O art. 7º, inciso XXI, do EAOB, estabelece que é prerrogativa legal do advogado “(…) assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração (…) apresentar razões e quesitos”.
No entanto, veja-se que esse dispositivo legal não tornou imprescindível a presença do defensor técnico nos atos de apuração preliminar. Verdadeiramente, ele preceitua a impossibilidade de se afastar a presença do advogado caso ele se apresente como defensor técnico do investigado. A autoridade responsável pelo apuratório, portanto, não pode impedir a presença (e participação) do defensor técnico quando ele se apresente juntamente com o investigado. Mas daí não se admite a intelecção de que toda e qualquer ato da investigação reclame, a partir das modificações empreendidas pela Lei nº 13.245/2016, a presença do defensor técnico como elemento essencial na apuração. Até porque, repita-se, a ampla defesa na fase investigatória é elemento acidental na investigação preliminar.
Essa disposição, pois, soma-se àquela prevista agora no art. 14-A do CPP. O investigado em fato noticiado de letalidade policial deverá constituir defensor técnico. Se não o fizer, sua instituição de origem lhe providenciará um defensor técnico. Mas isso não implica afirmar que toda e qualquer apuração de letalidade policial deverá contar necessariamente com a presença e a participação de defensor técnico. Não. Em rigor, se presente o defensor técnico do investigado, ele não poderá ser alijado, impedido ou afastado dos atos de apuração.
Tal compreensão é bem diferente daquela que, equivocadamente, faça supor o texto legislativo. Até porque o CPP não orienta a leitura da Constituição. É a Constituição que orienta a leitura do CPP – e essa estabelece como acidental a ampla defesa na fase de investigação preliminar. É certo que o investigado por letalidade policial, por disposição expressa do CPP, contará com espectro mais amplo de observância da ampla defesa, consistente justamente no fato de se lhe facultar a indicação de defensor no curso da própria investigação, mas isso não implica que toda apuração seja, então, acompanhada por defensor técnico para que ela validamente apure o fato noticiado de letalidade policial.
Quando muito, poder-se-á indicar o único ato investigativo a que o legislador faz menção expressa a presença de defensor técnico.
Trata-se da previsão legal do interrogatório, tal como delineado no art. 185 do CPP: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”. E a menção expressa ao advogado só ocorre porque o regime legal do interrogatório judicial é o mesmo do regime do interrogatório no curso do inquérito policial, mudando o que deve ser mudado.
Diga-se que o CPPM traz norma de conteúdo aproximado, quando estabelece no § 1º do art. 306 o seguinte: “Se o acusado declarar que não tem defensor, o juiz dar-lhe-á um, para assistir ao interrogatório”. No entanto, veja-se que o CPP diz expressamente que tal tarefa é incumbência do juiz.
No CPP, como dito, a disciplina legal do interrogatório em juízo é a mesma do interrogatório conduzido pela autoridade que preside a investigação preliminar. A peculiaridade é que, diante da compreensão da ampla defesa como elemento prescindível na fase da investigação preliminar, a ausência de defensor técnico na realização do interrogatório no curso do investigação preliminar não conduz à invalidade do ato. Não se pode impedir a presença e participação do defensor técnico que se faça presente ao ato – isso é claro –, mas isso não condiciona a realização do interrogatório à presença do defensor técnico.
Vale rememorar que interrogatório, no CPP, não é todo e qualquer ato de oitiva do investigado, mas o ato de colheita de declarações do investigado que figure como indiciado. Só há interrogatório, no sentido estrito do termo, quando a autoridade responsável procede à oitiva formalizada do indiciado – assim como só há interrogatório no processo quando o juiz procede à oitiva formalizada do acusado.
Desse modo, para que haja interrogatório no curso da investigação preliminar, exige-se que a investigado figure formalmente como indiciado – nesse caso, a autoridade responsável pela oitiva do investigado procederá de acordo com todas as formalidades e regras procedimentais descritas nos arts. 185-192 do CPP. O indiciamento é figura definida no art. 2º, § 6º, da Lei 12.830/2013.
Registre-se que o prévio indiciamento não é condição ou exigência a que se respeitem os direitos do investigado quando de sua oitiva pela autoridade que conduz o procedimento de investigação preliminar. O direito ao silêncio, não é demais rememorar, atende ao investigado independentemente da qualidade que ostente quando ouvido pela autoridade. O compromisso de dizer e não calar a verdade é da testemunha, inclusive com sanção penal para a sua inobservância, mas não do investigado ou acusado. E isso independe de prévio indiciamento.
Ademais, não há imprescindibilidade de indiciamento para conclusão da investigação. Não há sequer imprescindibilidade de procedimento apuratório formalizado para o exercício do direito de ação penal pelo dominus litis. Exige-se, sim, que a ação se ampare em justa causa, mas esta não reclama necessariamente a sua formalização por meio de apuração formalizada.
Já o interrogatório, no CPPM, é nomenclatura reservada à oitiva do acusado em juízo. O CPPM não nomina como interrogatório a oitiva do indiciado realizada pelo encarregado. Logo, sequer se aventa como disposição legal obrigatória a presença do defensor técnico no momento de colheita de declarações do investigado. De qualquer modo, não é demais repetir: caso se apresente acompanhado de defensor técnico, não se permite óbice ou impeditivo à participação do advogado no ato de oitiva do investigado.
De todo modo, conquanto se entenda que a conclusão do procedimento administrativo de apuração preliminar (em regra, o inquérito policial) se dá com o cumprimento de todas as diligências inicialmente determinadas pela autoridade que a conduz, seu término verdadeiramente ocorre quando o titular da ação penal deduz manifestação conclusiva, para oferecer ação penal ou promover o arquivamento da investigação. Isso, decerto, por força da dicção do art. 16 do CPP.
Assim, a oitiva formal do investigado, conquanto medida recomendável porque hábil a melhor apurar o fato noticiado, não consiste em etapa ou procedimento necessário à apuração do fato noticiado como criminoso. A oitiva formal do investigado é tão prescindível quanto a própria existência prévia e formalizada do procedimento investigatório: mais relevantes são a apuração do fato e a base empírica sólida, que ampare ou o ajuizamento da ação penal ou a promoção de arquivamento da investigação pelo Ministério Público, dado que os casos de letalidade policial serão invariavelmente crimes de ação penal pública.
5. Considerações Finais
A alteração promovida pela Lei nº 13.964/2019, para acrescentar o art. 14-A ao CPP e o art. 16-A ao CPPM, não modificou a compreensão de que a ampla defesa é elemento acidental à investigação preliminar que verse sobre notícia de fato criminoso envolvendo letalidade policial.
A ampla defesa do investigado pode ser exercitada no curso da investigação preliminar por meio da defesa técnica do investigado, que deverá ser cientificado da existência de procedimento de investigação preliminar e, diante dessa comunicação, poderá indicar defensor técnico para acompanhar o curso do apuratório. Se o investigado não indicar defensor técnico no prazo de 48 horas contado da comunicação da existência do procedimento, sua instituição de vínculo deverá fazê-lo, de sorte que se assegure ao investigado, sempre e sempre, o exercício da ampla defesa, em sua dimensão de direito a defesa técnica, desde logo na fase de investigação preliminar.
No entanto, a presença de defensor técnico, a assistir o investigado, não se convola num impeditivo ou óbice à tramitação do apuratório. Ao revés, o enunciado normativo trazido pela alteração de 2019 assegura ao investigado – em situação de maior garantia que aquela assegurada aos investigados em geral – que saiba que há apuração em curso de fato noticiado de letalidade policial que o envolve e, querendo, que possa ele constituir defensor técnico para acompanhar o procedimento de investigação preliminar.
A dimensão adequada da norma de garantia, específica e dirigia aos integrantes das forças de segurança pública estabelecidas no art. 144 da Constituição, nas apurações de letalidade policial, não modifica o regime legal do procedimento de investigação preliminar. A necessária interpretação sistemática, que reclama a consideração do que se compreende sobre a dimensão da ampla defesa na Constituição Federal e dos dispositivos legais de igual hierarquia normativa do diploma legal de 2019, impõe que, na compreensão do regime de formalidades no curso do procedimento de investigação preliminar de letalidade policial, não se criem óbices ou amarras a sua tramitação e, espera-se, conclusão elucidativa do fato criminoso noticiado.
Referências
GUSTÍN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
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O autor escreveu JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI Nº 9.099/1995, na obra Leis Penais Especiais Comentadas