Informativo: 673 do STJ – Direito Penal e Processo Penal
Resumo: A conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas.
Comentários:
Nas mesmas penas do caput do art. 33 da Lei 11.343/06 incorre qualquer pessoa que importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, matéria-prima (substância principal que se utiliza, ainda que eventualmente, no fabrico da droga), insumo (elemento necessário, não necessariamente indispensável, para produzir a droga) ou produto químico (substância resultante de uma elaboração química) destinado à preparação de drogas. Como bem anota Vicente Greco Filho: “Não há necessidade de que as matérias-primas tenham já de per si os efeitos farmacológicos dos tóxicos a serem produzidos; basta que tenham as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas. São matérias-primas o éter e a acetona, conforme orientação do Supremo Tribunal Federal e consagração da Convenção de Viena de 1988” (Lei de Drogas Anotada – Lei 11.343/2006. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 96).
No julgamento do CC 172.464/MS (j. 10/06/2020), a Terceira Seção do STJ decidiu que a importação de folhas de coca se subsume, em tese, ao tipo do tráfico equiparado, ainda que a alegada destinação seja o uso próprio. No caso, o réu sustentava que as folhas de coca (4,4kg no total), adquiridas na Bolívia com destino a Minas Gerais, seriam destinadas a rituais indígenas e à produção de bolos e chás, não à produção de cocaína.
Sem adentrar no mérito da conduta em si – pois o que se discutia era a competência de julgamento –, o STJ afastou a incidência do art. 28 da Lei 11.343/06 porque o produto apreendido, que figura entre as plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes, não pode ser considerado droga. Dessa forma, para os efeitos inerentes à competência – e consequente apuração do propósito do importador –, a conduta deve ser classificada como importação de matéria-prima para a produção de drogas, cujo julgamento compete à Justiça Federal:
“Questiona-se, nos autos, se o transporte de folhas de coca amolda-se melhor ao tráfico internacional de entorpecentes (art. 33 c/c 40, I e VII, da Lei n. 11.343/2006) ou ao uso de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/2006), cuja resposta permite definir se a competência para o julgamento da ação é da Justiça Federal, ou do Juizado Especial criminal estadual.
No caso, a substância (4,4 kg de folhas de coca), adquirida na Bolívia, foi localizada no estepe do veículo e seria transportada até Uberlândia/MG para rituais de mascar, fazer infusão de chá e até mesmo bolo, rituais esses associados à prática religiosa indígena de Instituto ao qual pertenceria o acusado. Conforme o Laudo de Perícia Criminal Federal, o material apreendido teria o potencial de produzir, aproximadamente, de 4,4g (quatro gramas e quatro decigramas) a 23,53g (vinte e três gramas e cinquenta e três centigramas) de cocaína, a depender da técnica de refino utilizada.
Não se questiona, portanto, a origem transnacional do entorpecente. A definição da competência depende, assim, na hipótese em exame, da tipificação da conduta como tráfico ou como posse de droga para consumo próprio.
O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial estadual, já que ele não está previsto em tratado internacional, e o art. 70 da Lei n. 11.343/2006 não o inclui dentre os que devem ser julgados pela Justiça Federal.
Já o tráfico de drogas é delito de tipo misto alternativo de conteúdo variado, que pune, também, a conduta de quem importa ou adquire substância entorpecente ou matéria-prima destinada à sua fabricação.
Veja-se que o tipo do art. 28 da Lei de Drogas, em seu caput, prevê vários núcleos, dentre os quais o verbo “transportar”, que corresponde à conduta do investigado. Contudo, ele também vincula o transporte a “drogas”, ou seja, a substância entorpecente de uso proibido no país.
Ocorre que a folha de coca (“erythroxylum coca lam”) é classificada no Anexo I – Lista E – da Portaria/SVS n. 344, de 12/5/1988 – que aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial como uma das plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. Seja dizer, ela não é, em si, considerada droga. Com isso em mente, a conduta do investigado não se enquadra no caput do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
Tampouco se amoldaria ao delito equiparado descrito no parágrafo 1º do art. 28, uma vez que o investigado não semeou, nem cultivou, nem colheu as folhas de coca que transportava, já que admitiu tê-las comprado de uma índia do Acre.
Assim sendo, por mais que sua intenção confessada fosse a de consumir as folhas de coca, mascando-as, fazendo chás ou preparando bolos em rituais indígenas de sua crença religiosa, não se trataria de consumo de drogas e a conduta não se amolda ao tipo do art. 28 da Lei n. 11.3434/2006.
Por sua vez, o caput do art. 33 criminaliza, entre outras condutas, a de transportar drogas. Mas, como se viu anteriormente, a folha de coca não é droga. Porém pode ser classificada como matéria-prima ou insumo para sua fabricação.
Nesse sentido, a conduta se amoldaria ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 se, e apenas se, ficar demonstrado, ao final do inquérito ou da ação penal que o intuito do investigado era o de, com as folhas de coca, preparar drogas.
Desse modo, a conduta de transportar folhas de coca melhor se amolda, em tese e para a definição de a competência, ao tipo descrito no § 1º, I, do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, que criminaliza o transporte de matéria-prima destinada à preparação de drogas”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Leis Penais Especiais – Comentadas artigo por artigo
Conheça os cursos do Ministério Público da Lesen, coordenados pelo professor Rogério Sanches: