A nova lei 13.869/2019 estipulou em seu artigo 18 que constitui abuso de autoridade submeter o preso a interrogatório policial durante o período de repouso noturno, salvo se capturado em flagrante delito ou se ele, devidamente assistido, consentir em prestar declarações.
Portanto, a regra trazida pelo citado dispositivo legal pode ser resumida da seguinte forma considerando as modalidades de prisão:
PRISÃO | MOMENTO DO INTERROGATÓRIO |
FLAGRANTE | APRESENTAÇÃO À AUTORIDADE POLICIAL |
TEMPORÁRIA | VEDADO NO PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO* |
PREVENTIVA | VEDADO NO PERÍODO DE REPOUSO NOTURNO* |
*EXCEÇÃO: na presença de advogado e com consentimento do preso.
Desse modo, considerando a apresentação do detido ao Delegado de Polícia, é de se perguntar: o interrogatório somente é realizado quando for lavrado o auto de prisão em flagrante ou poderá ser procedido desde que haja condução do suspeito para avaliação da situação flagrancial?
Adotamos a segunda alternativa. O artigo 18 autoriza o interrogatório daquele capturado em flagrante delito. Isto porque somente pode ser conduzido para fins de segregação aquele que é capturado em (a) possível situação de flagrância ou (b) por ordem judicial. Nos casos de ordem judicial, estaremos diante de situações cujo decreto judicial será de prisão preventiva ou temporária, como visto acima. Noutra hipótese, necessariamente, a captura decorrerá de situação cujo fumus comissi delicti indica possibilidade de flagrante.
Portanto, na dicção da lei, a expressão “captura em flagrante delito” serve para diferenciar essa hipótese das demais espécies de captura (prisão preventiva ou temporária) que não autorizam a realização de interrogatório durante o horário de repouso noturno.
Nesse sentido, uma vez capturado e conduzido o suspeito em situação de flagrante, desde já, deve o Delegado de Polícia proceder ao seu interrogatório. A decisão sobre a lavratura ou não do auto de prisão em flagrante é ato posterior, podendo o conduzido, neste ponto, optar pelo direito ao silêncio.
O que não se considera correto, é vincular a tomada de depoimento do capturado à decisão de lavratura do flagrante, o que geraria duas situações distintas: uma vez capturado e conduzido até a presença da autoridade policial, ouvido condutor e testemunhas: (a) decida o Delegado pela lavratura do auto de prisão em flagrante e, somente neste caso, entenda estar autorizada a realização do interrogatório; (b) decida o delegado que não há situação de flagrância e, neste caso, entenda ser vedada a realização de interrogatório com base no art. 18 da Lei de Abuso de Autoridade.
Para nós, a simples existência de conduzido em possível situação de flagrante delito autoriza a imediata coleta de depoimento do suspeito. Isto porque, como já referido, a lei fala em “conduzido em situação de flagrante”. Além disso, a lei não restringiu, de modo expresso, a realização de interrogatório “quando verificada situação de flagrante” ou “por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante”.
Vale lembrar que a prisão em flagrante possui quatro momentos distintos: (1) captura, (2) condução, (3) lavratura do auto de prisão em flagrante e (4) recolhimento ao cárcere. Portanto, nos termos do art. 18 da Lei de Abuso de Autoridade, havendo capturado, está autorizada a realização de interrogatório do conduzido, sendo, por certo, atípica a conduta da autoridade policial que assim proceder, algo que resta extreme de dúvidas, especialmente, se não demonstrado o dolo específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, nos termos do art. 1.º, § 1º da citada lei.