Com o início do cumprimento da pena, a gestão direta da sanção é realizada pela administração penitenciária, que, visando à manutenção da ordem e à concretização das finalidades da pena, deve zelar e atuar pela disciplina interna. E os condenados e os presos provisórios devem colaborar com a ordem, obedecendo às determinações emanadas das autoridades e seus agentes.
No intuito de viabilizar a execução da pena sob ordem e disciplina, a Lei de Execução Penal traz, além do extenso rol de deveres e direitos dos presos, os comportamentos proibidos, as sanções aplicáveis em caso de violação e os ritos e exigências para a sua apuração.
Uma das regras fundamentais na aplicação de sanções é a disposta no art. 57 da LEP: “Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão”. O dispositivo obedece a normas internacionais, tendo em vista que as Regras de Mandela recomendam que, na aplicação das sanções disciplinares, a autoridade competente proceda a um exame completo do fato, analisando todas as suas circunstâncias com base nas informações colhidas em procedimento instaurado com esta finalidade. Trata-se, em última análise, da aplicação prática dos princípios da individualização da pena e da responsabilidade pessoal.
Disso decorre outra regra da Lei de Execução Penal: a vedação a sanções de caráter coletivo (art. 45, § 3º). Com efeito, se os princípios que informam a execução da pena e a responsabilidade por faltas disciplinares são a individualização e a responsabilidade individual, não é possível que, mesmo em decorrência de procedimento administrativo devidamente instaurado e instruído, o preso sofra sanção aplicada sem que seja apontado exatamente em que sua conduta pessoal violou as normas de ordem e disciplina da execução penal.
Com base nisso, o ministro Rogério Schietti Cruz, do STJ, concedeu a ordem em habeas corpus para suspender os efeitos de decisão da segunda instância que havia confirmado a punição considerada de caráter coletivo.
No caso, o impetrante e outros condenados trabalhavam juntos no setor relativo à padaria do estabelecimento prisional, de onde foi subtraída uma porção de fermento biológico. Questionados pelo supervisor a respeito da autoria da subtração, os presos se calaram e foram alertados de que seriam submetidos a processo disciplinar. Horas depois, o produto foi encontrado no local de onde havia sido retirado, mas sem que ninguém assumisse a autoria.
Instaurado o procedimento administrativo, os presos foram ouvidos e negaram a autoria da subtração, e não foi possível comprovar qual deles a cometeu. Não obstante, foram todos punidos pela falta.
O impetrante recorreu ao Tribunal de Justiça, que manteve a punição em decisão posteriormente atacada no STJ. Para o ministro, da forma como aplicada a punição viola o princípio da individualização da pena e torna inócuo o procedimento administrativo, que é instaurado justamente para que se responsabilize pessoal e individualmente o preso faltoso:
“Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “[é] ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado” (HC n. 292.869/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 29/10/2014, sublinhei).
É imperioso ressaltar a relevância da individualização da conduta imputada ao apenado, circunstância sem a qual nem é possível o adequado exercício das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa, previstas no texto do art. 5º, LV, da Carta Magna, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Aliás, a imputação de autoria coletiva à infração disciplinar sob apuração corrompe a própria finalidade à que se presta o processo disciplinar, tornando o procedimento de apuração instrumento inócuo, ao esvaziar a possibilidade de efetiva defesa, constituindo, inclusive, ofensa ao ordenamento jurídico internacional. Nos termos do art. XI, I, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “[t]odo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa” (grifei).
As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, também conhecidas como Regras de Mandela, instituídas pela Organização das Nações Unidas, sublinha o direito à devida apuração de condutas classificadas como infrações disciplinares graves, mormente diante da repercussão de seu reconhecimento durante o resgate da reprimenda. De acordo com o art. 41, I, do referido diploma legal, “[q]ualquer alegação de infração disciplinar praticada por um recluso deve ser prontamente transmitida à autoridade competente, que deve investigá-la sem atrasos injustificados”.
Assim, em um primeiro olhar, não verifico a indicação de elementos que vinculem o apenado ao desaparecimento do produto armazenado na padaria do estabelecimento prisional, de modo que constitui patente constrangimento ilegal a manutenção dos consectários decorrentes do reconhecimento da falta grave” (HC 559.433/SP, j. 17/02/2020).
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos