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Lei 15.280/25: Comentada artigo por artigo

  • Foto de Rogério Sanches Cunha e Thiago Pierobom de Ávila Por Rogério Sanches Cunha e Thiago Pierobom de Ávila
  • 09/12/2025

1) ALTERAÇÃO NAS PENAS DO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL

2) ALTERAÇÃO NA PENA DO ART. 218 DO CÓDIGO PENAL

3) ALTERAÇÃO NA PENA DO ART. 218-A DO CÓDIGO PENAL

4) ALTERAÇÃO NA PENA DO ART. 218-B DO CÓDIGO PENAL E REVOGAÇÃO DO § 1º

Em sua redação original, o § 1º do art. 218-B estabelecia a pena de multa se o crime fosse praticado com o fim de obter vantagem econômica. A Lei 15.280/25 revogou o dispositivo e inseriu a multa no preceito secundário do caput. Dessa forma, a sanção pecuniária passou a ser aplicada de forma cumulativa com a privação da liberdade, independentemente de qualquer intuito de lucro.

5) ALTERAÇÃO NA PENA DO ART. 218-C DO CÓDIGO PENAL

O art. 218-C do CP, por expressa disposição legal, é subsidiário, isto é, somente se aplica quando a conduta não constituir crime mais grave. Antes da alteração legislativa recente, existia clara harmonia sistemática: tratando-se de criança ou adolescente, os crimes previstos nos arts. 241 e 241-A do ECA possuíam penas mais altas do que o art. 218-C. Essa hierarquia natural sempre permitiu compreender o art. 218-C como um tipo voltado à proteção de adultos, enquanto os dispositivos do ECA — de natureza especial — resguardavam, com maior rigor, crianças e adolescentes.

A situação muda radicalmente com a edição da Lei 15.280/25. A nova redação elevou a pena do art. 218-C para quatro a dez anos de reclusão, tornando-o mais grave do que os arts. 241 (quatro a oito anos) e 241-A (três a seis anos) do ECA — justamente os tipos que tradicionalmente protegiam o público infantojuvenil. Surge, então, um problema de incoerência legislativa: o legislador aumentou a punição quando a vítima é adulta, mas deixou menor a punição quando a vítima é criança ou adolescente, o que viola a racionalidade do sistema e compromete a proporcionalidade.

Nesse cenário, duas soluções interpretativas se apresentam:

(a) Aplicação do critério da especialidade: sustenta-se que os arts. 241 e 241-A do ECA continuam a regular, como normas especiais, todas as situações envolvendo vítimas menores de 18 anos. Por essa lógica, a especialidade não depende de pena maior ou menor; basta que a norma seja voltada especificamente à proteção de crianças e adolescentes. Assim, mesmo após o aumento da pena do art. 218-C, os tipos do ECA continuariam a prevalecer sempre que a vítima for menor de idade.

(b) Aplicação do art. 218-C também quando a vítima for menor de 18 anos: uma segunda corrente sustenta que, diante da nova ordem legislativa, o art. 218-C deve prevalecer sempre que sua pena for mais grave, independentemente da idade da vítima. Essa solução busca evitar flagrante desproporcionalidade e irrazoabilidade, pois seria inadmissível — e constitucionalmente inadequado — que o sistema punisse menos severamente condutas que atingem crianças e adolescentes, grupo cuja proteção é reforçada pela própria Constituição. O art. 227, § 4º, da CF estabelece verdadeiro mandado de criminalização qualificada, determinando que crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes sejam punidos com especial rigor. Não é aceitável que a lei ordinária resulte, ainda que involuntariamente, em proteção deficiente aos mais vulneráveis.

Para nós, diante da desarmonia criada pela alteração legislativa, a solução que melhor se coaduna com a Constituição — e com o princípio da máxima proteção da criança e do adolescente — é a segunda. Assim, entende-se que o art. 218-C deve incidir também quando a vítima for menor de 18 anos, evitando que condutas objetivamente mais graves sejam punidas com penas inferiores, em violação à proporcionalidade material e ao mandado constitucional de tutela reforçada.

6) INSERÇÃO DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

Descumprimento de medidas protetivas de urgência

Art. 338-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial pode conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Considerações iniciais

Com a entrada da Lei 15.280/25 em vigor, o art. 350-A do CPP passou a permitir que, havendo indícios de crime contra a dignidade sexual ou em situações que envolvam crianças, adolescentes, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, o juiz aplique imediatamente as medidas protetivas de urgência, construídas em semelhança às previstas na Lei Maria da Penha, ainda que o caso não envolva violência doméstica ou familiar. O art. 338-A do Código Penal incrimina o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência, sem limitação do estatuto jurídico que as teria determinado. Tutela-se dois bens jurídicos centrais: de um lado, a administração da justiça, que necessita do respeito às ordens judiciais para que sua função protetiva seja efetiva; de outro, a integridade física, psicológica, sexual, moral e patrimonial da pessoa beneficiária dessas medidas, cuja vulnerabilidade motivou a intervenção jurisdicional. O tipo penal, portanto, funciona como mecanismo de reforço da tutela preventiva, preservando tanto a autoridade judicial quanto a segurança da vítima.

O art. 338-A nasce para funcionar como norma geral para o descumprimento de decisões judiciais protetivas, mas há alguns detalhes a que devemos nos ater.

O art. 350-A do CPP dispõe, no caput, que suas medidas protetivas podem ser aplicadas ante indícios da prática de crime contra a dignidade sexual; o § 6º complementa que essas medidas se estendem “aos crimes cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado”. A primeira observação a ser feita é que esses dispositivos não se referem especificamente à mulher vítima de violência doméstica e familiar, razão pela qual cedem lugar às disposições especiais existentes no microssistema de proteção da Lei Maria da Penha. Assim, quando o descumprimento envolver medidas protetivas deferidas em favor de mulher vítima de violência doméstica e familiar, aplica-se o crime do art. 24-A da Lei Maria da Penha, que constitui norma especial destinada à tutela da mulher em contexto doméstico (ainda que punido com a mesma pena).

Não se pode dizer o mesmo a respeito da violação a medidas protetivas concedidas em favor de criança ou adolescente vítima de violência doméstica e familiar. É certo que a Lei Henry Borel estabelece disciplina própria para as medidas protetivas a esse grupo de vítimas e criminaliza o seu descumprimento (art. 25). O § 6º do art. 350-A do CPP, porém, menciona crianças e adolescentes em termos genéricos e é expresso no sentido de que suas medidas protetivas se aplicam qualquer que seja o crime investigado. Se é assim, tratando-se de descumprimento de medidas protetivas concedidas a crianças e adolescentes vítimas de crimes, seja qual for o contexto, incide o art. 338-A do CP, e não o art. 25 da Lei Henry Borel. Em outras palavras, houve revogação tácita do art. 25 da Lei Henry Borel pelo art. 338-A do CP, porque o novo regramento jurídico do art. 350-A do CPP, em seu § 6º, determinou expressamente a sua aplicação em relação a crimes contra crianças e adolescentes; a nova lei que criou o crime também previu uma nova medida protetiva para as crianças e adolescentes. Aliás, a incidência do art. 338-A se justifica não apenas por isso, mas também pela injustificável desproporcionalidade entre as penas cominadas: o crime do art. 25 é punido com detenção de três meses a dois anos, enquanto o art. 338-A estabelece pena de reclusão de dois a cinco anos, idêntica à da Lei Maria da Penha. A aplicação deste último é mais consentânea com o sistema de proteção integral de crianças e adolescentes.

Tratando-se de crime cometido sem violência ou grave ameaça, em tese a pena admite o benefício do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP).

Sujeitos do crime

O sujeito ativo é qualquer pessoa destinatária da ordem judicial que concede a medida protetiva. Trata-se de crime comum.

O sujeito passivo é duplo. De um lado, protege-se a administração da justiça, pois o descumprimento enfraquece a autoridade das decisões judiciais e compromete a função estabilizadora e preventiva das medidas protetivas. De outro, é vítima a própria pessoa beneficiária da medida, cuja integridade é diretamente colocada em risco pela violação da ordem judicial.

Conduta

A conduta típica consiste em descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência.

O verbo “descumprir” abrange toda forma de violação das obrigações impostas, incluindo aproximação proibida, contato vedado, violação de limite geográfico, não entrega de arma de fogo, retorno ao lar da vítima após afastamento judicial, ou qualquer ato que, de modo direto ou indireto, contrarie o comando judicial. A amplitude do núcleo verbal garante que tanto ações comissivas quanto omissivas possam configurar o delito, desde que se possa demonstrar o conhecimento da ordem e a voluntária decisão de contrariá-la.

São exemplos usuais de descumprimento de medidas protetivas de proibição de aproximação da vítima: rondar a residência da vítima ou local em relação ao qual se sabe que ela está (como escola, trabalho, casa de familiares); em caso de proibição de aproximação de determinados lugares, configura-se o crime mesmo que a vítima não esteja no local no momento da aproximação, pois essa conduta é já uma forma de violência psicológica (a vítima naturalmente se intimida ao saber que o ofensor estava rondeando sua residência quando ela estava fora); a ordem de proibição de contato com a vítima pode ser descumprida com mensagens de texto em redes sociais, aplicativos de mensagens (como WhatsApp), e-mails, recados por terceiros ou mesmo por outros subterfúgios (como encaminhar um recado no campo de observação do PIX). O descumprimento pode configurar-se ainda em qualquer das outras modalidades de medidas protetivas de urgência.

Note-se que o art. 338-A do Código Penal foi concebido para alcançar um espectro muito mais amplo de situações do que aquelas tratadas nos microssistemas da Lei Maria da Penha e da Lei Henry Borel, não se restringindo tampouco às hipóteses específicas do art. 350-A do CPP. Seu fundamento é o poder geral de cautela do juiz, que, diante de risco concreto à integridade de qualquer pessoa vulnerável, pode impor medidas protetivas independentemente do tipo penal subjacente ou da natureza da relação entre autor e vítima. Assim, o tipo penal funciona como cláusula geral de criminalização do descumprimento de ordens protetivas, aplicável a cenários que ultrapassam os limites do gênero, da idade ou dos crimes sexuais. Essa lógica é coerente com o entendimento do STF no MI 7452, que determinou a aplicação das medidas da Lei Maria da Penha também ao homem vulnerável em relações GBTI+, reconhecendo que a tutela protetiva deve atender às situações de risco, e não apenas a categorias fixas de vítimas. Desse modo, o art. 338-A assegura resposta penal uniforme para o descumprimento de qualquer medida judicial de urgência destinada à proteção de pessoas em contexto de violência.

Nos termos do § 1º do art. 338-A, não importa, para a caracterização do crime de desobediência, a natureza da competência do juiz que decretou as medidas protetivas, ou seja, comete o crime quem descumpre medida protetiva decretada no bojo de um procedimento civil, como também quem descumpre medida resultante de procedimento criminal. A norma faz todo o sentido, pois não haveria razão para desprestigiar a medida protetiva apenas por não ter sido decretada por um juiz criminal. Seria, aliás, desnecessária a disposição legal equiparando as medidas para os efeitos da desobediência. Trata-se apenas de uma precaução adotada pelo legislador, que agiu com o propósito de evitar o surgimento de controvérsias a esse respeito.

Por fim, o § 3º dispõe que a caracterização do crime de desobediência não prejudica a aplicação de outras sanções cabíveis em decorrência do descumprimento das medidas protetivas. Com efeito, tais medidas têm caráter progressivo, que pode fazê-las evoluir até a decretação da prisão preventiva. Essa progressividade não é influenciada pelas consequências que o agente pode sofrer em razão da prática do crime.

Voluntariedade

O crime é doloso, cometido com vontade consciente de descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência. Exige-se que o agente tenha conhecimento da decisão que deferiu a concessão de medida protetiva e vontade de descumpri-la.

A ausência de intimação válida, o erro sobre o conteúdo da ordem judicial ou circunstâncias que possam gerar dúvida objetiva quanto ao alcance da determinação podem excluir o dolo, ainda que tais alegações devam ser examinadas com cautela, sobretudo quando houver advertências anteriores ou histórico de aproximações indevidas. Reiteradas violações demonstram, com particular força, a intenção deliberada de frustrar a proteção conferida à vítima. Exemplo: o ofensor encaminha à vítima mensagem de texto indicando que tem conhecimento da medida protetiva, de cuja intimação está se furtando, e segue com os atos persecutórios.

Não há previsão de modalidade culposa.

A jurisprudência do STJ tem oscilado quanto ao efeito do consentimento da vítima no crime de descumprimento de medida protetiva tipificado no art. 24-A da Lei Maria da Penha, mas a orientação hoje prevalente é a de que tal consentimento não afasta a tipicidade. Em algumas decisões, especialmente da Quinta Turma, admitiu-se que a anuência livre e consciente da vítima poderia tornar atípica a conduta, por retirar a lesividade concreta da violação.[1] Contudo, em julgados posteriores a Corte afirmou que o bem jurídico protegido pelo tipo penal não é apenas a integridade da vítima, mas sobretudo a autoridade e a eficácia da ordem judicial, que é indisponível. Assim, mesmo que a vítima permita a aproximação, a desobediência à decisão judicial permanece típica, pois a medida protetiva é instrumento estatal de tutela, e não pacto entre particulares.[2] Nessa linha, admitir a revogação fática da ordem judicial pela vítima comprometeria a lógica protetiva e estimularia ciclos de violência. Além disso, em contextos de violência doméstica, ou contra vulneráveis em geral, a suposta “anuência” pode decorrer de coação moral, dependência emocional ou econômica. À luz dessas circunstâncias, o consentimento da vítima tem deixado de ser reconhecido como causa de exclusão da tipicidade, consolidando-se a ideia de que o descumprimento da decisão que concede a medida protetiva — e não a concordância da vítima — é o núcleo essencial do delito.

Consumação e tentativa

A consumação ocorre quando o agente pratica qualquer ato que viole a decisão judicial. Trata-se de crime formal, de perigo abstrato, que dispensa qualquer resultado lesivo ou mesmo a exposição concreta da vítima a risco; basta a simples violação da ordem judicial. Aproximações mínimas, contatos rápidos ou atos aparentemente inofensivos já são suficientes para a consumação.

A tentativa pode ser admitida, desde que a conduta seja fracionável. Se o agente tenta enviar mensagem vedada, mas a comunicação é interceptada antes do envio, pode haver tentativa.

Ação penal

Tendo em vista o bem jurídico tutelado, a ação penal é pública incondicionada.

7) IDENTIFICAÇÃO DE PERFIL GENÉTICO DE CONDENADOS E PRESOS PROVISÓRIOS EM CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL — ART. 300-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Art. 300-A. O investigado por crimes contra a dignidade sexual, quando preso cautelarmente, e o condenado pelos mesmos crimes deverão ser submetidos obrigatoriamente à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por técnica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional.

A disciplina da identificação do perfil genético sofreu profunda expansão legislativa, mas não sem inconsistências internas. O art. 9º-A da LEP estabelece um modelo de coleta ex lege no âmbito da execução penal, cuja finalidade é eminentemente identificatória, destinada à formação e alimentação do banco de dados nacional de perfis genéticos, sem necessidade de provocação individualizada da autoridade policial ou do Ministério Público. Nesses casos há apenas uma decisão judicial condenatória e a presunção legal da conveniência da realização da identificação criminal para alimentar o Banco de Dados de perfilamento genético, com uso potencial para eventuais investigações criminais passadas ou futuras.

A coleta de material biológico para perfilamento genético prevista no art. 310-A do CPP, recém-introduzida pela Lei n. 15.272, de 26 de novembro de 2025, prevista para a situação de prisão em flagrante de crimes de determinada gravidade (inclusive de crimes contra a dignidade sexual), também possui finalidade preponderante de identificação, ainda que seja possível vislumbrar algum possível efeito para a investigação em curso ou para investigações passadas ou futuras. Nesse contexto, o art. 310-A do CPP exigiu prévio requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público e, portanto, prévia decisão judicial para a coleta.  Em nossa visão, essa exigência está correta: se há potencial de uso do perfilamento genético colhido em investigação em curso para esta ou outras investigações, é necessária prévia autorização judicial.

Todavia, ocorre o inverso no art. 300-A do CPP, que determina, aparentemente de forma obrigatória (ex lege), sem necessidade de prévia autorização judicial, a identificação do perfil genético do preso cautelar e do condenado por crimes contra a dignidade sexual. Aqui, no entanto, a natureza da medida é flagrantemente probatória para o crime cuja investigação está em curso, e não meramente identificatória. Trata-se de técnica voltada a potencial esclarecimento de autoria em crimes sexualizados, razão pela qual não poderia ser automática, sob pena de violar a lógica de proporcionalidade, necessidade e reserva de jurisdição em relação a uma diligência com potencial de restrição de direitos ligados ao cerne da personalidade (a identificação genética). A coleta de material genético para fins predominantemente investigativos no caso concreto deveria condicionar-se a requerimento fundamentado, com demonstração da pertinência, seguido da respectiva decisão judicial, como se exige para qualquer produção de prova que interfira no corpo do investigado.

Essa assimetria compromete a coerência do sistema e desafia interpretação conforme a Constituição, para se entender que a identificação criminal por perfilamento genético do art. 300-A do CPP, por ser determinada no curso de uma investigação criminal e com potencial de uso na investigação em curso e em casos anteriores ou futuros, exige requerimento e decisão judicial fundamentada. É até possível reconhecer que a lei sinaliza a provável necessidade da identificação criminal, pois usualmente autores de crimes contra a dignidade sexual possuem um histórico de crimes semelhantes que podem estar sem esclarecimento, bem como há um risco mais elevado de recidiva específica, de forma que haveria indicação legal da necessidade deste perfilamento genético. Ainda assim, os demais requisitos constitucionais relacionados ao princípio da proporcionalidade devem ser especificamente avaliados na decisão judicial.

Em síntese, o automatismo legal de uma identificação criminal por pefilamento genético para fins investigativos não se coaduna com as garantias do devido processo penal. Todavia, especificamente para a identificação por perfilamento genético na fase da execução penal, o art. 9º-A da LEP já justifica a realização da medida, sendo nesse ponto desnecessário recorrer ao 300-a do CPP. Aliás, nesse caso, já há sentença judicial transitada em julgado, conferindo certeza à prática delituosa e superando a presunção de inocência.

8) MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Art. 350-A. Constatada a existência de indícios da prática de crime contra a dignidade sexual, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao autor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima, se aplicável;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da vítima, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre esses e o autor; b) contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VI – comparecimento do autor a programas de recuperação e reeducação;
VII – acompanhamento psicossocial do autor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I do caput deste artigo, encontrando-se o autor nas condições mencionadas no caput e nos incisos do art. 6º da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do autor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
§ 5º Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência será cumulada com a sujeição do autor a monitoração eletrônica, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação.
§ 6º O disposto neste artigo aplica-se, ainda, aos crimes cuja vítima esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado.
Art. 350-B. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a pedido da autoridade policial, do Ministério Público ou da vítima, o juiz poderá determinar a proibição do autor de exercer atividades que envolvam contato direto com pessoa em situação de vulnerabilidade, quando houver prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Verifica-se que o novo art. 350-A do CPP replica o regramento das medidas protetivas de urgência, inauguradas no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Lei Maria da Penha (depois replicadas no sistema da Lei Henry Borel). O foco temático dessas medidas protetivas são os crimes contra a dignidade sexual (caput), podendo ser expandida para os crimes contra “vítima [que] esteja em situação de vulnerabilidade, como crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou incapazes, qualquer que seja o crime investigado” (§ 6º).

Segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é obrigação dos Estados promover a proteção de vítimas de crimes contra o risco de novas violências, sob pena de responsabilização internacional. A Corte entende que, sempre que o Estado tem conhecimento de uma situação de risco de novos atos de violência (como no registro de uma ocorrência policial), surge para o Estado o dever de devida diligência em evitar esses atos de violência, protegendo a potencial vítima (Ver: Corte IDH, Caso González e outras (“Campo Algodonero”) Vs. México, Sentença de 16 de novembro de 2009, § 283). Assim, esse novo dispositivo dá concretude a esta obrigação estatal de proteção das vítimas em situações de risco.

Há uma clara inspiração deste dispositivo em análise no modelo protetivo criado pela Lei Maria da Penha. Ainda que o dispositivo não diga expressamente, cremos que é aplicável subsidiariamente por analogia o regramento da Lei n. 11.340/2006.

Embora os arts. 350-A e 350-B do CPP façam referência a “indícios da prática de crime”, a lógica que informa o regime dessas medidas não é a das cautelares penais clássicas, voltadas à tutela do processo, mas sim a das tutelas inibitórias de urgência, estruturadas para prevenir a continuação ou a repetição da violência, protegendo diretamente a vítima. Foi exatamente essa a compreensão firmada pelo STJ no Tema 1249, ao reconhecer que as medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha possuem natureza de tutela inibitória, prescindindo de ação penal em curso, demonstração de periculum libertatis ou requisitos próprios da prisão preventiva. O que legitima a intervenção estatal é a ameaça ao bem jurídico da vítima, e não a necessidade de resguardar a persecução penal.

O mesmo raciocínio se aplica aos novos arts. 350-A e 350-B. Ainda que o legislador tenha condicionado sua aplicação à existência de indícios de crime, tais dispositivos revelam finalidade protetivo-preventiva, voltada à cessação do risco, e não à garantia da instrução criminal ou da eficácia da aplicação da lei penal. As medidas enumeradas — afastamento do lar, proibição de contato, restrição de visitas, monitoramento eletrônico, programas de reeducação e até a vedação de atividades com pessoas vulneráveis — têm natureza materialmente civil, funcionando como instrumentos de contenção do perigo, independentemente da sorte do processo penal.

Tanto é assim que o próprio §4º do art. 350-A determina a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, reforçando que o regime aqui adotado é o das tutelas de urgência típicas do processo civil e não o das cautelares penais. Ademais, as medidas protetivas de urgência do CPP foram criadas em um título IX-A, distinto do título destinado à prisão preventiva e medidas cautelares criminais; essa localização topográfica distinta deve informar a interpretação sistemática, sinalizando que o instituto jurídico em análise é distinto. O fundamento para a concessão da medida é a proteção da vítima, e não a gestão do processo, tal como o STJ reconheceu no Tema 1249 ao afirmar que medidas protetivas de urgência “não se subordinam aos requisitos das cautelares pessoais, mas à lógica da tutela inibitória”.

Portanto, se houver o posterior arquivamento do inquérito policial, tal fato não ensejará a revogação automática da medida protetiva de urgência, será necessário intimar a vítima, avaliar a efetiva cessação da situação de risco, para então se arquivar a medida protetiva de urgência.

Todavia, as medidas protetivas de urgência do CPP exigem indícios de crime, enquanto as medidas protetivas de urgência da LMP podem ser aplicadas independentemente da tipicidade penal dos atos de violência (LMP, art. 19, § 5º). Aqui há uma justificativa para o tratamento diferenciado: o Juizado da Mulher possui competência híbrida cível e criminal, de forma que este juiz possui competência para a jurisdição cível protetiva, independentemente da configuração criminal da violência. Todavia, o juiz criminal não possui essa competência cível ampla, de forma que sua jurisdição está marcada pela exigência de indícios de crime. Caso a violência seja um fato atípico, será necessário o ajuizamento do pedido de medida protetiva de urgência perante um juízo cível.

Em síntese, apesar da terminologia utilizada (“indícios da prática de crime”), os arts. 350-A e 350-B do CPP não introduzem novas cautelares penais, mas sim instrumentos de tutela inibitória de urgência com assento constitucional nos deveres de prevenção e proteção do Estado. Seu foco é evitar a reiteração da violência e garantir a integridade física, psicológica e social da vítima, e não restringir a liberdade para fins processuais. Trata-se, portanto, de medidas protetivas materialmente ancoradas no modelo já reconhecido pelo STJ, agora ampliadas para além do contexto da Lei Maria da Penha.

Vale recordar que meio probatório suficiente para o deferimento da medida protetiva de urgência é o depoimento da vítima e o nível de cognição é sumário, sendo o parâmetro de julgamento o in dubio pro tutela. Ou seja, se a vítima apresenta uma narrativa verossímil de uma situação de risco e não há certeza de que ela esteja suficientemente protegida, na dúvida deve-se proteger. Esse é um requisito substancialmente distinto daquele exigido para o ajuizamento da denúncia, onde já se exige um nível de elevada probabilidade, ainda que ancorado numa produção probatória incompleta, porque ainda não submetida ao contraditório. Da mesma forma, eventuais controvérsias quanto à efetiva tipicidade da conduta também devem ser solucionadas à luz deste princípio in dubio pro tutela.

9) EXAME CRIMINOLÓGICO PARA CONDENADOS POR CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL — LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Art. 119-A. O condenado por crimes contra a dignidade sexual somente ingressará em regime mais benéfico de cumprimento de pena ou perceberá benefício penal que autorize a saída do estabelecimento se os resultados do exame criminológico afirmarem a existência de indícios de que não voltará a cometer crimes da mesma natureza.

A Lei 14.843/2024 já havia promovido uma inflexão significativa na política de execução penal ao restabelecer a exigência do exame criminológico para qualquer condenado, independentemente do crime praticado ou do regime de cumprimento de pena, como condição para a progressão. A Lei 15.280/2025 aprofunda essa diretriz para um grupo específico de delitos, criando uma regra especial e mais restritiva para os condenados por crimes contra a dignidade sexual.

O novo art. 119-A estabelece que, para esse grupo, o ingresso em regime mais benéfico — e até mesmo a obtenção de qualquer benefício que autorize saída do estabelecimento — dependerá de um exame criminológico com resultado favorável, entendido como aquele que afirme existir indícios de que o indivíduo não voltará a cometer crimes da mesma natureza. Trata-se, portanto, de um padrão probatório ainda mais rigoroso que o exigido na regra geral do art. 112 da LEP, realizando uma espécie de testagem de risco por reincidência específica.

Esse modelo aproxima-se de mecanismos de avaliação de risco de violência sexual utilizados em alguns sistemas estrangeiros, mas levanta questões constitucionais relevantes. Primeiro, porque a lei passa a condicionar direitos executórios não apenas à aferição de mérito carcerário, mas a uma espécie de juízo preditivo de periculosidade futura, cuja mensurabilidade científica é limitada e cuja utilização deve ser compatível com as garantias da legalidade, proporcionalidade e individualização da pena. Segundo, porque a redação exige que o perito afirme a “existência de indícios de que não voltará a delinquir”, fórmula lógica inversa ao padrão tradicional de risco, o que pode gerar dificuldades técnicas e probatórias na elaboração dos laudos.

Além disso, a regra especial parece prevalecer sobre o regime geral da Lei 14.843/2024, configurando hipótese típica de especialidade, na qual, diante de crimes sexuais, o exame deixa de ser apenas um dentre os elementos de avaliação do mérito e se transforma em condição determinante para qualquer avanço no cumprimento da pena.

Val recordar que a Corte IDH considera que a finalidade da execução penal, à luz do art. 5.6 da CADH, é a reforma e a readaptação social dos condenados, devendo estar orientada a procurar que a pessoa do apenado possa se reintegrar à vida livre em condições de coexistir com o resto da sociedade sem lesionar a ninguém, em conformidade com os princípios da convivência pacífica e com respeito à lei (Corte IDH, Caso Adolescentes Reclusos nos Centros de Detenção e Internação Provisória do Serviço Nacional de Menores (SENAME) vs. Chile, Sentença de 20 de novembro de 2024, § 100). Portanto, a lei nunca pode ter um enfoque exclusivamente retributivo, deve necessariamente incorporar o aspecto de reintegração social em suas diversas etapas de preparação para o regresso à vida social, o que exige do Estado adotar políticas públicas em execução penal para oferecer condições ao apenado promover sua potencial reintegração social.

Por um lado, a avaliação e tratamento individualizados são uma exigência desse paradigma de reintegração social. Por outro lado, a Corte IDH reconhece que a progressão por graves violações de direitos humanos (como é o caso da violência sexual) também devem levar em consideração:

que uma parte considerável da pena de prisão tenha sido cumprida e que a reparação civil imposta na sentença tenha sido paga; a conduta da pessoa condenada em relação ao esclarecimento da verdade; reconhecimento da gravidade dos crimes cometidos e sua reabilitação; e os efeitos que sua libertação antecipada teria na sociedade, nas vítimas e suas famílias.

Assim, cremos que a exigência de exame documentando a inexistência de risco apenas poderia ser convencional se o exame for individualizado, científico e imparcial, respeitando a dignidade do apenado e o Estado tenha oferecido programas e mecanismos específicos para o tratamento que possibilite essa comprovação e promova a reinserção, de modo a tornar a progressão um objetivo realista, e não uma mera formalidade inalcançável (ver: Corte IDH, Parecer Consultivo OC-29/22 de 30 de maio de 2022, §§ 50-51).

10) MONITORAÇÃO ELETRÔNICA PARA CONDENADOS POR CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL – LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Art. 146-E. O condenado por crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 1º do art. 121-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ou por crimes contra a dignidade sexual, ao usufruir de qualquer benefício em que ocorra a sua saída de estabelecimento penal, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica.

O art. 146-E da LEP havia sido substancialmente reformulado pela Lei 14.994/2024, que passou a prever a utilização da monitoração eletrônica como instrumento de fiscalização para condenados que praticaram crimes contra a mulher. A Lei 15.280/2025 retoma e amplia essa diretriz, conferindo ao dispositivo uma nova redação que agora abrange duas categorias específicas de condenados:

  • os que praticaram crime contra a mulher por razões da condição do sexo feminino (art. 121-A, §1º, CP — feminicídio qualificado pela motivação de gênero);
  • os condenados por crimes contra a dignidade sexual.

Para esses grupos, o legislador determina que qualquer benefício penal que implique saída do estabelecimento prisional — como saída temporária, trabalho externo, prisão domiciliar, monitoração prévia, saídas para estudo, comparecimento a curso, entre outros — somente será usufruído mediante fiscalização por monitoração eletrônica.

A norma, portanto, transforma o monitoramento eletrônico em requisito legal obrigatório, eliminando a margem de discricionariedade judicial que existia antes da Lei 14.994/2024 e que ainda subsiste para outros condenados nos termos do art. 146-B. A intenção legislativa é inequívoca: reforçar mecanismos de vigilância e proteção das potenciais vítimas, alinhando-se à tendência de intensificação das políticas de prevenção à violência sexual.

A técnica legislativa revela uma ampliação escalonada: a primeira alteração (Lei 14.994/2024) vinculava a monitoração à proteção da mulher em contexto de violência doméstica; a nova redação (Lei 15.280/2025) desloca o foco para categorias de crimes cuja reincidência específica é considerada especialmente lesiva, adotando o monitoramento como medida de caráter inibitório e preventivo, mais do que propriamente cautelar.

Por fim, é imprescindível observar que a fiscalização eletrônica, ao se tornar condição legal para fruição do benefício, não depende de fundamentação autônoma: trata-se de imposição normativa que deve ser automaticamente incorporada à decisão que concede a saída. Eventuais discussões constitucionais poderão surgir quanto à proporcionalidade da medida e à ausência de avaliação individualizada, mas, sob a perspectiva estritamente legal, o novo art. 146-E estabelece um regime vinculado, obrigatório e orientado à proteção das vítimas potenciais, reforçando o caráter preventivo da execução penal nesses casos.

11) ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Art. 70-A.
(…)
II – a integração com os órgãos de segurança pública, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, na proteção e na defesa dos direitos da criança e do adolescente;
(…)
IX – a promoção e a realização de campanhas educativas direcionadas ao público escolar, a entidades esportivas, a unidades de saúde, a conselhos tutelares, a organizações da sociedade civil, a centros culturais, a associações comunitárias e outros espaços públicos de convivência e à sociedade em geral, bem como a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, incluídos os canais de denúncia existentes;

O art. 70-A do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece um conjunto de diretrizes estruturais que devem orientar a formulação e a execução de políticas públicas de prevenção e enfrentamento de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes. A Lei 15.280/2025 atualiza e amplia esse dispositivo, reforçando a lógica de articulação interinstitucional e de promoção ativa de educação em direitos humanos, pilares essenciais para uma política protetiva efetiva.

1. Integração ampliada dos sistemas de proteção (inciso II)

Com a nova redação, o inciso II explicita que a prevenção da violência exige integração permanente entre os atores do sistema de proteção e os órgãos da persecução penal. Agora, o texto menciona de forma expressa:

  • órgãos de segurança pública;
  • Poder Judiciário;
  • Ministério Público;
  • Defensoria Pública;
  • Conselho Tutelar;
  • Conselhos de Direitos;
  • entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

A Lei 15.280 reforça, assim, a obrigação legal de articulação intersetorial, reconhecendo que a proteção integral não pode ser fragmentada: prevenção, identificação da violência, responsabilização do agressor e atendimento à vítima devem operar de forma coordenada, com fluxos contínuos de comunicação e atuação conjunta.

2. Campanhas educativas como dever estatal permanente (inciso IX)

O novo inciso IX expande consideravelmente o escopo das campanhas educativas, transformando-as em instrumento estruturante de prevenção, com diretrizes mais amplas e específicas. As campanhas devem alcançar:

  • o público escolar;
  • entidades esportivas;
  • unidades de saúde;
  • Conselhos Tutelares;
  • organizações da sociedade civil;
  • centros culturais;
  • associações comunitárias;
  • espaços públicos de convivência;
  • a sociedade em geral.

Além disso, a norma determina a difusão ativa do próprio ECA e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos, incluindo:

  • canais oficiais de denúncia (Disque 100, Disque 180, aplicativos, plataformas estaduais e municipais);
  • instrumentos normativos de prevenção e enfrentamento da violência;
  • serviços disponíveis na rede de proteção.

Trata-se de clara priorização da educomunicação em direitos humanos, reconhecida pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos como eixo essencial para prevenir violência e fortalecer políticas de proteção a crianças e adolescentes.

3. Visão sistêmica e preventiva

As alterações promovidas pela Lei 15.280 aproximam ainda mais o ECA das diretrizes internacionais de proteção integral, reafirmando que:

  • a prevenção da violência é responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade;
  • a rede de proteção deve operar de modo integrado e articulado;
  • campanhas educativas e difusão de informação são mecanismos preventivos de primeira ordem, capazes de identificar precocemente situações de risco e favorecer denúncias qualificadas;
  • o enfrentamento à violência exige não apenas resposta penal, mas ações estruturais, contínuas e intersetoriais.
Art. 101.
(…)
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, extensivo às famílias, se for o caso, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;

O art. 101 do ECA reúne o conjunto de medidas de proteção aplicáveis quando a criança ou o adolescente se encontram em situação de risco, tal como definido pelo art. 98. Tais medidas têm natureza eminentemente protetiva e destinam-se a superar a violação de direitos, restabelecendo a integridade física, psíquica, emocional e social da vítima. A Lei 15.280/2025 modificou o inciso V para reforçar a centralidade da intervenção em saúde nos casos de violência, especialmente a sexual. A nova redação prevê a requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, extensivo às famílias, quando necessário, com especial atenção para as situações de vitimização em crime contra a dignidade sexual.

A alteração evidencia, antes de tudo, que se trata de requisição, e não de mera sugestão: a autoridade competente — Conselho Tutelar, Ministério Público ou Judiciário — pode determinar o encaminhamento, e o serviço de saúde tem o dever jurídico de realizar o atendimento. Isso revela o caráter vinculante da medida, própria do Sistema de Garantia de Direitos, que não se satisfaz com orientações genéricas, mas exige respostas concretas e imediatas.

O legislador também qualifica a abordagem em saúde. Embora o inciso V já previsse atendimento médico, psicológico ou psiquiátrico, a nova redação aprimora o tratamento normativo ao priorizar expressamente as vítimas de violência sexual, ao admitir diferentes modalidades de atenção — hospitalar ou ambulatorial — adequadas à gravidade do caso, e ao reconhecer que, muitas vezes, é indispensável estender o cuidado à família. Essa ampliação decorre do fato de que a violência sexual produz repercussões profundas no núcleo familiar, e o suporte psicossocial aos responsáveis pode ser determinante para o processo de recuperação da vítima.

A mudança também dialoga com o paradigma constitucional do art. 227 e com as diretrizes do art. 70-A do próprio ECA, igualmente alterado pela Lei 15.280, que reforçam a necessidade de articulação intersetorial entre saúde, assistência, educação, órgãos de proteção e serviços especializados. O inciso V, nessa nova conformação, torna-se peça essencial no fluxo de encaminhamento das vítimas, especialmente em crimes contra a dignidade sexual, nos quais o dano psíquico costuma ser grave e exige resposta técnica qualificada.

Por fim, o legislador deixa claro que, diante de crimes sexuais, a intervenção protetiva não pode se limitar à esfera penal. É indispensável oferecer suporte clínico e psicoterapêutico imediato, envolver a família quando necessário, prevenir revitimização e fortalecer a rede de apoio. A saúde mental da criança ou adolescente passa a ocupar lugar central na política de enfrentamento à violência sexual, reafirmando o compromisso estatal com uma proteção integral e efetivamente humanizada.

12) ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Art. 18.
(…)
§ 4º
(…)
V – atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual;

O art. 18 do Estatuto da Pessoa com Deficiência disciplina o direito ao atendimento prioritário, assegurando que a pessoa com deficiência receba respostas estatais compatíveis com suas necessidades específicas. O §4º detalha os elementos desse atendimento, que devem ser compreendidos como instrumentos de efetivação da igualdade material e de proteção contra formas agravadas de vulnerabilidade. A Lei 15.280/2025 modifica o inciso V para incluir, de modo explícito, a garantia de atendimento psicológico não apenas à pessoa com deficiência, mas também a seus familiares e atendentes pessoais, sobretudo quando houver vitimização em crime contra a dignidade sexual. A nova redação estabelece: “Atendimento psicológico, inclusive para seus familiares e atendentes pessoais, especialmente em caso de vitimização em crime contra a dignidade sexual.”

Essa alteração reforça que o cuidado psicológico ocupa posição central na política de proteção da pessoa com deficiência. Ele deixa de ser visto como um complemento eventual e passa a constituir elemento estruturante do atendimento prioritário. Deve ser oferecido de maneira acessível — isto é, adaptado às condições cognitivas, sensoriais ou comunicacionais da pessoa —, continuada e tecnicamente qualificada, reconhecendo que a deficiência pode potencializar o sofrimento psíquico e os impactos da violência. A lei adota, assim, um modelo de atenção que não se limita a tratar os efeitos imediatos da agressão, mas busca promover condições reais de recuperação e inclusão.

A principal inovação está na ampliação do alcance da medida, já que o atendimento passa a abranger formalmente familiares e atendentes pessoais. Ambos desempenham papel fundamental na vida cotidiana da pessoa com deficiência, compondo sua rede de apoio e sendo diretamente afetados quando ocorre violência. O suporte psicológico a esse grupo contribui para reduzir riscos de revitimização, fortalecer o ambiente protetivo e aumentar a eficácia do tratamento da própria vítima. Trata-se de abordagem coerente com a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que pressupõe uma visão sistêmica do cuidado e reconhece que a proteção integral depende da estruturação de redes familiares e comunitárias saudáveis.

A lei evidencia, ainda, que essa proteção deve ser especialmente priorizada em casos de violência sexual. A vitimização sexual de pessoas com deficiência apresenta gravidade acentuada, tanto pelo impacto psicológico quanto pela vulnerabilidade ampliada em situações de abuso. As estatísticas e diretrizes internacionais demonstram que esse grupo sofre risco elevado de violência sexual, razão pela qual a intervenção psicológica rápida, estável e qualificada é essencial para evitar danos permanentes e promover a recomposição da autonomia e da dignidade da vítima. Por fim, a alteração harmoniza o Estatuto da Pessoa com Deficiência com as recentes mudanças no ECA, especialmente nos arts. 70-A e 101, V, que também reforçam a necessidade de políticas integradas de cuidado psicossocial em contextos de violência. O texto atual do art. 18, §4º, V, reafirma a diretriz de que a proteção da saúde mental, a atenção psicossocial integral e a articulação entre saúde, assistência, segurança pública e órgãos de proteção constituem pilares indispensáveis para enfrentar a violência sexual contra pessoas em condição de vulnerabilidade. Trata-se, portanto, de mais um passo na construção de uma política de direitos humanos que se pretende abrangente, intersetorial e orientada à prevenção e ao cuidado.


[1].      AgRg no AREsp 2.731.331/GO, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 26/2/2025; AgRg no AREsp 2.573.895/DF, Rel. Min. Daniela Teixeira, j. 19/2/2025.

[2].      AgRg no REsp 2.207.311/DF, Rel. Min. Otávio de Almeida Toledo (desembargador convocado do TJSP), j. 3/9/2025.

  • 350-A CPP, dignidade sexual, estupro, exame criminológico, Lei 15.280/25, Lei de Execução Penal, medidas protetivas, monitoramento eletrônico
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