A nova resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o uso de Inteligência Artificial (IA) no Poder Judiciário brasileiro representa um marco importante na modernização dos serviços judiciais. Em essência, esta norma estabelece diretrizes claras para a implementação segura e ética dessas tecnologias, reconhecendo seu potencial transformador enquanto preserva os valores fundamentais da justiça.
Um princípio fundamental desta resolução é que a IA não substituirá o magistrado, mas funcionará como uma ferramenta de apoio à decisão judicial. Esta distinção é importante: embora os sistemas de IA possam auxiliar em pesquisas, organizar informações e identificar padrões, a decisão final permanece como responsabilidade exclusiva do juiz. Esta abordagem garante que o elemento humano, com sua capacidade de julgamento ético e contextual, continue sendo o centro do processo decisório.
Essas ferramentas – IA Generativa e LLM’s – servirão como apoio na gestão de tarefas e no auxílio à tomada de decisões. Veja:
Art. 19. §3º, II – o uso dessas ferramentas será de caráter auxiliar e complementar, consistindo em mecanismos de apoio à decisão, vedada a utilização como instrumento autônomo de tomada de decisões judiciais sem a devida orientação, interpretação, verificação e revisão por parte do magistrado, que permanecerá integralmente responsável pelas decisões tomadas e pelas informações nelas contidas.

Para garantir uma implementação responsável, a resolução introduz um sistema de classificação de riscos dividido em dois níveis.
- As ferramentas de baixo risco são aquelas que desempenham funções acessórias, como extração de informações e organização processual – tarefas que, embora importantes, não influenciam diretamente no mérito das decisões judiciais. Estas aplicações possuem requisitos menos rigorosos, facilitando sua adoção para melhorar a eficiência administrativa dos tribunais.
- Por outro lado, sistemas classificados como de alto risco são aqueles que podem influenciar diretamente o julgamento de um caso, como ferramentas que analisam padrões de comportamento ou realizam valoração de provas. Para estes sistemas, a regulamentação determina a implementação de auditorias rigorosas e mecanismos de mitigação, prevenindo vieses discriminatórios e garantindo a transparência. Esta abordagem segue padrões internacionais reconhecidos, como o modelo europeu de regulação da IA.

A supervisão humana é reforçada especialmente para evitar dois tipos de problemas recorrentes em sistemas de IA: falhas técnicas e “alucinações” – quando a IA gera informações incorretas ou sem fundamento. Profissionais qualificados devem acompanhar de perto o trabalho destes sistemas, garantindo a qualidade e a confiabilidade das informações produzidas. Este acompanhamento contínuo é essencial para proteger a integridade das decisões judiciais.

Além disso, a Resolução 615/2025 – CNJ estabelece diretrizes para governança e segurança cibernética, determinando que o uso da IA no Judiciário seja auditável e rastreável. O monitoramento contínuo dessas ferramentas, aliado à obrigatoriedade da transparência nos processos decisórios, reforça a necessidade de responsabilidade institucional no desenvolvimento e na adoção dessas tecnologias, criando um ambiente de confiança para todos os envolvidos.
Se um sistema de inteligência artificial apresentar viés discriminatório ou qualquer incompatibilidade com os princípios estabelecidos, é fundamental agir rapidamente para corrigir o problema. Essas correções podem ir desde ajustes técnicos até a suspensão temporária ou, em casos mais graves, a desativação definitiva da ferramenta.
E se o viés identificado não puder ser corrigido? Nesse caso, a decisão mais responsável é descontinuar o sistema completamente. Além disso, é essencial elaborar um relatório detalhado explicando os motivos dessa decisão, garantindo transparência e evitando que erros semelhantes se repitam no futuro. O compromisso deve ser sempre com a justiça, a equidade e a proteção dos direitos fundamentais.

Um aspecto inovador da resolução é a criação do Comitê Nacional de Inteligência Artificial, responsável por monitorar e atualizar as diretrizes conforme o avanço tecnológico. Composto por magistrados, especialistas em tecnologia e representantes da sociedade civil, este comitê tem como missão assegurar que as soluções adotadas estejam em conformidade com padrões éticos e legais, promovendo uma utilização responsável e eficiente das tecnologias de IA.
As diretrizes também enfatizam o processo contínuo de validação, semelhante a um “check-up” regular dos sistemas, para garantir seu funcionamento correto ao longo do tempo. Esta abordagem dinâmica reconhece que sistemas de IA não são estáticos e necessitam de acompanhamento constante para manter sua eficácia e conformidade com os princípios estabelecidos na resolução.
Além disso, a criação do Comitê Nacional de Inteligência Artificial assegura uma supervisão constante, promovendo a atualização das normas de acordo com as inovações tecnológicas e os desafios emergentes. Características:
- i) monitorar e atualizar as diretrizes de uso da inteligência artificial, assegurando que as soluções adotadas estejam em conformidade com padrões éticos e legais.
- ii) composto por membros de diversas áreas, incluindo magistrados, especialistas em tecnologia e representantes da sociedade civil.
- iii) o comitê atuará na mitigação de vieses e na promoção de uma utilização responsável e eficiente das tecnologias de IA, sempre com supervisão humana.
É importante observar que esta regulamentação não busca frear a inovação, mas sim direcioná-la para um caminho seguro e benéfico. Ao estabelecer limites claros para o uso destas ferramentas e preservar a autonomia e responsabilidade dos magistrados, a norma cria um ambiente propício para a adoção responsável de novas tecnologias, mantendo o equilíbrio entre inovação e os valores tradicionais do Judiciário.

Esta atualização regulatória representa, portanto, um avanço significativo na integração da inteligência artificial ao sistema judiciário brasileiro. Ao garantir que a IA seja utilizada de forma ética, segura e transparente, o CNJ não apenas moderniza a gestão dos tribunais, mas também fortalece a confiança da sociedade na adoção dessas tecnologias, preparando o caminho para um Judiciário mais eficiente e acessível, sem comprometer a qualidade e humanidade essenciais à justiça.