Introdução:
A Lei 15.125/2025 incluiu no bojo da Lei Maria da penha o § 5º ao art. 22, passando a prever expressamente que as medidas protetivas de urgência poderão ser cumuladas com a monitoração eletrônica do agressor. A vítima, por sua vez, poderá receber um dispositivo de segurança que a alerte sobre eventual aproximação do autor da violência.
De início, destacamos que a alteração legislativa contempla a modalidade de monitoramento eletrônico do tipo “front door” (“front door monitoring”)[1], aplicada desde o início da intervenção judicial, antes de eventual condenação. Seu objetivo é prevenir o descumprimento das medidas protetivas, protegendo a mulher vítima de violência doméstica de forma antecipada e eficaz. Trata-se de uma alternativa ao encarceramento, com alto grau de controle da conduta do agressor.
Não se desconhece que a monitoração eletrônica já era admitida como medida inominada no contexto das medidas protetivas, com respaldo no próprio art. 22 da Lei Maria da Penha, que autoriza o juiz a aplicar “outras medidas protetivas de urgência, desde que julgadas necessárias para a proteção da mulher”. Assim, com base na consolidação da natureza cível das medidas protetivas de urgência pelo Superior Tribunal de Justiça[2], e ainda, a partir do caráter exemplificativo (numerus apertus) do rol de MPUs descritas pelo legislador no art. 22 da LMP (“medidas que obrigam o agressor”), doutrina majoritária e a jurisprudência consolidada reconheciam, mesmo antes da proposta legislativa, a possibilidade de imposição da tornozeleira eletrônica como medida protetiva de urgência atípica[3].
Contudo, a partir do acréscimo do §5º ao art. 22 da Lei 11.340/2006, surge um primeiro questionamento: o monitoramento eletrônico, agora previsto expressamente na Lei Maria da Penha, caracteriza-se como uma medida protetiva de urgência propriamente dita ou como um instrumento para assegurar as MPUs descritas nos incisos do art. 22 (v.g., afastamento do lar, proibição de contato, proibição de frequentar determinados locais etc.)? A redação empregada pelo legislador parece-nos apontar para a segunda hipótese. Vejamos: “Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação”.
Natureza jurídica do art. 22, §5º da Lei Maria da Penha:
A partir do princípio geral do direito de que “não se presumem, na lei, palavras inúteis”, inicialmente verificamos que o legislador utilizou a expressão “nos casos previstos neste artigo”, fazendo referência às medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor expressamente positivadas pelo legislador no rol do art. 22 da LMP, e, posteriormente, prosseguiu a redação do dispositivo em comento concluindo-o nos seguintes termos: “a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico”.
Nesta perspectiva, a partir dos métodos de interpretação consolidados no direito brasileiro (literal, teleológico etc.), é possível concluir sem maiores esforços que o parlamento brasileiro diferenciou as MPUs contidas no art. 22 da Lei Maria da Penha da novel modalidade de monitoramento eletrônico introduzida em nosso ordenamento jurídico.
Há mais. O legislador deixou clara a relação de acessoriedade entre as medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (cautelares autônomas de índole cível, autônomas e inibitórias) e a monitoração eletrônica do art. 22, §5º, da Lei 11.340/2006, instrumento disponível ao sistema de justiça para maximizar os efeitos protetivos e assegurar a efetividade das MPUs.
Assim, em razão da técnica legislativa empregada pelo Congresso Nacional, nos parece que o monitoramento eletrônico introduzido pela 15.125/2025 não se caracteriza como uma nova medida protetiva de urgência típica, mas, em verdade, como instrumento que objetiva densificar e garantir a efetividade das MPUs já existentes à luz do corpus iuris protetivo às mulheres e meninas vítimas de violência doméstica e familiar[4].
Portanto, a 15.125/2025 confere maior segurança jurídica, padronização na aplicação e previsibilidade, evitando interpretações restritivas que poderiam comprometer sua efetividade. Tal previsão é especialmente relevante em um país com dimensões continentais e desigualdade no acesso à justiça e à estrutura de monitoramento.
A imposição da tornozeleira eletrônica ao agressor configura instrumento fundamental na prevenção da escalada da violência, sobretudo nos casos em que já se verifica histórico de ameaças ou agressões. A medida viabiliza:
- Monitoramento em tempo real do agressor pelas autoridades competentes;
- Alerta automático à vítima em caso de aproximação indevida, ampliando sua sensação de segurança;
- Reforço da efetividade das medidas protetivas de urgência, com maior capacidade de fiscalização e resposta;
- Ação imediata das forças de segurança em caso de descumprimento das ordens judiciais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já reconhecem e incentivam o uso da tecnologia como ferramenta de proteção à mulher. O monitoramento eletrônico, sobretudo quando combinado ao botão do pânico – conforme introduzido pela 15.125/2025 –, tem demonstrado resultados expressivos na redução da reincidência de agressões e no risco de feminicídios.
Indo ao encontro da nova alteração legislativa, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão colegiado vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), já havia publicado em abril de 2024, a Recomendação nº 03/2024 com o intuito de orientar as autoridades do sistema de justiça no sentido de submeter o autor de violência doméstica e familiar contra a mulher à monitoração eletrônica, a fim de assegurar a efetividade das medidas protetivas de urgência. O art. 3º da referida recomendação estabelece parâmetros para a decisão que determina o monitoramento eletrônico do agressor. São eles: a) o fundamento da determinação (inciso I); b) o perímetro limite de circulação do monitorado (inciso II); c) os horários e prazos de circulação e de recolhimento (inciso III); d) o prazo máximo para reavaliação da necessidade de manutenção da medida (inciso IV) e; e) as permissões e condições gerais (inciso V).
No mesmo sentido, a Resolução 412/2021 do Conselho Nacional de Justiça também já reconhecia em seu artigo 7º que: “o monitoramento eletrônico nos casos de violência doméstica e familiar tem como objetivo aprimorar a fiscalização do cumprimento das medidas determinadas com fulcro no art. 22, II e III, da Lei no 11.340/2006”.
De igual modo, é possível constatar na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o mesmo ethos, qual seja, a importância do monitoramento eletrônico para “resguardar a integridade física e psicológica das mulheres vítimas de violência doméstica”[5].
No âmbito do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar (FONAVID) o tema também já ecoava, podendo ser visualizado a partir do conteúdo extraído do Enunciado nº 65: “A juíza ou o juiz poderá determinar a condução coercitiva da pessoa autora de violências para a colocação de dispositivo de monitoração eletrônica, a fim de garantir a eficácia da Medida Protetiva de Urgência”.
Todos os posicionamentos mencionados compactuam da posição destes autores no sentido de compreender a natureza jurídica do novo §5º do artigo 22 da Lei Maria da Penha como um instrumento para assegurar e maximizar a efetividade das medidas protetivas.
Superado este ponto, uma segunda reflexão parece-nos oportuna: a índole (se cível ou criminal) da nova hipótese de monitoração eletrônica.
Caráter cível da nova espécie de monitoramento eletrônico:
Desde já, os autores deste texto adiantam sua posição: trata-se de uma espécie de monitoração eletrônica de caráter cível, uma vez que inserida topograficamente dentro do sistema de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.
Embora a Lei 11.340/2006 possa ser categorizada como um estatuto protetivo de natureza mista, diante da sua composição a partir de normas cíveis, penais e processuais, conforme alertamos no início deste texto, o Superior Tribunal de Justiça consolidou em sua jurisprudência o caráter cível das medidas protetivas de urgência (Tema 1.249) E foi justamente no centro do sistema das MPUs que o novo dispositivo legal foi inserido.
Assim, caso a intenção do legislador (mens legislatoris) fosse conferir roupagem criminal à monitoração eletrônica do art. 22, §5º, da LMP, bastaria que o legislador introduzisse uma norma remissiva ao regramento das cautelares diversas da prisão do Código de Processo Penal, especificamente ao art. 319, inciso IX, artigo que prevê dentre o rol de cautelares diversas da prisão a monitoração eletrônica de investigados e réus. O legislador tampouco fez menção aos comandos normativos contidos na Lei de Execução Penal (art. 146-B e seguintes da Lei 7.210/1984) sobre o assunto, embora nesta última oportunidade a monitoração eletrônica é categorizada como “back-door”, diferenciando-se da hipótese prevista na Lei Maria da Penha e também daquela contida no Código de Processo Penal.
Cuida-se, portanto, de uma terceira – e nova – hipótese de monitoração eletrônica introduzida pelo legislador em nosso ordenamento jurídico, visto que concebida com um único propósito: aperfeiçoar a efetividade das MPUs, maximizando os direitos fundamentais das vítimas de violência doméstica.
Outrossim, para além das evidências extraídas da redação do art. 22, §5º da LMP, e da própria interpretação autêntica (intenção do legislador), conceber a novel espécie de monitoração eletrônica como uma ferramenta de índole penal certamente evidenciaria em um retrocesso na proteção de mulheres e meninas vítimas de violência doméstica, tendo em vista o movimento do legislador (v.g., Lei 14.550/2023) e dos próprios Tribunais Superiores em desvincular a concessão das medidas protetivas de urgência a eventual existência de inquéritos policiais ou ações penais em curso, conforme evidencia o art. 19, §5º da Lei Maria da Penha (“As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência”).
Concluímos, portanto, que a monitoração eletrônica prevista no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha não está submetida à lógica das medidas cautelares penais (CPP), tampouco depende de aferição da necessidade, adequação ou proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se de instrumento cível e preventivo, voltado à maximização da efetividade das MPUs, com critérios de aplicação orientados por elementos como o grau de risco à integridade da vítima, verossimilhança das alegações, e histórico de violência.
Espécies de monitoração eletrônica existentes no ordenamento jurídico brasileiro
I | II | III |
Previsão legal | Modalidade | Natureza jurídica |
Art. 319, inciso IX, do CPP | Front-door | Criminal |
Art. 146-B, da LEP | Back-door | Criminal |
Art. 22, §5º, da LMP | Front-door | Cível |
Reconhecido o caráter cível da monitoração eletrônica introduzida na Lei Maria da Penha, estes autores se posicionam desde já acerca de uma discussão que certamente aparecerá nos debates acadêmicos: a impossibilidade de aplicação do instituto da detração penal aos casos envolvendo a aplicação do novo art. 22, §5º da LMP e eventual condenação criminal em razão da situação de violência doméstica subjacente.
Impossibilidade de aplicação do instituto da detração penal aos casos de monitoramento eletrônico fixados com base no art. 22, §5º, da Lei Maria da Penha:
O art. 42 do Código Penal prevê que, na fixação da pena, o juiz deve deduzir o tempo de prisão provisória ou de cumprimento de medida cautelar diversa da prisão, desde que restritiva de liberdade, como o recolhimento domiciliar com monitoração eletrônica (art. 319, IX, CPP).
Atualmente, é pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de aplicação do instituto da detração penal (art. 42 do Código Penal) aos casos envolvendo a aplicação da monitoração eletrônica enquanto cautelar diversa da prisão (art. 319, inciso IX, do CPP), desde que fixado em conjunto o recolhimento domiciliar obrigatório[6]. Para a Corte, “as horas de recolhimento domiciliar obrigatório devem ser somadas e convertidas em dias, desprezando-se o período inferior a 24 horas[7]”.
Seguramente haverá quem defenda a extensão do entendimento do Superior Tribunal de Justiça aos casos envolvendo a aplicação da nova espécie de monitoramento eletrônico. No entanto, o caráter cível do art. 22, §5ª da Lei 11.340/2006 impede a aplicação do instituto da detração, uma vez constatada a inexistência de homogeneidade a monitoração eletrônica como forma de garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência e eventual sanções impostas pelo Direito Penal. Inviável, portanto, a aplicação do instituto da detração aos casos envolvendo a aplicação da monitoração eletrônica introduzida pela 15.125/2025.
Assim, em relação a impossibilidade de aplicação da detração penal aos casos de monitoramento eletrônico com base no art. 22, §5º, da Lei Maria da Penha, resumidos a nossa conclusão a partir dos seguintes argumentos:
No entanto, tal entendimento não se aplica à monitoração eletrônica prevista na Lei Maria da Penha, pelas seguintes razões:
1. Natureza Cível e Protetiva da Medida (não penal nem processual penal):
A monitoração eletrônica descrita no §5º do art. 22 da LMP é classificada, conforme fundamentado no estudo, como medida instrumental para assegurar o cumprimento de MPUs, de natureza cível. Seu escopo, como alertado, é a prevenção de novas agressões e a garantia da efetividade das MPUs — e não a contenção do agressor no contexto penal.
Como não se trata de pena nem de medida restritiva de liberdade imposta em sede penal ou processual penal, não há identidade ontológica nem teleológica com as medidas que ensejam a detração.
2. Inexistência de conteúdo sancionatório:
A monitoração prevista no art. 22, §5º da LMP não possui conteúdo punitivo. Não visa restringir liberdade como forma de antecipação de pena ou sanção. Trata-se de uma técnica de controle comportamental destinada a impedir a violação de outras medidas protetivas (v.g., afastamento do lar, proibição de contato, restrição de áreas).
Diferentemente da monitoração do CPP ou da LEP, não há regime de recolhimento compulsório, tampouco há imposição de rotina carcerária ou equiparável.
3. Ausência de remissão normativa ao Código Penal ou à LEP:
O legislador, ao incluir o §5º no art. 22 da LMP, optou deliberadamente por não vincular o instituto à disciplina das medidas cautelares penais (art. 319, IX, do CPP) nem ao regramento da execução penal (arts. 146-B e ss. da LEP).
Se a intenção fosse permitir a contabilização penal do tempo de monitoração, bastaria inserir remissão expressa ao art. 319 ou ao art. 42 do CP, o que não ocorreu. Ao contrário, o dispositivo foi inserido no corpo das medidas de proteção cível da vítima.
4. Incompatibilidade com os princípios da detração:
A detração tem como premissa a compensação de tempo de privação de liberdade já experimentado pelo condenado, em razão de medida cautelar penal ou prisão provisória. No caso da monitoração prevista na LMP:
- Não há privação da liberdade de ir e vir, mas apenas controle eletrônico de localização;
- A medida não integra o processo penal;
- Não se vincula à condenação penal posterior, mas sim a um risco atual à vítima.
Essa desconexão total entre a medida cível e eventual sanção penal futura torna incabível a aplicação do instituto da detração.
5. Precedentes do STJ são restritos às medidas do CPP:
Os precedentes que admitem a detração em caso de uso de tornozeleira eletrônica pressupõem aplicação do art. 319, IX, CPP, e somente quando a monitoração estiver acompanhada de recolhimento domiciliar com restrição real da liberdade.
A jurisprudência não contempla extensão automática a outras formas de monitoração — muito menos àquelas desvinculadas do processo penal, como é o caso da prevista na LMP.
Reconhecer o contrário representaria descaracterizar a essência da Lei Maria da Penha, e, como bem pontuado no estudo, promover um retrocesso na proteção de mulheres vítimas de violência, ao penalizar indiretamente o uso de instrumentos de salvaguarda de sua integridade física e emocional.
Consequências jurídicas do descumprimento da nova espécie de monitoração eletrônica:
Além disso, com base na conclusão dos autores de que a monitoração eletrônica prevista no §5º do art. 22 da Lei Maria da Penha possui natureza cível e não configura, por si só, medida protetiva de urgência, mas sim instrumento destinado a assegurar a eficácia das medidas protetivas previstas nos incisos do artigo art. 22, entende-se que o seu descumprimento não pode ser enquadrado como crime de desobediência à medida protetiva (art. 24-A da LMP). Isso porque, não se tratando de medida protetiva, falta elementar do referido tipo incriminador, sob pena de caracterização de analogia in malam partem.
No entanto, o descumprimento da monitoração pode e deve ser considerado pelo juiz como indicativo da insuficiência da medida para conter o risco à vítima, podendo fundamentar, com base no art. 313, III, do Código de Processo Penal, a decretação da prisão preventiva, especialmente quando demonstrado que o comportamento do agressor compromete a eficácia das medidas protetivas e a integridade da mulher em situação de violência.
Descumprimento da monitoração eletrônica decretada com base no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha: | Não caracterizará o crime de previsto no art. 24 da Lei Maria da Penha, mas poderá ensejar a decretação da prisão preventiva com base no art. 313, inciso III, do CPP. |
Descumprimento da monitoração eletrônica decretada com base no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha e ainda, das medidas protetivas de urgência fixadas em desfavor do agressor: | Haverá caracterização do crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha e poderá ensejar a decretação da prisão preventiva com base no art. 313, inciso III, do CPP. |
Não existência de delimitação de prazo prefixado pelo legislador:
Prosseguindo, o legislador também não fixou um prazo para o monitoramento eletrônico, mas apenas mencionou que: “a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico”. A não estipulação de prazo vai ao encontro do atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do dever imposto aos magistrados em aplicar as medidas protetivas de urgência sem a fixação de prazo determinado, atrelando a vigência das MPUs ao risco à mulher vítima de violência doméstica e familiar (Tema 1.249). Em síntese: enquanto houver situação de perigosidade as medidas protetivas de urgência deverão continuar em vigor, aplicando-se o princípio da precaução[8].
Durante a fixação do Tema 1.249, o próprio Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao afirmar que as medidas protetivas de urgência: “Não se submetem a prazo obrigatório de revisão periódica, mas devem ser reavaliadas pelo magistrado, de ofício ou a pedido do interessado, quando constatado concretamente o esvaziamento da situação de risco. A revogação deve sempre ser precedida de contraditório, com as oitivas da vítima e do suposto agressor. Em caso de extinção da medida, a ofendida deve ser comunicada, nos termos do art. 21 da Lei n. 11.340/2006[9]“.
Assim, uma vez reconhecida a nova espécie de monitoramento eletrônico como um instrumento existente para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência e maximizar seus efeitos, defendemos a aplicação do novo art. 22, §5º da Lei Maria da Penha à luz dos parâmetros idealizados pelo STJ quando do julgamento do Tema 1.249, ou seja, sem a fixação de prazo certo e determinado, porém suscetível a reavaliações pelo magistrado de ofício ou a pedido do agressor, quando constatado o desaparecimento da situação de risco, aplicando-se, também ao art. 22, §5º da Lei 11.340/2006, a cláusula rebus sic stantibus.
Neste caso, uma vez realizada a oitiva da vítima antes de eventual revogação das medidas protetivas de urgência, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[10], e constatado o esvaziamento do risco anteriormente constatado, a revogação das MPUs implicará necessariamente na revogação do monitoramento eletrônico introduzido pela 15.125/2025. Por outro lado, a revogação da nova espécie de monitoração eletrônica não possui o condão de revogar as medidas protetivas de urgência, visto ser plenamente possível a constatação pelo sistema de justiça da necessidade de aplicação das medidas protetivas de urgência requeridas sem, contudo, a aplicação do monitoramento eletrônico. Não à toa o legislador ao cristalizar o novo art. 22, §5º utilizou a expressão “poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico”.
Revogação das medidas protetivas de urgência anteriormente concedidas com cumulação de monitoramento eletrônico: | Implicará obrigatoriamente na revogação da monitoração eletrônica prevista no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha. |
Revogação do monitoramento eletrônico previsto no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha: | Não implicará per se na revogação das medidas protetivas de urgência anteriormente concedidas. |
Outras questões de ordem prática envolvendo a nova alteração legislativa:
Outro ponto a ser aprofundado pela doutrina e pela jurisprudência após o advento da alteração legislativa promovida pela Lei 15.125/2025, diz respeito a possibilidade da fixação da nova espécie de monitoramento eletrônica estar ou não necessariamente atrelada a concessão do botão do pânico ou de dispositivo análogo (aplicativos congêneres etc.) à vítima. Recapitulemos a redação do art. 22, §5º, da Lei Maria da Penha: “Nos casos previstos neste artigo, a medida protetiva de urgência poderá ser cumulada com a sujeição do agressor a monitoramento eletrônico, disponibilizando-se à vítima dispositivo de segurança que alerte sobre sua eventual aproximação”.
Não há dúvidas que a concessão do dispositivo conhecido como “botão do pânico” ou o acesso a aplicativos de smartphones que exercem a mesma função certamente potencializam – e muito – os efeitos preventivos colimados pelo legislador. Todavia, na opinião destes autores, a imposição de uma obrigatoriedade na concessão do botão do pânico pode resultar em prejuízo às mulheres e meninas vítimas de violência doméstica, sobretudo nas unidades da federação que trabalham com a “concessão de dispositivos de botão do pânico”, dada a finitude de aparelhos a serem disponibilizados.
Sobre este ponto, aliás, advertimos aos leitores nossa posição no sentido de não ser possível ao Poder Público alegar a ausência de recursos orçamentários para a não concessão de dispositivos eletrônicos popularmente conhecidos como “botões do pânico”. É incabível ao Estado a aplicação da tese da “reserva do possível” no caso em análise, uma vez que o direito à integridade física e psicológica das mulheres e meninas vítimas de violência doméstica constituí elemento intrínseco ao mínimo existencial das ofendidas e, em tais casos, o Supremo Tribunal Federal reconhece a impossibilidade de alegação por parte do Estado de ausência de recursos financeiros para a implementação de determinada política pública e/ou direito social[11].
Deve o Poder Público atuar de forma diligência e responsiva para atingir todas as mulheres e meninas vítimas de violência doméstica que necessitarem do dispositivo conhecido como “Botão do Pânico”. Justamente em razão desta discussão econômico-financeira, os estados da federação que optaram por trabalhar com a concessão de acesso a determinado aplicativo de smartphone às vítimas parecem estar um passo à frente em termos de capilaridade da medida.
Todavia, não enxergamos nenhum óbice legal para a concessão do monitoramento eletrônico sem a concessão de dispositivo de segurança à vítima, desde que tal situação seja absolutamente excepcional e esteja em vias de ser solucionada pelo Poder Público. Interpretar a situação em sentido contrário seria reconhecer prejuízo às ofendidas, afinal, certamente em termos protetivos, a concessão das medidas protetivas de urgência cumulada com o monitoramento eletrônico do agressor pelo Estado atinge maiores graus de prevenção se comparada com a concessão das MPUs sem o monitoramento eletrônico por motivos de ausência de dispositivo de segurança a ser disponibilizado à vítima. Contudo, reiteramos novamente: enxergamos a referida situação como excepcionalíssima e temporária, devendo ser inclusive fixado pelo juízo prazo para o Poder Público solucionar a questão e conceder o dispositivo de segurança mencionado no art. 22, §5º da Lei Maria da Penha à ofendida.
Para finalizar este último ponto, lembramos aos leitores que todo dispositivo previsto na Lei Maria da Penha deve ser interpretado à luz do balizador hermenêutico contido no art. 4º do referido diploma legal: “Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar”. Concluímos este texto com a certeza de que pontual a alteração legislativa promovida pela 15.125/2025 na Lei Maria da Penha consiste em significativo avanço em matéria de proteção de mulheres e meninas vítimas de violência doméstica em território nacional.
[1] Diferentemente do front door, temos ainda o back door monitoring, aplicado no final da execução penal ou da medida privativa de liberdade, como condição para saída antecipada ou progressão de regime. Aqui o objetivo é assegurar a reintegração gradual à sociedade com supervisão, evitando a reincidência.
[2] STJ, REsps 2.070.863/MG, 2.070.717/MG, 2.070.857/MG e 2.0711.109/MG, relator, Min. Ribeiro Dantas, 3ª Seção, julgados em 13/11/2024
[3] Nesse sentido, inclusive, dentre as possibilidades de aplicação do monitoramento eletrônico, o Conselho Nacional de Justiça já reconhecia, ao menos desde o ano de 2021, a sua aplicação “medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica e familiar”. (art. 3º, inciso IV, da Resolução 412/2021-CNJ)
[4] Em razão da recente decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção nº 7452, a nova espécie de monitoramento eletrônico também poderá ser aplicada às relações afetivo-familiares de casais homoafetivos do sexo masculino em episódios de violência doméstica e familiar.
[5]STJ, AgRg no HC n. 660.414/MG, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 17/8/2021. No âmbito da execução penal, a também já considerou o monitoramento eletrônico medida proporcional aos sentenciados por crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher (STJ, AgRg no HC 889.040/GO, Rel. Min. Teodoro Silva Santos, julgado em 05/03/2024.
[6] Segundo a orientação desta Corte Superior, à míngua de previsão legal, o tempo de cumprimento da medida cautelar de monitoração eletrônica, prevista no art. 319, IX, do CPP, não deve ser computado para fins de detração penal, se não houver intervalo algum de recolhimento domiciliar compulsório”. (STJ, AgRg nos EDcl no RHC n. 171.734/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 3/5/2023.) No mesmo sentido: STJ, AgRg no HC n. 908.522/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/6/2024
[7] STJ, AgRg no HC n. 733.909/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022
[8] HEEMANN, Thimotie Aragon. Princípio da Precaução e Medidas Protetivas de Urgência. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/direito-dos-grupos-vulneraveis/principio-da-precaucao-e-medidas-protetivas-de-urgencia Acesso em 06 de abril de 2025.
[9] STJ, REsps 2.070.863/MG, 2.070.717/MG, 2.070.857/MG e 2.0711.109/MG, relator, Min. Ribeiro Dantas, 3ª Seção, julgados em 13/11/2024
[10] STJ, AgRg no REsp n. 1.775.341/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 12/4/2023,
[11] STF, ARE 745745 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02-12-2014