Informativo: 703 do STJ – Direito Penal
Resumo: O delito do art. 2º, § 1º, da Lei n. 12.850/2013 é crime material, inclusive na modalidade embaraçar.
Comentários:
O art. 2º § 1º, da Lei 12.850/13 pune, com as mesmas penas do caput, a obstrução da persecução penal de infração que envolva organização criminosa. Tutela-se a administração da Justiça (e não mais a paz pública, protegida no caput). Além disso, a tipificação da obstrução da justiça conta com mandado expresso de criminalização previsto no art. 25 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de que Brasil é signatário por força do Decreto n.º 5.687/2006).
A conduta punida consiste em impedir ou, de qualquer forma, embaraçar a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. O propósito do legislador é assegurar o desempenho das atividades persecutórias livres de ingerências e expedientes fraudulentos. Anote-se que a infração só se caracteriza se o indivíduo agir fora dos limites constitucionais do princípio nemo tenetur se detegere, implicitamente acolhido no texto constitucional (art. 5.º, LXIII). Não pratica o crime, portanto, o investigado que se mantém em silêncio ou se recusa a produzir provas que o prejudiquem.
Não se pode descurar, todavia, que o direito de não produzir provas contra si mesmo alcança apenas situações nas quais se pretende constranger a pessoa a uma postura ativa, em decorrência da qual há prejuízo à sua condição jurídica. Nesses casos, o indivíduo não está, de modo algum, obrigado a participar da diligência. Todavia, nos casos em que a obtenção da prova para uma investigação em andamento exige unicamente uma conduta passiva da pessoa investigada, como não impedir acesso a locais ou bens a ela pertencentes, o dever de cooperar é plenamente exigível, razão pela qual, caso dificulte e intervenha nas ações dos órgãos de investigação e fiscalização, poderá ser-lhe imputada esta infração.
No verbo nuclear “impedir”, parece evidente que a consumação se dá com a obstrução da investigação (ou curso do processo). Já no comportamento “embaraçar”, há quem sustente que se dispensa o mesmo resultado naturalístico, consumando-se o crime com qualquer ação ou inação indicativa de empecilho. O STJ, contudo, decidiu que nessa modalidade o crime também é material, pressupondo algum resultado para que se consume:
“O tipo penal em questão preconiza: “Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas. § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.”
A melhor interpretação para a consumação e tentativa do delito na modalidade embaraçar é de que se trata de crime material.
Sobre o tema, a doutrina sinaliza a existência de três correntes: “Para alguns (1.ª corrente), a tentativa é admissível em qualquer dos seus núcleos, embora seja ela mais difícil de se concretizar no que tange ao verbo embaraçar, porquanto o elemento normativo “de qualquer forma” amplia sobremaneira a possibilidade de consumação. Para outros (2.ª corrente), contudo, a tentativa é admissível apenas quanto ao núcleo impedir – cuja fase executória pode ser fracionada -, sendo impossível na conduta de unissubsistente embaraçar. Ainda, há quem entenda (3.ª corrente) que o tipo penal em caracteriza um crime de atentado ou de empreendimento, sendo, pois, incompatível com a forma tentada. Estes crimes são aqueles em que a lei pune de forma idêntica a consumação e a tentativa, isto é, não há diminuição pena em face do conatus. Para esta corrente, o núcleo embaraçar constituiria, por si impedir. Portanto, se o agente tenta impedir uma investigação infração penal que envolva organização criminosa, mas não logra êxito por circunstâncias alheias à sua vontade, já se poderia vislumbrar uma consumada ação de embaraçamento”.
A adoção da corrente que classifica o delito como crime material se explica porque o verbo embaraçar atrai um resultado, ou seja, uma alteração do seu objeto. Na hipótese normativa, o objeto é a investigação que pode se dar na fase de inquérito ou na instrução da ação penal. Ou seja, haverá embaraço à investigação se algum resultado, ainda que momentâneo e reversível, for constatado” (REsp 1.817.416/SC, j. 03/08/2021).