Um dos assuntos mais complexos envolvendo as disciplinas do Direito Tributário e Marítimo é quanto ao pagamento do valor referente ao THC (Terminal Handling Charge) e a incidência do imposto sobre serviços (ISS).
Antes de adentrarmos nos aspectos tributários, primeiramente, é indispensável o conhecimento mais detalhado sobre essa despesa portuária, principalmente no que concerne ao processo de importação de mercadorias por via marítima.
Com a chegada do navio, no porto de destino, as mercadorias unitizadas em contêineres, são descarregadas, sendo necessário que seja feita a movimentação do costado do navio até a pilha, isto é, o manuseio para o local onde o contêiner ficará armazenado, no aguardo da realização do controle aduaneiro. Essa movimentação, entre o cais e a pilha, é feita por um veículo portuário, sendo remunerada por um valor correspondente ao THC[1].
Percebe-se que para a mercadoria chegar até o importador, quando ainda está unitizada em um contêiner, há um processo portuário complexo, envolvendo vários agentes econômicos, os quais devem ser minuciosamente compreendidos com a intenção de serem evitadas as injustiças tributárias.
Primeiramente, há a figura do armador que, em regra, consiste em grandes empresas, as quais se responsabilizam pelo carregamento e transporte de mercadorias entre portos. Eliane Octaviano Martins[2] conceitua a figura do armador:
Considera-se armador (ower) o empresário individual (pessoa física) ou sociedade empresária (pessoa jurídica) que procede a armação da embarcação de sua propriedade ou não e a explora comercialmente. Efetivamente, armador é a pessoa física ou jurídica que exerce a titularidade da função náutica ou da empresa naval. O armador, em seu nome e sob sua responsabilidade, presta o navio com fins comerciais, pondo-o ou não a navegar por sua conta. Armar um navio é apresentá-lo, colocando-o em estado de navegabilidade (seaworthiness e cargoworthiness).
A partir desses ensinamentos, percebe-se que o armador não precisa, necessariamente, ser o proprietário da embarcação, devendo, apenas, ter que operá-la. A armação de um navio consiste no preparo, no seu aparelhamento, ou seja, do conjunto de operações de equipagem e aprovisionamento. Logo, não se pode confundir a figura do armador com a do transportador marítimo, sendo que esse possui a responsabilidade de transportar mercadorias e pessoas, assim como, distintamente é a figura do agente marítimo, aquele que contrata, em nome do armador, os serviços para operação do navio no porto, e, também, do operador portuário.
Entre esses agentes, há uma nítida confusão, por diversas vezes, quanto aos personagens armador e transportador, uma vez que possuem estreita ligação entre si, no entanto, é importante, para fins de compreensão quanto à incidência do ISS, de quem é o operador portuário.
O operador portuário[3] é, na verdade, uma empresa incumbida da administração portuária, em conformidade com a Lei n. 12.815/2013, em regime de concessão ou arrendamento mediante contrato com a União, responsável pelos serviços de carga, descarga, manuseio, armazenagem temporária, arrumação, peação (amarração) e movimentação por meio de equipamentos e mão de obra do operador portuário, isto é, pela logística das mercadorias.
No cenário abordado, o armador ancora o navio e negocia com operadores portuários os serviços descritos acima, sendo remunerados pelo pagamento de uma box rate[4] e ocorrendo a incidência do ISS, conforme já compreendeu a jurisprudência pátria, assim como, entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela incidência do ISS sobre o serviço prestado de armazenagem de mercadorias em terminal portuário[5]
Discutia-se, neste caso apresentado, se a operação de movimentação portuária seria prestada pelos armadores, pelos agentes ou pelos operadores portuários que descarregam e transportam as mercadorias dos navios até a saída da área dos portos. Como abordado, o dilema foi resolvido, cabendo ao operador portuário a responsabilidade quanto à prestação desses serviços, devendo emitir nota fiscal de serviço portuário ao importador.
Outro ponto questionado é quanto ao pagamento do box rate e o recolhimento do imposto municipal incidente.
O box rate corresponde aos custos desses serviços portuários, sendo pago pelo armador e repassado ao importador da mercadoria, proprietário da carga, constando de forma expressa no Bill of Lading (B/L), também conhecido como conhecimento de embarque.
Nessa situação vislumbra-se um reembolso[6] da quantia despendida antecipadamente pelo armador por parte do importador, conforme previsto no B/L. Inclusive, está previsto no art. 3º, da Resolução ANTAQ n. 34/2019[7], a possibilidade da antecipação do pagamento da THC, por parte do armador.
Embora seja o armador quem pague antecipadamente pelos serviços suportados pelo proprietário da carga, quem é o sujeito passivo da obrigação tributária existe é, na verdade, o operador portuário, ou seja, aquele que presta os serviços contratados.
Segundo Tatiana Scaranello[8]
A obrigação de fazer é aquela correspondente à obrigação do contratado, como, por exemplo, um médico cirurgião plástico que é contratado para a realização de um serviço estético pelo seu paciente. Estamos diante de uma prestação de um serviço, de uma obrigação de fazer! O Supremo Tribunal Federal define a prestação de serviços como “(…) o oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestado com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugado ou não à entrega de bens pelo tomador”, na ocasião do julgamento do RE 651703/PR.
Desta feita, é nítida a incidência do imposto municipal devido à prestação dos serviços portuários que correspondem ao pagamento do THC. No entanto, a dúvida que surge é se o armador também poderia ser considerado como responsável pelo adimplemento da obrigação tributária, devendo recolher o imposto sobre serviços (ISS).
Para responder essa questão, é importante mencionar que o simples fato de ser reembolsado pelo pagamento antecipado referente às despesas portuárias não implica, por si só, na prestação de serviços. Logo, não se pode atribuir responsabilidade solidária ao armador, pelo pagamento do ISS, pautada no art. 124, I, do Código Tributário Nacional, pois está ausente interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal do imposto em questão.
Também é equivocado em atribuir responsabilidade por substituição tributária ao armador. Segundo Tatiana Scaranello[9], a responsabilidade por substituição tributária ocorre antes mesmo da prática do fato gerador ou concomitante a esse. Na relação marítimo-portuária narrada, o armador não é parte da relação jurídico-tributária, diferentemente do que ocorre no caso do ramo farmacêutico em que é praxe, por parte de vários Estados da Federação, atribuírem a antecipação do recolhimento do ICMS, por parte das indústrias, antes mesmo da comercialização nas drogarias, para maior segurança na arrecadação tributária. Percebe-se uma notória diferença entre ambas as atividades.
Superada essa questão envolvendo o armador do navio e sua ausência de responsabilidade quanto ao recolhimento do ISS, outra situação envolvendo os serviços portuários é de notória importância.
Em 2019, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), por meio da Resolução nº 34/2019, regulamentou a cobrança do THC2, que corresponde ao valor cobrado, pelo operador portuário, em decorrência da segregação e transporte das mercadorias do porto até os terminais retroportuários alfandegados (portos secos), onde ocorrerá o despacho da mercadoria. A THC2 é cobrada pelo operador portuário diretamente do administrador do porto seco.
Na prática, tal custo é cobrado devido à concorrência entre o operador portuário, quem também tem capacidade para armazenamento da mercadoria, e o porto seco. Inclusive, essa atribuição é prevista no art. 6º, da Resolução ANTAQ 34/2019:
Art. 6º A instalação portuária ou o operador portuário, na qualidade de titulares da exploração de recinto alfandegado em zona primária, poderão prestar serviços de armazenagem, guarda, pesagem, transporte interno e manuseio para realização de vistoria, consolidação e desconsolidação de contêineres e outros serviços vinculados ou decorrentes da permanência das cargas em suas instalações, mediante condições e remuneração livremente negociadas com seus clientes, usuários ou divulgadas em tabelas de preços.
Seria viável, portanto, a incidência do imposto sobre serviços nessa operação? A partir do discorrido acima, sim.
Por outro lado, há quem compreenda que são seria possível a incidência do imposto sobre serviços, uma vez que o valor a título de THC deve ser informado pela empresa importadora por ocasião do registro Declaração de Importação (DI). Nesse sentido, a Receita Federal respondeu a SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF10 Nº 10045, 03/12/2014, afirmando que para o SISCOSERV
o valor da Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge – THC), constante do Conhecimento de Carga (Bill of Lading), emitido por pessoa residente ou domiciliada no exterior, decorrente da prestação de serviços de transporte internacional de mercadorias, deve ser computado no valor da operação a ser informado no Siscoserv pelo importador, na condição de tomador do serviço de transporte internacional das mercadorias importadas, mesmo que esse valor tenha sido repassado ao prestador dos serviços por intermédio do agente de carga.
E, por que não incidiria o ISS? Porque não há previsão do frete internacional como serviço, na Lei Complementar n. 116/2003.
Por essa corrente, compreende-se que o valor do THC é considerado como custo necessário para que o armador do navio, neste caso, também transportador, quando domiciliado no exterior, conclua o contrato de transporte, contido no valor do frete, consistindo em sua receita operacional, assim como todos os demais valores que compõe o frete, devendo, o importador, conforme previsto na solução de consulta, respondida pela Receita Federal do Brasil, lançar no Siscoserv, ou seja, correspondendo a uma única relação contratual com o armador/transportador. A mesma situação cabe ao NVOCC domiciliado no exterior.
Percebe-se que há ainda muito a ser debatido acerca do THC, tanto que tramita na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) proposta de alteração da ANTAQ prevê mudanças nas resoluções normativas nº 18-ANTAQ, de 21 de dezembro de 2017, e nº 34-ANTAQ, de 19 de agosto de 2019.
Dentre a proposta, a ANTAQ visa acrescentar o parágrafo único ao art.2º, da Resolução 34/2019, caracterizando a Terminal Handling Charge (THC) como taxa extra frete marítimo, quando esta for contratada sob intermediação de transportador marítimo ou agente intermediário, ao representar o exportador ou importador na qualidade de terceiro não-interessado, além de instituir a obrigatoriedade de comprovação do pagamento dos serviços contratados pelo usuário mediante emissão de nota fiscal, independentemente da contratada ser responsável direta ou intermediadora de prestação de serviços, isto é, a responsabilidade ao armador/transportador marítimo estrangeiro emita nota fiscal, sob pena de multa para os casos de não-emissão da nota fiscal como meio de comprovação de pagamento por serviços dispostos em contrato, não importando sua natureza.
[1] A Resolução ANATQ n. 2389/2012, no art. 2º, inciso VII, traz o conceito da Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge – THC), que é o preço cobrado pelo serviço de movimentação de cargas entre o portão do terminal portuário e o costado da embarcação, incluída a guarda transitória das cargas até o momento do embarque, no caso da exportação, ou entre o costado da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário, no caso da importação, considerando-se, neste último caso, a inexistência de cláusula contratual que determine a entrega no portão do terminal.
[2] OCTAVIANO MARTINS, Eliane Maria. Curso de Direito Marítimo, volume 1: teoria geral, 4ª ed. Barueri: Manole, 2013. p.303.
[3] O art. 2º, inciso XIII, da Lei n. 12.815/2013 define o operador portuário como “pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do porto organizado”.
[4] Art. 4º, da Resolução ANTAQ 34/2019.Os serviços contemplados na Cesta de Serviços (Box Rate) são realizados pela instalação portuária ou pelo operador portuário, na condição de contratado do transportador marítimo, mediante remuneração livremente negociada, estabelecida em contrato de prestação de serviço ou divulgada em tabela de preços.
Vale destacar que THC é sinônimo de box rate e, dentre os serviços contemplados, estão o de capatazia. No entanto, o serviço de capatazia não é sinônimo de THC, isto porque, são aqueles essenciais para que o armador conclua seu contrato de transporte, liberando o navio o mais breve possível, que por consequência, reduz o custo de sua operação.
[5] STJ, REsp 1805317/AM.
[6] Embora haja posição nesse sentido, a Antaq, por meio da Audiência Pública 11/2021, pretende sistematizar mecanismo de análise e apuração de possíveis abusividades relacionadas com a cobrança de THC de usuários, por parte dos armadores que atracam em instalações portuárias brasileiras. A proposta visa à inclusão da obrigatoriedade de comprovação do pagamento dos serviços contratados pelo usuário mediante emissão de nota fiscal, independentemente da contratada ser responsável direta ou intermediadora de prestação de serviços, estabelecendo multa para os casos de não-emissão da nota fiscal como meio de comprovação de pagamento por serviços dispostos em contrato, não importando sua natureza.
[7] Art. 3º A Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge – THC) poderá
ser cobrada pelo transportador marítimo, diretamente do exportador, importador ou consignatário,
conforme o caso, a título de ressarcimento das despesas discriminadas no inciso X do art. 2º,
assumidas com a movimentação das cargas e pagas à instalação portuária ou ao operador portuário.
[8] SCARANELLO, Tatiana. Diálogos sobre o Direito Tributário e Financeiro. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021. p. 146.
[9] SCARANELLO, Tatiana. Diálogos sobre o Direito Tributário e Financeiro. 2ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2021. p. 374.