1) Suspensão dos processos trabalhistas
Deferido o processamento da recuperação judicial, ou decretada a falência, suspendem-se todas as execuções direcionadas contra a sociedade empresária (Lei nº 11.101/2005, art. 6º, caput), inclusive as decorrentes de Termo de Ajuste de Conduta.
De acordo com a redação originária do art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/20051, no caso de recuperação judicial, a suspensão jamais poderia ultrapassar 180 (cento e oitenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação; ultrapassado tal prazo, os credores poderiam prosseguir nas suas execuções individualmente. Contudo, a jurisprudência do STJ vinha relativizando o prazo de 180 dias, com o objetivo de prestigiar e viabilizar a recuperação da empresa. Assim, na visão da Corte, mesmo excedido o prazo, descaberia o prosseguimento automático das execuções individuais, e qualquer ato de constrição do patrimônio da empresa recuperanda só poderia ser feito pelo Juízo universal (aquele em que se processa a recuperação judicial).2
O dispositivo foi modificado pela Lei 14.112/2020, cabendo destacar os seguintes pontos:
– (i) o art. 6º, caput, III, da Lei 11.101/20053, passou a prever expressamente a inviabilidade de realização de atos de constrição sobre o patrimônio em função de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. Vale dizer: apenas o juízo universal da recuperação judicial ou falência pode decidir sobre o patrimônio do devedor, inclusive no que tange a medidas cautelares como
o arresto de bens.
Trata-se de cristalização legislativa do entendimento que já era dominante e pacificado no âmbito dos tribunais superiores, notadamente o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho;
– (ii) o novo texto do art. 6º, §4º, estipula que a suspensão das execuções e a proibição de prática de atos constritivos (referida acima) “perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal”.
Vale reproduzir, textualmente o §4º-A do art. 6º, o qual estatui:
- 4º-A. O decurso do prazo previsto no § 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, na forma dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do art. 56 desta Lei, observado o seguinte: (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
- – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
- – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)
Os novos dispositivos legais, introduzidos pela Lei 14.112/2020, superam expressamente o posicionamento do STJ, firmado sob a égide da redação anterior da Lei 11.101/2005.
De fato, conforme já referido acima, o Superior Tribunal de Justiça, na vigência do texto originário da Lei de Falências e Recuperação de Empresas,
havia firmado o entendimento de que quaisquer atos de constrição de patrimônio da empresa recuperanda somente poderiam ser praticados pelo juízo universal, independentemente da extrapolação do prazo de 180 dias (também previsto na redação originária do dispositivo), sem qualquer limite temporal4.
Sucede que a nova redação legal deixa claras as consequências da inobservância do prazo de 180 dias para aprovação do plano de recuperação judicial:
- (i) é possível que o prazo seja prorrogado por mais 180 dias (totalizando 360 dias), excepcionalmente, desde que o devedor não tenha dado causa ao atraso na aprovação do plano;
- (ii) vencido o prazo inicial de 180 dias (ou de 360, caso tenha havido prorrogação autorizada pelo juiz), os credores passam a ter a faculdade – não o ônus, nem a obrigação – de apresentar plano alternativo de recuperação judicial;
- (iii) caso os credores não apresentem plano alternativo de recuperação judicial no prazo de 30 dias, cessam tanto a suspensão das execuções (art. 6º, caput, II), quanto a proibição de prática de atos executórios pelos juízes do trabalho (art. 6º, caput, III). Já se os credores apresentarem o plano alternativo, ter-se-á nova prorrogação por mais 180 dias (art. 6º, §4º-A, II)5.
Depreende-se que a lei levou a efeito verdadeiro overruling
(superação) da jurisprudência consolidada no âmbito do STJ. A partir da vigência da Lei 14.112/2020, portanto, as prorrogações feitas pelo juízo universal (bem como a vedação à prática de atos constritivos) são delimitadas no tempo, não podendo se estender indefinidamente.
Na segunda hipótese retratada acima, se os credores apresentarem o plano facultativo de recuperação dentro de 30 dias (contados do fim do prazo para aprovação do plano originário), a suspensão das execuções e a proibição da prática de atos de constrição por juízos que não sejam o universal (como os juízes do trabalho, por exemplo) perdurará por mais 180 dias.
Ademais, embora não esteja explícito no texto legal, é intuitivo que, nos 30 dias subsequentes ao término do prazo, as execuções ainda não podem ser retomadas imediatamente, já que, caso os credores apresentem o plano alternativo, permanecerá a impossibilidade da prática de atos de constrição pelos juízes das execuções. Não faria sentido que se praticassem alguns atos de constrição nesse interregno de 30 dias – entre o vencimento do plano originário e a apresentação do plano alternativo – para que, na sequência, houvesse nova suspensão e aqueles mesmo atos constritivos não pudessem mais gerar efeitos.
Daí resulta que a suspensão das execuções trabalhistas pode ocorrer por, no máximo:
- (a) 180 + 30 dias = 210 dias, caso não tenha sido deferida prorrogação pelo juiz da recuperação judicial;
- (b) 180 + 180 + 30 dias = 390 dias, se houver sido prorrogado o prazo pelo juízo universal e os credores não apresentarem plano alternativo;
- (c) 180 + 180 + 30 + 180 dias =570 dias, caso, além da prorrogação pelo juízo falimentar, os credores apresentem plano
Em qualquer desses casos, reitera-se, vencido o prazo, as execuções trabalhistas podem e devem prosseguir normalmente na Justiça do Trabalho, com a prática de atos de penhora, arresto, expropriação etc.
Na hipótese de falência, a Justiça do Trabalho não pode praticar atos constritivos contra o patrimônio da massa falida. Esse panorama não foi alterado pela Lei 14.112/2020.
Observe-se que os créditos trabalhistas inadimplidos após a formulação do pleito de recuperação judicial terão natureza extraconcursal (art. 49, caput, e 67 c/c 84, I, da Lei nº 11.101/2005)6, devendo ser pagos antes de todos os demais, em caso de convolação em falência. Mesmo nestes casos, a competência para a execução é do Juízo Cível (em que se processa a recuperação judicial), conforme preconiza a jurisprudência do STJ.7
2) Suspensão de execuções fiscais e da execução de contribuições previdenciárias
O novo regramento introduzido pela Lei 14.112/2020 contém as seguintes previsões:
Art. 6º, § 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
(…) § 11. O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência.
Os dispositivos estabelecem que o deferimento da recuperação judicial não implicará suspensão das execuções fiscais, de modo que se conclui que a execução das contribuições previdenciárias – espécie de crédito fiscal – não deve ser alcançada pela vis attractiva da recuperação judicial ou da falência, ou seja, a execução prosseguirá na Justiça do Trabalho.
Nesse contexto, veja-se que as contribuições previdenciárias são espécies de tributo, de modo que a circunstância de sua execução a ser realizada pela Justiça do Trabalho não retira o caráter fiscal do processo executivo.
A modificação legislativa supera a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que vinha interpretando sistematicamente o artigo 114 da Constituição da República com os artigos 6º, 76 e 83 da Lei nº 11.101/2005, de modo a concluir que a Justiça do Trabalho seria incompetente para proceder à execução dos créditos previdenciários contra empresa em recuperação judicial, limitando-se sua competência à quantificação do crédito. Na ótica do TST, para fins de fixação da competência, a natureza fiscal das contribuições previdenciárias não lhes retiraria a característica de parcela oriunda da relação de trabalho, enquadrando-se no art. 114, I, da CF.
Além disso, a contribuição previdenciária é crédito acessório do crédito trabalhista (que é o principal); assim, o princípio da gravitação jurídica autoriza a conclusão de que o regime jurídico da execução das contribuições previdenciárias, na Justiça do Trabalho, deveria ser idêntico ao do crédito trabalhista, razão pela qual seria inviável o prosseguimento de atos constritivos na Especializada.
Nessas hipóteses, dada a inviabilidade de prosseguimento da execução, o juiz do trabalho deveria determinar a expedição de certidão de habilitação de crédito.
Como o novo regramento legal veda expressamente a expedição de certidão de crédito, a conclusão é que o objetivo do legislador, efetivamente, foi o de permitir a execução da parcela acessória (= contribuição previdenciária), ao mesmo tempo em que obsta a execução da parcela principal (= crédito trabalhista), o que causa perplexidade, seja em função
do princípio da gravitação jurídica, seja porque o crédito que deveria ser privilegiado (por força, por exemplo, do art. 100 da Constituição e do art. 186 do Código Tributário Nacional) recebe, da nova lei, um tratamento pior do que créditos que lhe são inferiores.
Esse raciocínio é aplicável não apenas no que tange às contribuições previdenciárias, mas também às multas administrativas aplicadas pela fiscalização do trabalho.
Tais motivos permitem sustentar a inconstitucionalidade do art. 6º,
- 11, da Lei 11.101/2005 (redação dada pela Lei 14.112/2020), por violação ao princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput, conjugado com o art. 100, caput) já que o legislador não tem “discricionariedade” para dispensar tratamento inferior uma espécie de crédito que a própria Constituição trata como privilegiado.
3) Desconsideração da personalidade jurídica e reconhecimento de grupo econômico
Importa analisar, neste tópico, os arts. 6º-C e art. 82-A, caput e parágrafo único, da Lei 11.101/2005, introduzido pela Lei 14.112/2020:
Art. 6º-C. É vedada atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas por esta Lei.
Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) .
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020).
Primeiro aspecto a observar é que o caput do art. 82-A admite expressamente a desconsideração da personalidade jurídica para o fim de alcançar o patrimônio dos sócios, controladores ou administradores da sociedade falida, o que deve ser interpretado em conjunto com o art. 6º-C. Embora o art. 82-A se refira apenas à falência, deve-se entender que o dispositivo se amalgama ao art. 6º-C, daí resultando um conjunto normativo aplicável também à recuperação judicial e que preceitua que a desconsideração da personalidade jurídica, nas hipóteses reguladas, somente pode ser feita com fundamento no art. 50 do Código Civil.
Sucede que essas regras se aplicam tão somente ao universo do próprio processo de falência ou de recuperação judicial, não se aplicando para outras espécies de ações judiciais, como as reclamações trabalhistas.
De fato, o parágrafo único do art. 82-A apresenta redação ambígua, a qual, hipoteticamente, poderia dar ensejo a dois entendimentos, a saber:
- (i) apenas o juízo falimentar poderia realizar a desconsideração da personalidade jurídica;
- (ii) não só o juízo falimentar, mas todo e qualquer órgão jurisdicional pode levar a efeito a desconsideração da personalidade jurídica. A restrição contida no parágrafo único do art. 82-A se refere à exigência de que, para o juízo falimentar, somente se admite a aplicação do art. 50 do Código Civil, ou seja, da chamada teoria maior da desconsideração, sendo inviável a aplicação da teoria menor fundada no art. 28, §5º, do Código de Defesa do Consumidor.
Passa-se a demonstrar que a segunda interpretação deve ser adotada, descartando-se a primeira.
Para facilitar a visualização da interpretação literal (gramatical), deve- se suprimir o adjunto adverbial entre vírgulas que se inicia após a expressão “sociedade falida”. O preceito pode ser reescrito nos seguintes termos:
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406. (redação simplificada do texto legal).
A expressão “com a observância do art. 50” exerce a função sintática de adjunto adverbial, referindo-se ao modo como o juízo falimentar pode decretar a desconsideração da personalidade jurídica. O advérbio “somente” integra essa locução, de modo que a frase poderia ser reescrita nos seguintes termos:
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida pode ser decretada pelo juízo falimentar somente com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406. (redação hipotética).
Se a frase contivesse vírgula, seguida do pronome “que”, após a expressão “sociedade falida”, o sentido seria completamente diverso. Nessa hipótese, ter-se-ia uma oração subordinada adjetiva explicativa, o que deixaria claro que apenas o juízo falimentar poderia decretar a desconsideração. Veja-se:
A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, que somente pode ser decretada pelo juízo falimentar, deve observar o art. 50 da Lei nº 10.406. (redação hipotética).
Contudo, voltando à redação real do dispositivo, veja-se que a construção sintática feita pelo legislador faz com que se conclua o seguinte:
- (i) o juízo falimentar somente pode decretar a desconsideração com a observância do art. 50 do Código Civil;
- (ii) os demais órgãos jurisdicionais (entre os quais os juízes do trabalho) não são alcançados pelo dispositivo, de modo que devem observar os pressupostos próprios para a desconsideração. No caso da Justiça do Trabalho, será aplicável o art. 10-A da CLT, que estipula a responsabilidade subsidiária do sócio, independentemente da demonstração de fraude ou confusão patrimonial, o que tenho chamado de desconsideração direta da personalidade jurídica.8
Aplica-se, aqui, a ideia de que a lei especial derroga a lei geral. A CLT, ao admitir a desconsideração direta na forma de seu art. 10-A, deve ser aplicada com preferência em relação aos arts. 6º-C e 82-A da Lei 11.101/2005, cujo escopo, repita-se, é a disciplina da questão no âmbito do processo de falência ou de recuperação judicial.
A interpretação teleológica, por sua vez, sinaliza que, tendo em vista a universalidade de créditos que compõem a massa falida, créditos esses de diversas categorias (quirografários, tributários, trabalhistas etc.), o legislador almejou estabelecer que a desconsideração da personalidade jurídica, para ser feita pelo juízo falimentar, somente poderia ocorrer a partir do art. 50 do Código Civil, ou seja, da teoria maior da desconsideração.
Assim interpretado, o dispositivo é perfeito do ponto de vista lógico, já que não haveria mesmo condições práticas para que o juízo falimentar aplicasse a teoria maior para alguns, e a menor para outros créditos, face à diversidade do regime jurídico aplicável.
A interpretação histórica não auxilia, pois os debates e pareceres legislativos, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal, não trazem discussões a respeito do art. 82-A9.
Por fim, mas não menos importante, a interpretação constitucional. Ainda que hipoteticamente fosse possível – o que não é o caso, como demonstrado acima – alegar que o art. 82-A deveria ser interpretado como contendo vedação à desconsideração da personalidade jurídica por outros juízos que não o falimentar, no mínimo o intérprete deveria reconhecer a ambiguidade do dispositivo legal.
Nesse contexto, é certo que a interpretação limitadora da desconsideração viola o princípio constitucional do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), pois impede a efetividade da execução, ao criar uma espécie de “blindagem” patrimonial que sequer foi prevista expressamente pelo legislador. Havendo outra intepretação possível e que se harmoniza com a Constituição e com a prática dos tribunais superiores, deve ser preferida, preservando-se a higidez do dispositivo desde que seja interpretado no sentido acima explicitado: os arts. 6º-C e 82-A estipulam que o juiz falimentar somente pode desconsiderar a personalidade jurídica com base no art. 50 do Código Civil, o que não impede que a Justiça do Trabalho siga aplicando, mesmo para empresas falidas ou em recuperação judicial, o art. 10-A da CLT.
A interpretação preconizada não viola a isonomia entre os credores trabalhistas – notadamente entre aqueles que ajuizarem reclamação trabalhista em confronto com os que não o fizerem. A uma, porque a aplicação da teoria menor para os primeiros decorre de sua situação particular, que consiste justamente no fato de terem movido reclamação trabalhista. A duas, porque o princípio da pars conditio creditorum (condição paritária entre os credores) se refere às relações diretas entre os credores e o devedor comum (empresa falida ou em recuperação judicial), não abrangendo terceiros responsáveis, cuja responsabilidade se apura no juízo próprio, de acordo com os requisitos pertinentes a cada espécie de crédito.
Em suma, nada obsta (nem mesmo o art. 82-A da Lei 11.101/2005) a desconsideração da personalidade jurídica da empresa cuja falência tenha sido decretada, ou cuja recuperação judicial tenha deferida, desde que os sócios não tenham sido incluídos no plano de recuperação ou não sejam, também, pessoalmente falidos.
Esse entendimento se harmoniza com a jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não viola a competência do Juízo universal (da falência ou recuperação judicial) a constrição, pela Justiça do Trabalho, de bens dos sócios de sociedade empresária em recuperação judicial, quando em relação a ela foi promovida, na Justiça Especializada, a desconsideração da personalidade jurídica. O juízo da recuperação judicial não detém competência para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.10
Da mesma forma, é possível ao Juiz do Trabalho prosseguir na execução caso haja outras sociedades do mesmo grupo econômico da devedora, na hipótese em que os respectivos bens não estão sujeitos à recuperação judicial ou à falência.11
1 Art. 6º – A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (…)
- 4º – Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.
2 AgInt no CC 151.207/GO, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/11/2017, DJe 13/11/2017.
3 Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (…) III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
4 Exemplifica essa tendência: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DO TRABALHO E JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA A PRÁTICA DE ATOS EXECUTÓRIOS OU CONSTRITIVOS QUE PERSISTE ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA QUE DECLARA O ENCERRAMENTO DO PROCESSO. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, é competente o juízo universal para prosseguimento de atos de execução que incidam sobre o patrimônio de empresa em processo falimentar ou de recuperação judicial. Não compete ao juízo trabalhista interferir no acervo patrimonial da suscitante enquanto não houver a certificação do trânsito em julgado da sentença que declara o encerramento da sua recuperação (…)” (AgInt no CC 167.826/PA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/08/2020, DJe 21/08/2020). Neste julgado, lê-se: “”[…] ‘os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, sob a égide do Decreto-lei nº 7.661/45 ou da Lei nº 11.101/05, devem ser realizados pelo juízo universal, ainda que ultrapassado o prazo de 180 dias de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da última norma’ […]”.
5 II – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.
6 Art. 49 – Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
Art. 67 – Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
Art. 84 – Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência (…).
7 CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO TRABALHISTA. PROSSEGUIMENTO. ATOS DE CONSTRIÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. No caso de deferimento da recuperação judicial, a competência da Justiça do Trabalho se limita à apuração do respectivo crédito (processo de conhecimento), sendo vedada a prática, pelo citado Juízo, de qualquer ato que comprometa o patrimônio da empresa em recuperação (procedimento de execução). 2. Classificam-se como extraconcursais os créditos de obrigações que se originaram após o deferimento do processamento da recuperação, prevalecendo estes sobre os créditos concursais, de acordo com os 83 e 84 da Lei nº 11.101/2005. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, como forma de preservar tanto o direito creditório quanto a viabilidade do plano de recuperação judicial, a execução de créditos trabalhistas constituídos depois do pedido de recuperação judicial deve prosseguir no Juízo universal. (…) (CC 145.027/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 31/08/2016).
8 Cf. BERNARDES, Felipe. Manual de Processo do Trabalho. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, p. 298 e seguintes.
9 Exceto pelo relatório do Senador Rodrigo Pacheco, que mencionou a necessidade de correção da redação do dispositivo, para excluir a possibilidade de instauração de ofício, pelo juiz, do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
10 AgInt no CC 145.697/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/11/2016, DJe 18/11/2016.
11 AgInt no CC 152.680/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/10/2017, DJe 17/10/2017.