Informativo: 682 do STJ – Processo Penal
Resumo: Desde o advento da Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime), o art. 311 do CPP dispõe que o juiz só pode decretar a prisão preventiva por provocação. Com base nisso, surgiu controvérsia a respeito da possibilidade de o juiz converter de ofício a prisão em flagrante em preventiva, pois o art. 310 do CPP, que trata das medidas que o juiz deve adotar após receber o auto de prisão em flagrante, não é expresso a esse respeito.
Comentários:
Na audiência de custódia o juiz, depois de ouvir o Ministério Público e a defesa, deverá, fundamentadamente: I – relaxar a prisão ilegal; II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou; III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
A prisão em flagrante será, portanto, convertida em preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão. Com base no espírito que norteou a nova redação do art. 311 do CPP, que impede o juiz, na fase do inquérito policial, de decretar a prisão preventiva de ofício, há doutrina no sentido de que o magistrado, por consequência, também não pode converter a prisão em flagrante em prisão preventiva sem o prévio requerimento do Ministério Público ou sem a representação da autoridade policial. Essa conversão, com efeito, equivaleria a uma indireta decretação de ofício da preventiva. A Lei 13.964/19 estende a proibição para o processo, devendo o juiz sempre aguardar oportuna e pertinente provocação.
Por coerente que pareça essa corrente, a Sexta Turma do STJ tem decidido que o juiz pode promover de ofício a conversão do flagrante em preventiva:
“A conversão da decretação da prisão em flagrante em preventiva de ofício, embora suscite relevante controvérsia, deve ser resolvida em favor de sua possibilidade.
Desde que concretamente fundamentada, a decisão que conclui pela necessidade, sempre excepcional, de imposição da prisão cautelar é de ser admitida em razão do poder geral de cautela do magistrado, que, ao receber o auto de prisão em flagrante, deve, uma vez vislumbrada a presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, independente de provação, decretar a prisão cautelar.
Além de ser necessária a admissão dessa hipótese por questões pragmáticas, como, por exemplo, nos casos de ausência de membro do Ministério Público em audiências em que se delibere sobre a necessidade da prisão do acusado, deve-se assinalar que tal proceder não macula o princípio acusatório. O que há, nessa hipótese, é a regularização da prisão em flagrante, sem prejuízo de provação das partes sobre a necessidade ou não de sua manutenção. Ou seja, um contraditório diferido.
A propósito, conforme já decidiu esta Corte, ‘embora o art. 311 do CPP aponte a impossibilidade de decretação da prisão preventiva, de ofício, pelo Juízo, é certo que, da leitura do art. 310, II, do CPP, observa-se que cabe ao Magistrado, ao receber o auto de prisão em flagrante, proceder a sua conversão em prisão preventiva, independentemente de provocação do Ministério Público ou da Autoridade Policial, desde que presentes os requisitos do art. 312 do CPP, exatamente como se verificou na hipótese dos autos, não havendo falar em nulidade quanto ao ponto’ (HC n. 539.645/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe 24/8/2020)” (HC 605.305/MG, j. 06/10/2020).
Há de se destacar, entretanto, que, no mesmo dia, a 2ª Turma do STF decidiu que a conversão da prisão em flagrante em preventiva só pode ser promovida se houver requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Segundo o voto do ministro Celso de Mello – seguido por unanimidade:
“– A reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro.
– A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, §§ 2º e 4º, e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio “requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público” (grifei), não mais sendo lícita, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação “ex officio” do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.
– A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. Magistério doutrinário. Jurisprudência” (HC188.888/MG, j. 06/10/2020).
É o mesmo que vem decidindo a Quinta Turma do STJ, que, em 20 de outubro, declarou a nulidade da conversão de uma prisão em flagrante em preventiva sem prévio requerimento:
“A Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) promoveu diversas alterações processuais, deixando clara a intenção do legislador de retirar do magistrado qualquer possibilidade de decretação ex officio da prisão preventiva.
O anterior posicionamento desta Corte, no sentido de que “não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva”, merece nova ponderação em razão das modificações trazidas pela referida lei, já que parece evidente a intenção legislativa de buscar a efetivação do sistema penal acusatório.
Com efeito, a alteração introduzida no art. 311 do CPP, do qual foi suprimida a expressão “de ofício”, corrobora a interpretação segundo a qual passou a ser imprescindível a representação prévia para decretação da prisão cautelar, inclusive para conversão do flagrante em preventiva.
Portanto, a prisão preventiva somente poderá ser decretada mediante requerimento do Ministério Público, do assistente ou querelante, ou da autoridade policial.
No mesmo sentido, o em. Ministro Celso de Mello, quando da apreciação do pedido liminar no HC 186.421/SC, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, enfrentou o tema, decidindo pela interpretação sistemática do dispositivo processual acima referenciado, concluindo pela inviabilidade da conversão de ofício do flagrante em preventiva.
Destaca-se, ainda, recente pedido liminar deferido pela Suprema Corte, nos autos do HC 191.042/MG (Rel. Ministro Edson Fachin, DJe de 23/9/2020), no mesmo sentido da tese ora defendida.
Por fim, como dever de lealdade, cita-se o resultado do julgamento do HC 583.995/MG (Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Rel. p/ acórdão Min. Rogério Schietti Cruz), no qual a Sexta Turma do STJ em 15/9/2020, por 3 votos a 2, decidiu pela possibilidade de conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva, ainda que após a vigência da Lei n. 13.964/2019. Até a Quinta Turma também decidiu na mesma linha, no AgRg 611.940, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, em 22/09/2020, cujo voto, porém, não mereceu uma discussão maior no Colegiado.
No referido julgamento da 6ª Turma, restou decidido que a conversão do flagrante em prisão preventiva é uma situação à parte, que não se confunde com a decisão judicial que simplesmente decreta a preventiva ou qualquer outra medida cautelar. Para o ministro Rogerio Schietti – cujo voto foi acompanhado pela ministra Laurita Vaz e pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro – quando há o flagrante, a situação é de urgência, pois a lei imporia ao juiz, independentemente de provocação, a obrigação imediata de verificar a legalidade da prisão e a eventual necessidade de convertê-la em preventiva ou aplicar medida cautelar diversa.
Apesar dos argumentos muito bem lançados, tal interpretação seria uma evidente autorização à atuação inquisitiva do Juiz, contrariando o propósito da nova Lei, claramente no sentido da linha acusatória” (HC 590.039/GO, j. 20/10/2020).
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