Recentemente, em 18/08/2020, o Ministro Celso de Mello negou ao Presidente da República, na qualidade de investigado, que realizasse seu depoimento por escrito. A decisão foi tomada no Inquérito 4831/DF, instaurado contra o atual Presidente da República, e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública. O tema é disciplinado pelo art. 221, § 1º, do CPP, dispositivo assim redigido:
“Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembleias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.
§ 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício…”
O artigo, é bom registrar, integra o Título VII (da prova), Capítulo VI (das testemunhas) do CPP. Por óbvio, sua aplicação é restrita às hipóteses em que essas autoridades mencionadas no art. 221, § 1º, figurem como testemunhas.
Cumpre salientar que a própria existência desse dispositivo é criticada pela doutrina, por dificultar a realização plena do contraditório. Sobre o tema Antonio Magalhaes Gomes Filho, Alberto Zacharias Toron e Gustavo Henrique Badaró (Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2019) registram que a previsão do § 1º, do art. 221 do CPP, ”a nosso ver, não só é inteiramente incompatível com a natureza mesma do meio de prova examinado, que tem como característica a oralidade, mas também impede a plena realização do contraditório, uma vez que as partes ficam impedidas de controlar as reações da testemunha e formular outras indagações, cuja pertinência surja durante o desenrolar do depoimento.”
Como dito, o Código de Processo Penal somente concede o benefício de depoimento por escrito às autoridades mencionadas no art. 221, § 1º, se eles figurarem como testemunhas; tal prerrogativa não ocorre quando eles ostentam a condição de investigados ou de réus.
Nessa diretriz, Renato Brasileiro de Lima (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 767), assinala que as autoridades com prerrogativa de foro previstas no art. 221 do CPP, quando figurarem na condição de investigados não têm o direito de serem inquiridas em local, dia e hora previamente ajustados “porque não há previsão legal que assegure essa prerrogativa processual, tendo em vista que o art. 221 do CPP se restringe às hipóteses em que as autoridades nele elencadas participarem do processo na qualidade de testemunhas, e não como investigados ou acusados.”
A prerrogativa de escolher dia, hora e local para prestarem depoimento é aplicada para as autoridades listadas no art. 221, § 1º, quando forem testemunhas (e o STF admite quando elas forem vítimas). E mais: caso a autoridade não utilize a prerrogativa do art. 221 no prazo de 30 dias, o STF entende que esse direito se perde.
Em outras ocasiões, o STF negou pedido semelhante formulado por Deputado (Inq 1628/DF, de 11/05/2000); e idêntico pedido realizado pelo presidente do Senado Federal, que figurava como investigado em determinado procedimento penal, foi negado pelo Ministro Teori Zavascki quando relator do Inq 4243/DF. Outras decisões do STF foram nesse sentido: Inq 3.006/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, 10/05/2011; Inq 3984/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, 25/05/2016.
Para o Supremo, em decisão tomada no ano de 2000, “a exceção estabelecida para testemunhas não se estende nem a investigado nem a réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados”
Em 30 de maio de 2017, todavia, no Inquérito 4483/DF, o Min. Edson Fachin permitiu que o então presidente da República Michel Temer realizasse depoimento por escrito quando ele figurava na condição de investigado no denominado “Caso J&F”. Na ocasião, o próprio Min. Fachin registrou que “a exceção restabelecida para testemunhas não se estende nem a investigado nem a réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados.” No caso concreto, registrou, todavia, que “em razão da excepcionalidade de investigação em face do Presidente da República”, diante da ausência de oposição do Ministério Público e da inexistência de prejuízo às investigações, autorizaria o depoimento por escrito. Concessão semelhante foi deferida no Inq 4621/DF, Rel. Min. Roberto Barroso.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, há mais de 20 anos (Inquérito 1628/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 11/05/2000; Inq 4243/DF, Rel. Min. Teori Zavascki; Inq 3.006/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, 10/05/2011; Inq 3984/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, 25/05/2016, e agora, em 2020, no Inquérito 4831, Rel. Min. Celso de Mello, decisão 18/08/2020), apenas reiterou sua jurisprudência tradicional sobre o tema: as autoridades mencionadas no art. 221, § 1º, do CPP somente gozam da prerrogativa de depoimento por escrito se figurarem como testemunhas ou vítimas, não quando forem investigados ou réus.
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