“Hoje é a semente do Amanhã. Não tenha medo que esse tempo vai passar. Não se desespere, nem pare de sonhar. Nunca se entregue. Nasça sempre com as manhãs. Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Nós podemos tudo. Nós podemos mais. Vamos lá pra ver o que será”.
Gonzaguinha, “Nunca Pare de Sonhar”
Qual aluno de direito nunca se perguntou “o que é que eu estou fazendo aqui?” ao assistir a uma aula de Introdução ao Direito quando o esforçado professor tenta explicar a diferença entre direito natural e direito positivo? Quem nunca se sentiu como um peixe fora d’água ao ler um livro rebuscado que explica, num tom misterioso, a diferença entre ser e dever ser? Quem não preferia estar em casa dormindo ao invés de estar assistindo a uma sonolenta aula sobre a teoria da justiça de Aristóteles?
Essas angustiantes dúvidas vocacionais atormentam praticamente a todos os alunos que acabam de ingressar no curso de direito sem saber ao certo o que o destino lhes reserva para o futuro. Também passei por isso. Sofri muitas crises semelhantes, até mesmo antes de ingressar na faculdade.
Naquele momento, ainda adolescente, não via qualquer perspectiva profissional pela frente. Acabei decidindo pelo direito muito mais por falta de opção. Nunca tive qualquer parente na área jurídica, o que me preocupou no início, já que o pensamento dominante na época, e talvez ainda hoje, era o de que o sucesso profissional, seja na advocacia, no ministério público ou na magistratura, dependia do sobrenome que a pessoa ostentava.
Tão logo concluí o curso, em 1999, percebi que essa ideia era, em grande medida, equivocada. Como qualquer atividade, o sucesso no mundo das profissões jurídicas depende, essencialmente, do mérito pessoal e de algumas oportunidades que vão surgindo pelo caminho (mais oportunidades para uns do que para outros, infelizmente). Chamo de sucesso não o mero “ganhar dinheiro”, mas a plena satisfação de fazer o que gosta e de ser reconhecido por isso. Ser aprovado em concurso, ser contratado por um grande escritório, ser elogiado pelos seus colegas de trabalho, estar feliz consigo próprio, de um modo geral, isso tudo é totalmente independente de parentesco ou de sorte. Depende muito mais de esforço, motivação, dedicação, foco e, sobretudo, amor ao que se faz.
Foi com base nisso que resolvi escrever o texto que segue abaixo. Não é um texto de “auto-ajuda” ou algo parecido, embora também sirva a esse propósito. Na verdade, é um texto que procura motivar aluno, tentando convencê-lo de que é possível gostar do direito, apesar de tudo.
Desde que o publiquei pela primeira vez, lá pelos idos de 2003, tenho recebido diversos e-mails elogiando o seu conteúdo e dizendo que ele foi responsável por significativas mudanças pessoais. Talvez seja um pouco de exagero dos leitores, mas acho que, pelo menos, o texto tem o mérito de confortar todos aqueles que, como eu, caíram de paraquedas na Faculdade de Direito. Além disso, é o texto com mais visualizações em toda a história do blog DireitosFundamentais. Net. Então, aqui vai:
POR QUE É TÃO DIFÍCIL GOSTAR DO DIREITO? CONSELHOS PARA ESTUDANTES COM CRISE VOCACIONAL
“Só aprendemos quando nos divertimos. A arte de ensinar não é mais que a arte de despertar a curiosidade dos jovens para, em seguida, satisfazê-los, e a curiosidade só é viva nos espíritos felizes. Os conhecimentos que se metem à força nas inteligências os sufocam. Para digerirmos o saber, é preciso devorá-lo com apetite”.
Anatole France
UBI SOCIETAS, IBI JUS
“Ubi societas, ibi Jus”. Quase todos os livros de Introdução ao Direito começam com essa frase em latim que significa que “onde há sociedade, há o direito”, demonstrando a inegável vinculação entre o direito e a vida em sociedade. Para não ser diferente, resolvi começar este texto com a mesma frase, mas não para comentá-la e sim para criticar. Não será uma crítica sobre o conteúdo da afirmação, mas sobre a forma em que ela é apresentada. Por que em latim?
Já a primeira leitura de um estudante de direito recém-ingresso retrata que a profissão que ele escolheu é formalista, dando a impressão de que é preciso saber latim, ou fingir que sabe latim, para ser um bom profissional.
Depois do latim, começam a aparecer várias palavras estranhas que acompanharão o estudante por toda a sua vida acadêmica e profissional. Jurisprudência, legítima defesa putativa, exclusão de antijuridicidade, interdito proibitório, repetição de indébito enfim, é uma
salada de esquisitices que assustam num primeiro momento. E, para piorar, ainda ficam inventando sinônimos para palavras bem simples. Por exemplo, interpretação tem um monte de variantes: hermenêutica, ilação, exegese (esta aqui, cada um pronuncia de uma forma diferente). Constituição vira Carta Magna, Lex Fundamentalis. Hospital é nosocômio; petição inicial é exordial; tribunal é pretório! E assim fica aquela impressão de que é preciso falar e escrever difícil para ser um bom jurista.
É lógico que há termos jurídicos técnicos, como “competência”, “responsabilidade” e “capacidade”, entre outras, que diferem um pouco do sentido popular. Há também alguns termos que são tipicamente jurídicos, como “litispendência” ou “coisa julgada”, que possuem uma utilidade prática inquestionável, pois facilitam a comunicação entre os juristas. Apesar disso, em geral, o que se nota é um abuso linguístico sem nenhum motivo plausível. Parece que alguns juristas gostam de usar a linguagem rebuscada como uma forma de manter os demais indivíduos longe do mundo do direito, como se as palavras fossem uma placa de “propriedade privada” colocada num determinado assunto para que estranhos não se aproximem e não enxerguem os escombros argumentativos por detrás dessa fachada de mentirinha.
Hoje, tenho a convicção de que, com isso, os juristas querem fazer da sua disciplina um campo inacessível para os leigos, como se a erudição fosse, por si só, um elemento de legitimação. E o pior é que parece funcionar, pois, lamentavelmente, muitas pessoas dão mais crédito a um texto quando a linguagem é rebuscada. Já dizia Lucrécio que “os tolos só apreciam e admiram as ideias ocultas em linguagem misteriosa”.
Ao longo do curso, o aluno é bombardeado com textos jurídicos cheios de palavras incompreensíveis, que passam a ser gradativamente incorporados à sua linguagem natural. Aos poucos, o aluno se acostuma com o estilo rococó e começa a dispensar o dicionário. A partir daí, esse estudante – que pode ser considerado, agora, um verdadeiro dicionário ambulante, cheio de “data vênia”, “a priori”, “ad causam”, “ex vi”, “outrossim”, “destarte” – continuará o legado de seus mestres, escrevendo e falando em linguagem empolada e orgulhosamente compreendida por apenas um círculo mínimo de pessoas, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
As frases em latim, as palavras difíceis e as expressões estrangeiras podem ser consideradas como o primeiro banho de água fria no estudante de direito, como se fosse um tipo de prova de fogo.
Muitos conseguem ultrapassar tranquilamente a essa fase de crise vocacional, até porque já existe uma imagem popular que reforça essa necessidade de ser um “orador rebuscado” para ser um bom profissional jurídico. Outros, porém, já nessa fase, desistem, sem saber que existe muita coisa interessante no mundo do direito em que não são necessários brocardos latinos ou verborragia sem sentido.
Como dica para conseguir ultrapassar a essa fase, recomendo que não dê muita importância à linguagem jurídica logo no início do curso. Acredito que já está havendo muita melhora nos textos jurídicos (não sei se já me acostumei, mas o certo é que vejo muitos livros “fáceis” de ler) e, com um tempo, serão poucos os autores que continuarão fazendo citações em latim ou alemão e escrevendo propositadamente difícil.
OS CLÁSSICOS
“De que me serve conhecer os horários dos trens se não tenho a menor ideia do destino da viagem e da estação a que devo embarcar?”
Michel Villey, Filosofia do Direito
Tão logo ingressam na faculdade, os estudantes sentem uma saudável necessidade de ler os “clássicos”. Filósofos gregos, pensadores do renascimento e do iluminismo, cientistas políticos modernos, a toda hora querem se aproximar do estudante neófito. Sempre há um ou outro estudante que carrega consigo um livro de bolso de um autor clássico e você imagina que se não ler vai ficar para trás.
O estudante, sentindo essa necessidade, pensa que será fácil “devorar” esses livros, já que, ao que parece, todos os grandes profissionais do direito os leram. Porém, logo nas primeiras páginas, percebe que a leitura não será tão simples. “Até que as palavras são compreensíveis”, pensa o aluno, “mas o assunto é chato demais”.
Esse é o segundo banho de água fria do estudante. Ele sente a necessidade de ler os clássicos, tenta ler esses livros, mas não consegue. Alguns até que conseguem, mas após um tremendo esforço.
Na sala de aula, os professores, acertadamente, reforçam a necessidade de ler esses livros. E aí, a crise vocacional surge novamente, já que se imagina que é preciso gostar dos clássicos para ser um bom profissional.
E o que fazer?
Seria uma irresponsabilidade de minha parte se dissesse que não é importante ler os clássicos. A base do pensamento atual é toda encontrada nesses autores e o princípio básico de qualquer processo de aprendizagem é este: se você quiser dominar um assunto, siga os melhores daquela área. Como disse Isaac Newton, “se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes”.
Porém, deve-se reconhecer que alguns livros são mesmo difíceis de ler. Não é qualquer um que consegue ler, com gosto, uma obra de trezentas páginas de um filósofo grego, sobretudo nessas impressões mais econômicas com a letrinha miúda.
Por isso, não se desespere se você não gosta de ler os clássicos. Saiba desde já que há dois tipos de leitura: a leitura por prazer e a leitura focada em aprendizagem. Ambas são muito úteis para o seu engrandecimento intelectual. Mas a leitura focada em aprendizagem exige um tipo de esforço cognitivo mais alto, pois demanda foco, concentração e planejamento.
Além disso, o ato de ler é como o ato de se exercitar, em que a evolução ocorre gradualmente. Assim como um corredor iniciante não pode, sem treino, correr uma maratona, também um leitor iniciante, sem prática, dificilmente conseguirá ler um livro mais denso. Por isso, tenha consciência do seu nível de conhecimento atual e vá gradativamente aumentando o desafio até conseguir dominar o material mais complexo.
De qualquer modo, é extremamente recomendado que você procure ler as obras escritas por quem é referência no assunto, inclusive os clássicos. Mas não imagine que vá encontrar uma leitura tão emocionante quanto a leitura de um livro de aventura.
Por sinal, há muitos “enlatados” americanos que são bons para o estudante começar a gostar das “tramas” (no sentido bom da palavra) do direito. Não tenha vergonha de ler, por exemplo, os romances jurídicos de John Grisham, escritor norte-americano que escreveu vários livros que deram origem a filmes holywoodianos, como “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”. Outro autor no mesmo estilo é Scott Turow, que escreveu bons “romances de tribunal”, como “Acima de Qualquer Suspeita”, “Ofensas Pessoais”, “Erros Irreversíveis”, entre outros. A propósito, no livro “O Primeiro Ano Como se Faz um Advogado”, Turow faz uma interessante descrição, num tom crítico, do ensino jurídico nos Estados Unidos que vale a pena ser lida.
É lógico que esses livros são pedagogicamente limitados, especialmente porque o direito americano é diferente do direito brasileiro. Mas só o fato de ler algum tema relacionado com o direito já ajuda a desenvolver o gosto por essa matéria.
Outro livro bom para começar a gostar do direito, que já se tornou o livro preferido dos professores de Introdução ao Direito, é “O Caso dos Exploradores de Caverna”, de Lon Fuller. É um livrinho pequeno, fácil de ler e que tem tudo para empolgar o aluno. Também vale a pena ler o livro “O Caso dos Denunciantes Invejosos”, do mesmo autor. Recomendo ainda, com especial ênfase, o livro “Os Sete Minutos”, de Irving Wallace, um livro excepcional que tem como pano de fundo um processo judicial envolvendo a liberdade de expressão nos Estados Unidos. Do mesmo modo, o livro “O Leitor”, de Bernard Schlink, é uma ótima opção. E para não parecer que estou apenas indicando livros estrangeiros, recomendo o livro “Elite da Tropa”, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimental, bem como o livro “Meu Nome Não é Johnny”, de Guilherme Fiúza, que retratam alguns problemas atuais que podem interessar ao estudante do direito.
Dica fundamental: para gostar do direito é preciso gostar de ler. Se mesmo após ingressar na faculdade de direito, você ainda não tomou gosto pela leitura, comece com livros fáceis de digerir, como os antes citados. Pode ler também livros policiais (gosto muito, por exemplo, de Agatha Christie) ou até romances como “O Código da Vinci” e “Anjos e Demônios”, de Dan Brown. Enfim, qualquer leitura é válida. Mas, leia. Devore os livros. Depois de muitos livros, você perceberá que os clássicos não são tão chatos assim, especialmente se você compreender o problema central que seus escritores estão tentando enfrentar.
Aliás, aqui vai uma dica para ler os clássicos: não leia só por ler, que isso não leva a nada. Leia para dialogar, para fazer parte do debate. Envolva-se com o problema de que trata o livro e tente acompanhar o raciocínio do autor para perceber aonde ele quer chegar. Antes de encarar os livros mais densos, tente começar pelos livros introdutórios, que geralmente fornecem um bom esboço do pensamento dos autores.
Schopenhauer criticava os livros que nada mais faziam do que compilar o pensamento até então produzido sem nada acrescentar de original. Para ele, os manuais de filosofia não substituiriam os originais. Afinal, “ler toda sorte de exposições de doutrinas filosóficas ou, de modo geral, a história da filosofia, em vez de ler as próprias obras dos filósofos, é como querer que outra pessoa mastigue a nossa comid4. Nesse aspecto, ouso discordar do filósofo alemão. Há alguns livros mais densos que são simplesmente intragáveis. Por isso, é melhor ter cuidado para não ter uma indigestão logo no início de suas aventuras literárias. É preferível, antes de partir para o prato principal, saborear alguma entrada fornecida pelos sistematizadores de filosofia que tentam esclarecer o significado do que os grandes pensadores disseram. Nem sempre os leigos são capazes de compreender as ideias de alguns filósofos lendo de forma direta, sem intermediários.
Outro ponto importante: não adianta ficar só decorando o que cada pensador disse. O importante é compreender o significado de sua teoria e avaliar a força dos argumentos. Talvez isso facilite a compreensão do texto e melhore o “sabor” da leitura. Nesse aspecto, faço questão de invocar novamente Schopenhauer em meu auxílio, para concordar integralmente com suas palavras:
Em geral, estudantes e estudiosos de todos os tipos e de qualquer idade têm em mira apenas a informação, não a instrução. Sua honra é baseada no fato de terem informações sobre tudo, sobre todas as pedras, ou plantas, ou batalhas, ou experiências, sobre o resumo e o conjunto de todos os livros. Não ocorre a eles que a informação é um mero meio para a instrução, tendo pouco ou nenhum valor por si mesma, no entanto é essa a maneira de pensar que caracteriza uma cabeça filosófica. Diante da imponente erudição de tais sabichões, às vezes digo para mim mesmo: Ah, essa pessoa deve ter pensando muito pouco para poder ter lido tanto!
EXCELENTÍSSIMO DOUTOR
O problema do direito não está apenas nos livros e na linguagem dos profissionais. A forma de tratamento também é intimidadora. Há muita formalidade e frieza entre os profissionais, isso sem falar na vaidade e no orgulho.
Quem assiste pela primeira vez a uma palestra de algum jurista tradicional, ficará assustado com tantos “excelentíssimos” e certamente dormirá antes de o palestrante terminar os cumprimentos de praxe. Assista também a uma sessão de algum tribunal (pode ser até através da TV Justiça) que você tomará um susto com tanta lengalenga e pensará que a profissão jurídica é a mais chata do mundo.
Não é preciso se assustar com esse tipo de coisa. É natural que ainda existam juristas que valorizem esses protocolos formais, até porque é difícil mudar uma cultura tão antiga. Mas já existem bons palestrantes que estão sendo menos “chatos” e alguns juízes que estão dispensando tanta encenação.
Com relação aos juízes, o problema é um pouco mais sério. De tanto ser bajulado, o juiz acaba se acostumando com tratamentos pomposos e acha que todos devem tratá-los solenemente. Alguns consideram uma afronta serem chamados apenas de “senhor”, exigindo o tratamento “meritíssimo”, “doutor” ou “excelentíssimo”! Quem não se lembra do juiz que ingressou com uma ação judicial para obrigar o porteiro de seu prédio a chamá-lo de doutor? É de se lamentar que ainda existam mentalidades tão pequenas, como se a forma de tratamento fosse um grande sinal de respeito.
Existe, inclusive, uma anedota circulando no meio jurídico que conta que um advogado, cansado de tratar bem um juiz que demorava a julgar seu processo, ao invés de escrever na petição “Excelentíssimo Juiz” escreveu “Esse lentíssimo Juiz”…
Esses tratamentos pomposos, arcaicos, também me fazem lembrar uma fábula poética de La Fontaine, em que ele tenta demonstrar que esse tipo de comportamento talvez seja um mecanismo utilizado por pessoas medíocres para compensar suas deficiências. Confira:
Um burro carregado de relíquias julgava-se adorado.
Nesse pensar se repimpava, recebendo como seus o incenso e as cantigas.
Alguém se apercebeu do erro, e disse-lhe: ‘Senhor Burro, suprimi do vosso espírito uma vaidade tão vã. Não é a vós, mas sim ao ídolo que esta honra é prestada, e a glória é devida’.
Num magistrado ignorante é a toga que é saudada.
Como forma de consolo, informo que essa mentalidade também está sendo aos poucos modificada. E cabe a vocês, profissionais do futuro, lutar para que isso seja mesmo mudado.
É justamente por esses formalismos sem sentido que o povo está cada vez mais se distanciando da Justiça. Os pobres, antes de baterem às portas do Judiciário, costumam fazer filas nas portas dos programas de televisão para tentarem resolver seus problemas. Os apresentadores sensacionalistas acabam tendo mais credibilidade entre o povão do que os próprios juízes. Será que não está na hora de ser mais moderno e passar a falar a linguagem do povo ou pelo menos uma linguagem mais simples?
AMAI PARA ENTENDÊ-LO
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas”. Olavo Bilac – Via Láctea
No poema Via Láctea, acima transcrito, Olavo Bilac reproduz um diálogo muito interessante, no qual um dos interlocutores confessa abertamente que é capaz de conversar com as estrelas, enquanto o outro, mais cético, o chama de louco. Afinal, questiona o cético, “o que as estrelas dizem quando estão contigo”? A resposta do “tresloucado amigo” foi sensacional: “amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender as estrelas”.
Com o direito ocorre a mesma coisa. É preciso amar para entendê-lo.
Infelizmente, muita gente ingressa no curso de direito com o objetivo de ganhar dinheiro fácil. Imagina-se que basta ter um diploma e um anel no dedo para se tornar rico. Quem pensa assim será o último a conseguir ter sucesso na profissão, a não ser que já tenha um parente que lhe dê tudo de mão beijada, o que é raríssimo.
O segredo do sucesso no meio jurídico é o amor pelo direito. Esse amor, algumas raras vezes, vem do berço, mas quase sempre é obtido apenas após muito tempo de estudo e de vivência prática. Há alguns que, desde criança, já sabem que serão juízes, advogados ou promotores; outros, somente descobrem sua vocação depois de vários anos de labuta.
O bom profissional do direito deve, antes de mais nada, amar o direito. E como diz o poetinha Vinícius de Moraes, “para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”.
Não dá para amar sem conhecer. E só se conhece, depois de alguns anos de convivência. Gostar e, sobretudo, amar o direito: na minha opinião, esse é o diferencial entre o bom e o mau profissional. E não precisa se desesperar se você ainda não gosta do direito. Esse gosto vem naturalmente, depois de muitos anos de decepções e de alegrias. Se não vier, aí não tem jeito: você está na profissão errada.
Mais uma dica: não se deve escolher o campo de atuação pelo dinheiro que você pode vir a ganhar. Houve um tempo em que quem estudava direito ambiental, por exemplo, era considerado idealista e estava fadado a morrer de fome. Hoje, o direito ambiental é um dos ramos mais promissores.
Há também aqueles que ingressam no curso de direito por razões ideológicas: o eterno sonho da juventude de querer mudar o mundo e construir uma sociedade mais justa e melhor. Depois de algum tempo, esses estudantes idealistas acabam se decepcionando, justamente porque o que predomina é a mentalidade da ganância e do dinheiro e acabam se afastando de seus ideais ou desistindo do curso, o que é uma grande pena, pois os idealistas são os mais importantes para o direito. Para eles imploro que continuem com seus sonhos. Não apaguem nunca a chama da juventude. No mundo jurídico, há sim muito espaço para os sonhos. A própria Constituição Federal é um instrumento poderosíssimo para a construção de um Brasil mais justo e solidário. E podem ter certeza de que vocês não estão sós. Há muita gente que acredita no direito como elemento de mudança social. Eu mesmo ainda guardo em meu coração uma forte chama de amor à Justiça Social e faço de minha profissão um meio de construir uma sociedade mais fraterna. Digo, com sinceridade, que isso não é só retórica vazia, mas é o que sinto e tento pôr em prática na minha missão como juiz e professor.
A INFINITA IGNORÂNCIA
“Tenho a impressão de ter sido apenas uma criança a brincar na praia e a encontrar, de vez em quando, uma pedrinha ou pequenina concha mais linda, enquanto o imenso oceano da verdade, inexplorado, se estendia na minha frente”.
Isaac Newton
A partir do segundo ano do curso de direito, ou até um pouco antes, surge outra crise vocacional no estudante: a ideia de que não sabe nada.
Quando a pessoa pensa que não sabe de nada sem ter estudado, significa que não se dedicou o suficiente e perdeu tempo com futilidades ao longo do curso. Se você está nessa situação, pode tomar dois caminhos: ou começa a estudar de verdade, para recuperar o tempo perdido, ou se acomoda com a situação, preferindo ser um profissional medíocre, sempre descontente com seu trabalho, já que você não aprendeu a gostar do direito.
Quando falo que se deve estudar para recuperar o tempo perdido, não estou defendendo que se tranque em seu quarto e passe dez horas por dia lendo códigos, leis ou outras chatices. Pelo contrário. Não é preciso perder a melhor fase de sua vida trancado com livros cheios de traças. Continue namorando, se divertindo, praticando esportes.
O importante é começar a adquirir uma disciplina para o estudo. Comece a ler as matérias de que você mais gosta. Tente firmar uma meta a longo prazo e crie um senso de autorresponsabilidade. Desenvolva técnicas de estudo que sejam eficientes para você. Comece a se interessar pelas discussões jurídicas. Isso não é difícil nem é enfadonho, pois há muito debate jurídico interessante. Pesquise e escreva os resultados de sua pesquisa. De preferência, publique o que você escreveu. Não deixe jamais de sentir prazer em aprender.
No direito, há poucos gênios de nascença. O que há são pessoas que se encantam com os problemas jurídicos e não sossegam enquanto não conseguem resolvê-los. São pessoas obcecadas pelo saber, apaixonadas pelo conhecimento e permanentemente curiosas e interessadas em compreender o mundo à sua volta. O encantamento com o conhecimento adquirido e por adquirir é o único estímulo autêntico de um verdadeiro estudante.
Se entre os dois caminhos acima indicados você optou pelo estudo e ainda assim, mesmo depois de muito estudar, você continua pensando que não sabe de nada, maravilha, bom sinal. Você está no caminho certo, pois esse é o segredo do estudo: quanto mais se aprende, menos se sabe. O conhecimento é sempre limitado, enquanto a ignorância é infinita.
O mundo do conhecimento funciona assim: cada livro que você ler ou cada novo conhecimento que você adquire abre as janelas para novos livros e novos saberes, que, por sua vez, abrem novas perspectivas para novas leituras e aprendizagens e o processo se repete infinitamente. De repente, você olha para trás e percebe que leu um monte de livros, aprendeu um monte de coisas, e, ainda assim, a sua lista de leituras futuras e de dúvidas cada vez mais aumenta. É por isso que, quanto mais a pessoa aprende, mais se conscientiza de que nada sabe. Como diz um antigo provérbio: “nós começamos confusos e terminamos confusos num nível mais elevado”.
ESCOLHI DIREITO OU ESCOLHI ERRADO?
Ao final deste texto, talvez você se sinta mais tranquilo, mas ainda assim esteja em dúvida quanto à sua escolha. “Escolhi direito ou escolhi errado?”, você deve estar pensando em trocadilhos…
Como o curso de direito se tornou “modismo”, é natural que muitos que ingressam nesse mundo não tenham mesmo vocação para qualquer profissão jurídica. E pode ter certeza: ao longo do curso, várias crises vocacionais lhe acompanharão. Tente apenas não se desesperar. Quase todos sentem a mesma coisa.
Para concluir, sugiro que você não dê muita importância às minhas palavras, pois elas representam apenas uma das múltiplas formas de ver o direito. E o estudante do direito deve ter como lema não aceitar passivamente os argumentos que ouve ou que lê. A visão crítica deve ser a principal característica de um profissional do direito. Nunca se satisfaça com uma única maneira de ver qualquer questão. O direito é dialético.
Um determinado filósofo alemão que já citamos várias vezes neste texto disse algo muito interessante. Ele falou que “aquele que pensa por si mesmo, que pensa por vontade própria, de modo autêntico, possui a bússola para encontrar o caminho certo”. Devemos nos esforçar para raciocinar com a nossa cabeça ao invés de pensar pela cabeça dos outros. Por isso, construa sua própria capacidade de pensar e de tomar decisões. Faça você mesmo a sua história. Já dizia Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
Por fim, faço um convite (ou uma intimação, para usar uma linguagem nossa). Convido-o desde já a assumir o espírito jurídico. Seja um contestador. Pense, debata, dialogue. Se você quer ser um jurista de sucesso, levante-se da poltrona dogmática e fuja da preguiça intelectual de receber tudo como um bovino domesticado. Não se limite a absorver as informações que lhe chegam passivamente. Corra atrás do conhecimento e também produza conhecimento. Duvide, discuta, discorde. Faça uma leitura crítica de tudo, até mesmo deste livro. Não acredite em tudo o que lhe dizem. Desconfie. Pesquise. Estude. Descubra o que está por trás dos discursos. Interprete o que está nas entrelinhas. Use a imaginação. Saiba apresentar objeções e construir bons argumentos. É isto que deveria caracterizar o pensamento jurídico: a constante abertura ao debate crítico de idéias e a busca sincera pela verdade e pela justiça.
Seja bem-vindo ao mundo do direito! Algum mês em 2003