O art. 1228 do Código Civil começa por listar os direitos do proprietário e nos parágrafos traz restrições a esse direito. No § 4º enuncia que “o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.” No parágrafo seguinte, em remissão ao 4º, prevê que “no caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”
No passado, a doutrina controvertia se o art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil seria constitucional. Vozes de peso defendiam sua inconstitucionalidade – vide Caio Mário da Silva Pereira e Carlos Alberto Maluf. O Enunciado 82 das Jornadas de Direito Civil promovidas pelo CJF considera que “é constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil.” Quanto a esse aspecto não há, atualmente, maiores discussões. O art. 1228, §§ 4º e 5º, do Código Civil, não traz ofensa ao direito de propriedade, pois é uma, entre as diversas formas selecionadas pelo ordenamento, em que o proprietário pode perder seu bem.
O embate ainda existente está em saber qual a natureza do instituto ou como ele deve ser chamado: se se seria uma usucapião ou se uma desapropriação. Registram Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2019, p. 1080) que se trata de instituto jurídico muito peculiar, e que, se analisado com bastante atenção, poderá causar-nos uma sensação de desconforto, provocada por contundentes indagações.
Para Francisco Eduardo Loureiro (2016, p. 1136) “não há, na verdade, desapropriação, nem indenização a ser paga pelo Poder Público.” Segundo Eduardo Cambi (2000, p. 38) e o saudoso Teori Zavascki (2002, p. 843) o instituto é uma usucapião. Rafael Maffini revela que quer parecer que já é possível concluir que o instituto previsto no art. 1.228, § 4º e 5º, não pode ser considerado uma espécie de desapropriação, por falta de qualificação constitucional e por ter características bastante diversas da desapropriação.
Predomina, porém, que estamos diante de uma desapropriação (sui generis, eu diria).
Por outro lado, Flávio Tartuce (2020, p. 884) defende que não há dúvidas de que o instituto previsto no art. 1.228, §§ 4º e 5º constitui uma modalidade de desapropriação e não de usucapião, como pretende parcela respeitável da doutrina, “isso porque o § 5º do art. 1.228 do CC/2002 determina o pagamento de uma ‘justa indenização’, não admitindo o nosso sistema a usucapião onerosa.” Segundo Tartuce, o art. 1.228, §§ 4º e 5º, do Código Civil consagra a terminologia “desapropriação judicial privada por posse-trabalho, que deve ser considerada a melhor a ser empregada, pois de uso pelo criador do instituto”, o jurista Miguel Reale para designar essa categoria. Hayanna Bussoletti Neves entende ser uma desapropriação judicial privada.
Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto (2020, p. 1167) denominam de “desapropriação judicial indireta.” Christiano Cassettari (2019, p. 466) considera que “em face da possibilidade atribuída por lei ao Judiciário de desapropriação, entendo que o referido instituto deve ser chamado de desapropriação judicial.”
Fernanda Marinela (2015, p. 909) denomina a hipótese de “desapropriação privada”. Segundo ela, existe indefinição quanto à natureza do instituto, pois “não se identifica com a desapropriação clássica, instituto de direito público, como também não pode ser confundido com a usucapião, pois este é gratuito.” Matheus Carvalho (2020, p. 1079) também denomina a hipótese de “desapropriação privada”. Daniel Carnacchioni (2020, p. 1487) denomina de “expropriação privada ou desapropriação privada”
O instituto não é uma usucapião por se materializar num perdimento do bem e ser oneroso, tal como nas desapropriações. O que a aproximaria com a usucapião seria a exigência do lapso temporal de cinco anos e a delimitação de área. Todavia, como dito, por estar listado nos parágrafos que indicam restrições à propriedade, o instituto é uma forma de desapropriação. Defendemos isso em nosso livro sobre o tema – Juspodivm, 2018 – https://bit.ly/3ef5jWr
A denominação que parece ser a mais adequada para o instituto seria desapropriação judicial, pois é, 1) é desapropriação por implicar na perda da coisa; 2) o juiz é que fixará a justa indenização devida ao proprietário (§ 5º).
Anderson Schreiber (2019, p. 745) entende, porém, que nenhuma das propostas é tecnicamente perfeita. Para ele, o instituto não é espécie de usucapião, nem desapropriação, mas “uma nova hipótese de defesa contra a reinvindicação do bem imóvel.”
Como vemos, o instituto ainda não encontrou consenso nem quanto à natureza jurídica, nem quanto à denominação.
Cremos, porém, que estamos diante de uma desapropriação judicial.
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