Informativo: 667 do STJ – Processo Penal
Resumo: Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime.
Comentários:
Segundo o art. 124 da Constituição Federal, é da competência da Justiça Militar da União processar e julgar os crimes militares definidos em lei. A competência da Justiça Militar estadual, por sua vez, está estampada no art. 125 da Constituição, cujo § 4º estabelece que “compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados [policiais e bombeiros], nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil.
A especialidade dos crimes militares, as peculiaridades da caserna, enfim, as condições particulares que envolvem a prática e o processamento desses delitos justificam a competência da Justiça Militar. Como salienta Câmara Leal, “trata-se de um sistema repressivo atinente a interesses superiores do Estado, cuja regulamentação pode oscilar, segundo o momento histórico da vida nacional, dadas as transformações políticas, fazendo-se mister alterações de ordem processual, pelo que não seria aconselhável sua inclusão em um código de natureza definitiva, destinado a uma duração mais dilatada” (Comentários ao Código de Processo Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942, vol. 1, p. 64).
Dentre as situações mais comuns em que se verifica a atuação da Justiça Militar está o crime militar definido no inc. II do art. 9º do CPM:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
[…]
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar”.
Nesse contexto, é possível que um militar cometa um crime contra outro militar em unidade da federação diversa da sua, situação em que, segundo a súmula 78 do STJ, a competência de julgamento é atribuída à unidade da federação de origem do autor do crime, não obstante o lugar da infração tenha sido diverso, excepcionando-se, portanto, o disposto no art. 85, inc. I, a, do Código de Processo Penal Militar (competência pelo lugar da infração).
Mas, para que incida a regra da competência da Justiça Militar, é preciso definir com certeza que o caso concreto se insere na definição de crime militar, o que nem sempre é evidente à primeira vista.
Ao definir o conflito de competência 170.201/PI (j. 11/03/20), a Terceira Seção do STJ decidiu que se afasta a competência da Justiça Militar no crime cometido entre dois militares que não estavam no exercício efetivo da função. No caso, um soldado da Polícia Militar do Maranhão estava na cidade de Teresina, no Piauí, quando se envolveu em uma discussão de trânsito com um policial local. O entrevero resultou em disparos de arma de fogo efetuados pelo policial maranhense, que matou o outro indivíduo. Uma das testemunhas relatou o seguinte sobre como ocorreram os fatos:
“(…) que estava no local onde ocorreu o fato; que presenciou o crime; (…) que viu o momento em que a vítima vinha em uma moto, logo atrás do acusado; que parecia ser uma perseguição; que ao chegar na esquina do colégio Dom Barreto, o FRANCISCO RIBEIRO desceu da moto já com arma em punho e perguntou aos seguranças do colégio se eles eram policiais; (…) que o acusado disse que estavam querendo lhe assaltar; que, logo em seguida, a vítima chegou e desceu da moto, com seu filho; que nesse momento começou a discussão entre acusado e vítima (…); que o acusado ‘‘puxou’’ as duas armas que tinha; que nesse instante a vítima começou a filmar; que a vítima deu voz de prisão ao acusado e disse que não o deixaria sair de lá; que a vítima disse que levaria o acusado à Corregedoria; que nesse momento o acusado quis ir embora; que a vítima retirou a chave da ignição da moto do acusado, para impedi-lo de sair; (…) que, após isso, aconteceu o fato; que viu quando o acusado efetuou os 03 disparos: que o primeiro foi efetuado ‘de frente’ e atingiu o peito da vítima e os outros dois atingiram próximo a região das costas e da nuca; (…) que o crime ocorreu porque a vítima deu voz de prisão a FRANCISCO RIBEIRO devido a arma que o acusado estava usando (…)”.
O STJ concluiu que a discussão não teve nenhuma relação com a função de polícia militar de ambos os envolvidos, o que afasta a competência da Justiça Castrense e, consequentemente, atrai a da Justiça Comum do Piauí, onde ocorreu o crime:
“Desses elementos coligidos, é possível extrair algumas conclusões: 1) a vítima e o réu estavam fora de serviço quando iniciaram uma discussão no trânsito, tendo ela sido motivada por uma dúvida da vítima acerca da identificação do réu como policial militar; e 2) nos momentos que antecederam aos disparos, não há nenhum indício de que o réu tenha atuado como policial militar; existindo elementos, inclusive, que sugerem comportamento anormal àquele esperado para a função, já que supostamente teria resistido à investida da vítima, no sentido de conduzi-lo à autoridade administrativa.
Tal o contexto, entendo que o fato não se amolda à hipótese prevista no art. 9º, II, a, do CPM, notadamente porque o evento tido como delituoso envolveu policiais militares fora de serviço, sendo que o agente ativo não agiu, mesmo com o transcorrer dos acontecimentos, como um policial militar em serviço.
[…]
Também não há possibilidade de firmar a prática de crime militar com base no art. 9º, III, d, do CPM, ou seja, mediante equiparação do réu (fora de serviço) a um civil, pois, ainda que a vítima, antes dos disparos, tenha dado voz de prisão ao réu, ela não foi requisitada para esse fim nem agiu em obediência à ordem de superior hierárquico, circunstância que rechaça a existência de crime militar nos termos do referido preceito normativo”.
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos
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