Informativo: 666 do STJ – Processo Penal
Resumo: A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial.
Comentários:
Há no crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06) determinadas figuras típicas classificadas como permanentes, ou seja, nas quais a consumação se prolonga no tempo, admitindo o flagrante a qualquer momento. O indivíduo que, por exemplo, guarda ou tem em depósito determinada quantidade de droga em sua residência está continuamente em flagrante delito. Considerando a exceção trazida pelo art. 5º, inc. XI, da Constituição Federal a respeito da inviolabilidade do domicílio (flagrante delito ou desastre, prestação de socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial), conclui-se que o armazenamento de drogas em determinada residência permite a entrada de agentes policiais independentemente de autorização judicial.
Mas há um problema: nem sempre é possível ter certeza sobre o armazenamento de drogas em uma residência. Há situações em que os órgãos de polícia judiciária são capazes de investigar amplamente a movimentação de membros de organizações criminosas e, com isso, conseguem estabelecer um grau razoável de certeza a respeito da conduta criminosa permanente. É comum, por exemplo, que policiais em campana observem por dias a movimentação em imóveis utilizados por traficantes, o que lhes dá segurança para uma abordagem certeira.
Mas há casos em que a investigação prévia é simplesmente impossível. São rotineiras as ocasiões em que policiais militares ou mesmo guardas municipais se defrontam com indivíduos em atitudes suspeitas – normalmente próximos a pontos de venda de drogas – e iniciam uma abordagem que culmina na vistoria de imóveis residenciais baseada apenas na suspeita de que nesses locais algo ilícito pode estar sendo armazenado. Isto faz surgir a dúvida: a entrada no imóvel é legal?
Não há uma resposta a priori, sem que se considerem as inúmeras circunstâncias que caracterizam um determinado fato. O STJ tem diversos julgados no sentido de que o mandado de busca e apreensão é prescindível, justamente porque se trata de crime permanente, que atrai a situação de flagrância:
“1. É dispensável o mandado de busca e apreensão quando se trata de flagrante de crime permanente, podendo-se realizar a prisão sem que se fale em ilicitude das provas obtidas. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. 2. No caso, o paciente foi acusado de praticar o crime de tráfico na modalidade guardar e manter em depósito substâncias entorpecentes, estando-se diante de ilícito de natureza permanente, o que legitima a medida adotada” (HC 373.388/RS, DJe 01/02/2017).
“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que tratando-se de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, prescindível o mandado de busca e apreensão, bem como a autorização do respectivo morador, para que policiais adentrem a residência do acusado, não havendo falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida (HC 345.424⁄SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, j. 18⁄8⁄2016, DJe 16⁄9⁄2016)” (HC 326.503/RS, DJe 15/03/2017).
Mas essa dispensa deve ser fundamentada em evidências de que o crime de fato está ocorrendo, como, por exemplo, na situação em que a polícia presencia o comércio de drogas em frente a uma residência e constata que usuários e traficantes a estão frequentando. Se, no entanto, tratar-se apenas de uma presunção, sem elementos concretos, o próprio STJ tem julgado inválidas as violações de domicílios. Recentemente, o tribunal considerou ilegal a busca e apreensão em situação na qual, em razão de uma “denúncia” anônima, uma equipe se deslocou ao local apontado e, ao avistá-la, o indivíduo apontado como traficante fugiu:
“No caso, as razões para o ingresso no imóvel teriam sido a natureza permanente do tráfico, a denúncia anônima e a fuga do investigado ao avistar a polícia. Em relação à tentativa de fuga do agente ao avistar policiais, deve-se salientar que, nos termos do entendimento da Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, tal circunstância, por si só, não configura justa causa exigida para autorizar a mitigação do direito à inviolabilidade de domicílio.
Deve-se frisar, ainda, que “a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.” (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019).
Neste ensejo, vale destacar que, em situação semelhante, a Sexta Turma desta Corte entendeu que, mesmo diante da conjugação desses dois fatores, não se estaria diante de justa causa e ressaltou a imprescindibilidade de prévia investigação policial para verificar a veracidade das informações recebidas (RHC 83.501/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 06/03/2018, DJe 05/04/2018).
Desta feita, entende-se que, a partir da leitura do Tema 280/STF, resta mais adequado a este Colegiado seguir esse entendimento, no sentido da exigência de prévia investigação policial da veracidade das informações recebidas. Destaque-se que não se está a exigir diligências profundas, mas breve averiguação, como “campana” próxima à residência para verificar a movimentação na casa e outros elementos de informação que possam ratificar a notícia anônima” (RHC 89.853/SP, j. 18/02/2020).
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos
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