Hodiernamente as discussões acerca da segurança pública passam pela análise das ações de Inteligência. Mas, o que é Inteligência?
A Lei 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), define, em seu artigo 1°, § 2°, inteligência como: “(…) a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.”
Já a inteligência policial é descritaPortaria do Ministro da Justiça 22, de 22/07/2009 (Doutrina Nacional de Segurança Pública) DNISP como: “a atividade de inteligência de Segurança Pública é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos federal e estaduais a tomada de decisões, para o planejamento e à execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública.”
Ainda que os reclamos sejam por mais ações de inteligência, qualquer atividade, por mais corriqueira que seja, sendo de segurança pública desperta críticas de setores da sociedade“Vamos lutar dia a dia para que a intervenção se mantenha nos marcos legais. Nós não aceitamos a ideia de guerra a qualquer preço, de criminalizar a pobreza dessa cidade. Vamos defender em especial o direito dessas pessoas”, disse pontuando a preocupação de “que a intervenção ganhe forma dentro da lei e da Constituição”. (Felipe Santa Cruz, á época Presidente da OAB/RJ).. Todavia, o risco e a mitigação do direito à privacidade em certa medida são inerentes à sociedade moderna (basta observarmos a exposição da intimidade nas redes sociais).
Desse modo, a inteligência policial serve às atividades de polícia judiciária e de polícia ostensiva, como forma de aprimorar, no caso da primeira, as investigações criminais. A propósito, a presente abordagem cinge-se à análise da colheita de informações para fins de persecução criminal, sem prejuízo da advertência de que a atividade de inteligência, como visto, possui maior amplitude e finalidades que a instrução preliminar de índole penal.
Saliente-se que, mesmo na fase inquisitiva (extraprocessual), sob a presidência de autoridades administrativas (delegados, fiscais, promotores etc.), certas medidas exigem autorização judicial para preservar a dignidade das pessoas e assegurar a legalidade das diligências e o correlato controle judicial, são as denominadas “cláusulas reserva de jurisdição”. Tais reservas são excepcionais e devem estar expressamente previstas no texto constitucional, não podendo ser ampliadas pelo legislador em prejuízo da vedação à proteção insuficiente. Destarte, em regra, os órgãos de persecução criminal prescindem de autorização judicial para o desempenho de suas atribuições constitucionais e legais.
Portanto, a colheita de elementos de informação ordinariamente dispensa a intervenção judicial. Assim, o acesso a dados cadastrais de aparelhos de telefonia móvel, registro de localização da Estação Rádio-Base (ERB) e outros informes similares externos à comunicação telefônica e telemática pode ser realizado diretamente por requisição da Autoridade Policial ou do Ministério Público, a fim de conferir celeridade e eficiência à apuração criminal.
Neste sentido, foi editada a Lei nº 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas), consagrando técnicas especiais de investigação e de obtenção de provas. Todavia, mesmo não se tratando de investigação envolvendo organização criminosa, tanto a Lei 8.625/93 (artigo 26, inciso I, alínea “b” e inciso II) quanto a Lei 12.830/13 (artigo 2º, §2º), possibilitam, respectivamente, a requisição direta de informações a órgãos públicos e privados pelo Ministério Público e a Autoridade Policial, que não estejam acobertadas pelas chamadas “cláusulas de reserva de jurisdição” na apuração de qualquer infração penal.
Ademais, a fim de dissipar eventuais dúvidas sobre a temática, o STF se posicionou sobre o assunto em diversos julgadosAG. REG. NO HC 124.322 RS, Relator: Min. ROBERTO BARROSO. Primeira Turma; MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270; Súmula 497 do Supremo Tribunal, e STF. RE 418416, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE; STF. HC 91867/PA – Pará. Relator: MIN. Gilmar Mendes., no sentido de que o conceito de “dados” contido no preceito constitucional diverge do conceito de “dados cadastrais”, bem como que a proteção constitucional à inviolabilidade das comunicações se refere à comunicação de dados, e não, aos dados em si. Em outras palavras, a cláusula de reserva de jurisdição abrange o teor da comunicação, mas não relações de números de chamadas, horário, duração e outros informes externos à comunicação telemática e telefônica.
Entretanto, cumpre destacar que, infelizmente, observa-se que atualmente as operadoras de telefonia não possuem condições técnicas de atender à demanda estatal. Assim é que, passados alguns anos da edição dos referidos diplomas legais, a espera por resposta das operadoras tem variado entre 90 a 120 dias, conforme empiricamente observado. Tal estado de coisas viola o princípio constitucional da eficiência (artigo 37, caput, da CRFB/88).
De todo modo, tais meios de investigação e obtenção de provas buscam adequar a investigação criminal à nova criminalidade, fortalecendo o próprio sistema de justiça ao possibilitar meios adequados e céleres de alcançar os infratores legais, diminuindo a sensação de impunidade. É claro que tais medidas são passíveis de controle. Com efeito, relatórios pormenorizados deverão ser produzidos no bojo da investigação criminal a fim de permitir o controle judicial ulterior acerca da lisura dos procedimentos.
Nesse contexto, a Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), instituiu o chamado Juiz das Garantias na persecução criminal (artigos 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F, todos do CPP). E de acordo com o artigo 3º-B, inciso XI, alíneas “a”, “d” e “e”, respectivamente, compete ao Juiz das Garantias decidir sobre requerimentos de “interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação”, “acesso a informações sigilosas” e “outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado”.
Embora a instituição do Juiz das Garantias esteja suspensa até análise pelo plenário do STF (ADIs 6.298, 6.299 e 6.300, rel. Min. LUIZ FUX), se eventualmente confirmada a sua constitucionalidade, incumbiria a este magistrado, desde que provocado por representação policial ou requerimento ministerial, decidir acerca do acesso aos elementos de informação protegidos pela inviolabilidade das comunicações (artigo 5º, inciso XII, da CRFB/88).
Contudo, a despeito da redação genérica das alíneas “d” e “e” do artigo 3º-B, inciso XI, do CPP, o acesso aos dados cadastrais de telefonia e outros informes similares externos ao conteúdo da comunicação telemática e telefônica dispensa a intervenção do Juiz das Garantias, podendo ser requisitado diretamente pela Autoridade Policial e o Ministério Público às operadoras de telefonia, haja vista a legislação vigente e a ausência de impeditivo constitucional para tanto, já que não compõe o núcleo essencial do direito à inviolabilidade das comunicações telefônicas, conforme precedentes do STF. Portanto, neste ponto, tudo permanece como está.