O homicídio na direção de veículo automotor é tipificado no art. 302 do Código de Trânsito, sempre na modalidade culposa. O caput trata da forma básica, o § 1º elenca quatro majorantes e o § 3º traz uma qualificadora para as situações em que o motorista pratica o crime ao dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (o § 2º foi revogado pela Lei 13.281/16).
Embora a regra seja a punição deste homicídio na forma culposa, as circunstâncias do fato podem indicar o elemento subjetivo doloso, especificamente aquele em que o motorista assume a possibilidade de provocar a morte de alguém ao adotar um comportamento de risco exacerbado na condução do veículo.
Foi o que ocorreu em um caso julgado recentemente pelo STJ, em que o motorista, com a habilitação suspensa, efetuou uma manobra imprudente, atropelou um pedestre e, apesar dos alertas de outras pessoas que estavam no local, fugiu em alta velocidade arrastando a vítima por aproximadamente quinhentos metros.
Uma das controvérsias que frequentemente permeiam imputações de homicídio com dolo eventual é a incidência de algumas qualificadoras. No julgamento mencionado, tratava-se da qualificadora relativa ao meio cruel.
Nos termos do art. 121, § 2º, inc. III, o homicídio é qualificado quando cometido com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso (dissimulado) ou cruel (aumenta inutilmente o sofrimento da vítima), ou de que possa resultar perigo comum (capaz de atingir número indeterminado de pessoas).
A exemplo do que ocorre com os motivos fútil e torpe, há quem sustente que o emprego do meio cruel é incompatível com a situação em que alguém não quer diretamente o resultado, mas apenas assume o risco de produzi-lo. Isto porque o dolo eventual é uma forma de dolo indireto ou indeterminado em que o agente revela indiferença em relação ao resultado possível. É impensável, portanto, que o indivíduo indiferente em relação à ocorrência da morte adote meio que, por sua natureza, pressupõe um caráter sádico por meio do qual se busca matar a vítima submetendo-a a um sofrimento atroz.
Mas o STJ não tem aderido a essa orientação. No caso julgado pela 6ª Turma (REsp 1.829.601/PR, j. 12/02/2020), o tribunal reafirmou que o emprego de meio cruel é plenamente compatível, ao menos em tese, com o dolo eventual, e cabe apenas aos jurados a decisão sobre a incidência da qualificadora no caso concreto:
“No caso, o acórdão recorrido, mantendo a sentença de pronúncia no que se refere à materialidade, à autoria e ao elemento subjetivo do agente (dolo eventual), afastou a qualificadora do meio cruel, ao entendimento de que, por servir de fundamento para a configuração do dolo eventual, os fatos que a princípio ensejariam a crueldade do meio não poderiam ser utilizados para qualificar o crime.
Tal entendimento não se harmoniza com a jurisprudência desta Corte, segundo a qual não há falar em incompatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora do meio cruel (art. 121, § 2º, III, do CP). O dolo do agente, seja direto ou indireto, não exclui a possibilidade de o homicídio ter sido praticado com o emprego de meio mais reprovável, tais quais aqueles descritos no tipo penal relativo à mencionada qualificadora”.
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