Informativo: 964 do STF – Processo Penal
Resumo: Falta de atribuição da Polícia Federal não provoca nulidade de atos judiciais decorrentes da investigação.
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Compete à Justiça Federal, nos termos do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal, julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”.
A mesma Constituição Federal anuncia, no art. 144, que a Polícia Federal, instituída por lei como órgão permanente, organizada e mantida pela União e estruturada em carreira, destina-se a: a) apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei (art. 144, § 1º, inc. I; b) prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência (inc. II); c) exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras (inc. III); d) exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (inc. IV).
Para dar cumprimento ao mandamento do art. 144, § 1º, I, da Carta Maior, o legislador aprovou a Lei 10.446/02, que dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme.
É possível que a Polícia Federal instaure inquérito policial para apurar um crime que apenas aparentemente, diante dos elementos de que se dispõe inicialmente, se insere nos requisitos para investigação e processamento no âmbito federal. Neste caso, se a investigação se completa, é comum que em seguida a competência seja declinada para a Justiça Estadual, ou que conflitos de competência sejam decididos para mudar a competência inicialmente estabelecida. Em situações como esta, segundo decidiu o STF no julgamento do HC 169.348/RS (j. 17/12/2019), se não há repercussão na validade jurídica das provas colhidas pela Polícia Federal, não se decreta nulidade.
No caso, o inquérito policial havia sido instaurado por meio de requisição do Ministério Público Federal, mas, posteriormente, a competência foi declinada para a Justiça Estadual, tendo em vista que os delitos apurados não revelavam lesão a bens ou interesses da União.
O impetrante pretendia a concessão da ordem para anular provas produzidas, inclusive sob o fundamento de abuso da autoridade policial, que chegou a ser afastada. Mas o tribunal não vislumbrou ilegalidade no procedimento, que seguiu as regras processuais, inclusive com a remessa posterior ao órgão judicial competente:
“A defesa afirmava não configurada hipótese de atribuição da autoridade da Polícia Federal que conduziu os inquéritos. Para tanto, reportou-se à Lei 10.446/2002, que versa sobre a atuação desse órgão na repressão de crimes com repercussão interestadual ou internacional. Diziam configurado abuso na atuação da referida autoridade e aludiam ao posterior afastamento do delegado federal responsável pelas investigações.
O colegiado observou que o procedimento foi inicialmente instaurado pela Polícia Federal e decorreu de requisição do Parquet correspondente, sendo destinado a investigar suposta prática de crimes, em tese, afetos à competência da Justiça Federal. O declínio da competência para a Justiça estadual, ante indícios da prática de delitos a ela sujeitos, a resultar na definição do juízo criminal de determinada comarca, revela ter-se observado o figurino legal.
O inquérito policial constitui procedimento administrativo, de caráter meramente informativo e não obrigatório à regular instauração do processo-crime. Visa subsidiar eventual denúncia a ser apresentada, razão pela qual irregularidades ocorridas não implicam, de regra, nulidade de processo-crime.
Uma vez supervisionados pelo juízo competente e por membro do Ministério Público revestido de atribuição, pouco importa que os procedimentos investigatórios atinentes à operação desencadeada tenham sido presididos por autoridade de Polícia Federal. O art. 5º, LIII, da Constituição da República, ao dispor que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, contempla o princípio do juiz natural, não se estende às autoridades policiais, porquanto não investidas de competência para julgar. Surge inadequado pretender-se a anulação de provas ou de processos em tramitação com base na ausência de atribuição da Polícia Federal para conduzir os inquéritos.
A desconformidade da atuação da Polícia Federal com as disposições da Lei 10.446/2002 e eventuais abusos cometidos por autoridade policial podem implicar responsabilidade no âmbito administrativo ou criminal dos agentes. No caso, por não apresentarem qualquer repercussão no tocante à validade jurídica das provas obtidas, não se mostram passíveis de caracterizar nulidade”.
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