Na lição de Joaquim Bernardes da Cunha, a fiança “é a faculdade concedida ao réu de se livrar solto debaixo de certa caução”. Para Bento de Faria, “é a permissão deferida ao acusado, em certos crimes, de conservar provisoriamente a liberdade para assim tratar de seu livramento mediante a prestação de uma garantia, observadas as obrigações que lhe foram impostas” (ambos citados por Ary Azevedo Franco, Código de Processo Penal, Rio de Janeiro; Editora A noite, 1950, vol. I, p. 328). A essas definições, acrescentamos que a fiança tem por objetivo, ainda, assegurar o “pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado”, nos termos do art. 336 do CPP. Demais disso, evita a total impunidade daquele que, uma vez condenado, não se apresentar para o início do cumprimento da pena, já que perde o valor total da fiança, na letra do art. 344 do código.
Já se entendeu que a natureza jurídica da fiança seria de uma contracautela. Assim, se a manutenção da prisão em flagrante serviria como cautela para garantir a tramitação do processo, a fiança, por seu turno, seria uma contracautela, a impedir, com seu recolhimento, a prisão do agente. A partir, contudo, da Constituição de 1988, que reforçou sobremaneira o princípio da presunção da inocência, essa ideia não mais subsiste. Pode-se afirmar, assim, que a natureza jurídica da fiança é de uma medida cautelar, cujo objetivo é de substituir a prisão em flagrante ou a prisão preventiva (lato sensu), livrando o agente da prisão uma vez recolhida. Essa impressão se reforça ante o disposto no art. 319, inc. VIII, que elenca a fiança dentre as medidas cautelares alternativas à prisão.
Em decisão proferida recentemente (HC 547.385/SP, j. 10/12/2019), o STJ considerou ilegal a manutenção da prisão em virtude da falta de condições financeiras para o recolhimento da fiança. No caso, o agente havia sido preso em flagrante por furto qualificado e foi beneficiado pela liberdade provisória com o pagamento de R$ 500,00 de fiança, em decisão assim fundamentada:
“No caso, entendo não estarem presentes os requisitos para a prisão preventiva. Também, não há elementos nos autos indicativos de se cuidar o indiciado de pessoa de alta periculosidade, sendo primário e sem antecedente. Deste modo, não se pode presumir que solto trará dificuldades à instrução processual, ausentando-se da audiência para evitar o reconhecimento pessoal ou irá se furtar à aplicação da lei penal, caso se confirme ao final a sua culpabilidade. Diante dessas circunstâncias, inexiste risco concreto à ordem pública que justifique a medida drástica e excepcional da prisão preventiva, bastando, no caso, a fixação de medidas cautelares alternativas visando a integridade da vítima”. |
Ocorre que, sem condições financeiras para efetuar o pagamento, o réu permaneceu preso. A defesa chegou a recorrer ao Tribunal de Justiça, que manteve a decisão de primeira instância. O STJ, contudo, considerou ilegal a manutenção da prisão, especialmente se considerada a fundamentação utilizada pelo juiz que arbitrou a fiança:
“Note-se que, ao arbitrar a fiança, o Magistrado de primeiro grau levou em consideração o fato de não haver elementos nos autos indicativos de se cuidar o paciente de pessoa de alta periculosidade, sendo primário e sem antecedente.
Veja-se, também, que apesar de ter concedida a liberdade provisória, o indiciado permaneceu encarcerado em virtude do inadimplemento do valor arbitrado de R$ 500,00 (quinhentos reais). De feito, não me parece ser razoável manter o paciente custodiado apenas em razão do não pagamento da fiança, especialmente quando se alega a impossibilidade de fazê-lo. Além disso, o tempo decorrido de prisão concretamente demonstra a sua incapacidade financeira para o referido pagamento, não podendo tal circunstância se constituir obstáculo à sua liberdade”. |
Para se aprofundar, recomendamos:
Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos