O art. 311 do Código Penal tipifica as condutas de adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor ou de componentes ou equipamentos que integrem o veículo. Em suma, trata-se do ato de alterar caracteres que possibilitam a individualização do veículo em meio aos demais.
Os objetos materiais do crime são o veículo automotor, seus componentes e seus equipamentos. No veículo, o tipo abarca a alteração ou a remarcação de chassi (estrutura que suporta os elementos que integram o veículo) e as placas. Componentes e equipamentos são peças características do veículo automotor, também identificadas com números, como motor, câmbio, vidros, portas, etc.
Todos esses objetos que podem ter o número de identificação adulterado ou remarcado devem ser ligados a um veículo automotor, elemento normativo cuja definição deve ser obtida na legislação de trânsito.
De acordo com o inciso I do art. 96 do Código de Trânsito, quanto à tração os veículos são classificados em (a) automotor, (b) elétrico, (c) de propulsão humana, (d) de tração animal, (e) reboque ou semirreboque.
O Anexo I do mesmo Código, por sua vez, traz as seguintes definições:
“VEÍCULO AUTOMOTOR – todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).
REBOQUE – veículo destinado a ser engatado atrás de um veículo automotor.
SEMI-REBOQUE – veículo de um ou mais eixos que se apóia na sua unidade tratora ou é a ela ligado por meio de articulação.”
Vê-se, portanto, que reboques e semirreboques não podem ser considerados veículos automotores, pois, por definição, não podem circular por seus próprios meios, nem tampouco podem ser considerados equipamentos, tendo em vista que a legislação de trânsito os trata como veículos com características próprias.
Em razão disso, a adulteração e a remarcação de sinal identificador de reboques e semirreboques não se subsumem ao art. 311 do Código Penal, que trata expressa e unicamente do veículo automotor. O princípio da reserva legal e a vedação à analogia in malam partem impedem que se estenda a incidência do tipo penal a objeto material que não se insere estritamente na definição legal.
Foi exatamente o que decidiu o STJ no julgamento do RHC 98.058/MG (j. 24/09/2019), em que dois indivíduos buscavam o reconhecimento da atipicidade em virtude da conduta que lhes havia sido imputada: a adulteração da placa de um semirreboque. Citando precedente do próprio tribunal, assentou a ministra Laurita Vaz:
“Da análise da classificação proposta na Lei n. 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, infere-se que veículos automotores e veículos do tipo reboque ou semirreboque são considerados categorias distintas, inclusive pelo próprio conceito que lhes é atribuído, já que o primeiro é dotado da aptidão de circular por seus próprios meios, ausente no segundo. Tal constatação impede a adequação típica da conduta prevista no aludido dispositivo do Código Penal à que se atribui ao paciente na exordial acusatória em apreço, em respeito ao princípio da legalidade estrita, previsto no artigo 1º do Estatuto Repressor, na sua dimensão da taxatividade”.
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