Nos dias que vivemos ganha cada vez mais espaço a solidariedade social. Não é exagero afirmar que a responsabilidade civil é refuncionalizada a partir da solidariedade social (com repercussões na análise do nexo causal, por exemplo, aceitando uma análise mais flexível, ou mesmo aceitando presunções do nexo causal, em certos contextos, como adiante veremos).
Cabe, antes, uma palavra mais ampla.
A solidariedade, hoje, como princípio jurídico, opõe-se vigorosamente ao individualismo que permeou as práticas jurídicas nos séculos passados. Entre nós, o marco normativo da consagração da solidariedade social foi a Constituição de 1988. Não estamos diante, decerto, da dimensão espiritual ou caritativa da solidariedade, mas em dimensão essencialmente jurídica. O princípio da solidariedade não é oponível apenas ao Estado, mas também aos particulares (é, aliás, o que também destaca a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas). Uma cosmovisão individualista da sociedade reconhece apenas a lógica da competição. O direito civil dos nossos dias – sem desconhecer que a sociedade é, também, o locus da competição – opera com a ideia de cooperação, de solidariedade.
A grande metanarrativa do direito atual é a solidariedade e a realização dos direitos fundamentais dentro (também) do direito privado. Já se percebeu, ademais, que à luz do princípio da solidariedade devem ser lidas não apenas as normas constitucionais, mas todo o ordenamento jurídico. Devemos, por exemplo, em relação à família – mas não só em relação a ela – buscar as construções hermenêuticas que melhor realizem os valores constitucionais. Aliás, neste campo é particularmente forte a importância do princípio da solidariedade social. Devemos funcionalizar as respostas jurídicas para buscar a melhor realização de cada um dos integrantes da família.
A responsabilidade civil dos nossos dias passa por uma filtragem ética e dialoga com os direitos fundamentais. É instrumento de equidade e se funcionaliza na proteção dos cidadãos mais vulneráveis. Há, também, muito forte, a preocupação com as dimensões existenciais do ser humano e com a promoção da funcionalidade dos conceitos, categorias e institutos jurídicos. A dimensão funcional ganha uma importância que não tinha nos séculos passados. Maria Celina Bodin destaca: “De todos estes campos do direito civil, contudo, aquele em que mais claramente se percebe o notável incremento das exigências da solidariedade é o da responsabilidade civil. A propagação da responsabilidade objetiva no século XX, através da adoção da teoria do risco, comprova a decadência das concepções do individualismo jurídico para regular os problemas sociais”. Gustavo Tepedino, nessa ordem de ideias, lembra que “a solução dos conflitos e matéria de responsabilidade civil deve atender aos princípios constitucionais da solidariedade social e da justiça distributiva, que informam todo o sistema, impedindo que se reproduza, de maneira acrítica, a técnica individualista para os novos modelos de reparação”.
Há inúmeras (e criativas) formas de se conjugar a solidariedade social à responsabilidade civil. Pode ocorrer, assim, “que fatores como o risco, conveniências econômicas ou a equidade (em sua vertente voltada à isonomia entre os integrantes da coletividade = solidariedade social) sejam considerados para efeito de afirmar a existência do nexo de imputação”. O nexo causal, hoje, não é visto apenas como uma relação causal cega, mas traz consigo juízos de valor, preferências constitucionais. O nexo causal, lembremos, é conceito jurídico, não fático. Bem por isso, decidir se um dano pode ser imputado a determinado fato implica, inevitavelmente, em valorações. Em outras palavras: o princípio jurídico da solidariedade pode autorizar novas leituras do nexo causal. Uma leitura mais aberta a valores, menos naturalista e mais imputacional.
Podemos ainda lembrar que “a figura do ofensor, antes prioritária na responsabilidade civil, no sentido de identificar o culpado pelo dano, abre espaço à consideração da pessoa do ofendido, que deve ser indenizada por ter sofrido um dano injusto. Busca-se desta maneira novas formas de se possibilitar a efetiva reparação dos danos, seja através da adoção do princípio da solidariedade social como norte da responsabilidade civil, seja através da utilização de presunções, cada vez mais frequentes, no sentido de facilitar este ressarcimento”.
Paulo Lôbo contextualiza: “Dos preceitos constitucionais denota-se a preferência pela responsabilidade objetiva, em razão do risco criado ou do risco da atividade, ainda que lícita. As hipóteses tratadas pela Constituição são voltadas essencialmente à afirmação de três valores, que marcam a transformação contemporânea da responsabilidade civil: a primazia do interesse da vítima, a máxima reparação do dano e a solidariedade social”. Trata-se, assim – enfatiza Bodin de Moraes – de vincular diretamente a responsabilidade civil aos princípios constitucionais da dignidade, da igualdade e da solidariedade.
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