Informativo: 648 do STJ – Processo Penal
Resumo: É dever do Estado a disponibilização da integralidade das conversas advindas nos autos de forma emprestada, sendo inadmissível a seleção pelas autoridades de persecução de partes dos áudios interceptados.
Comentários:
Ao estabelecer os requisitos para a interceptação telefônica, a Lei 9.296/96 o faz de forma negativa e dispõe, no art. 2º, inc. II, que a diligência não será admitida se a prova puder ser feita por outros meios disponíveis. Também não se defere a interceptação se não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou se o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Assim é porque, tratando-se de meio de prova que excepciona a proteção constitucional à intimidade e à inviolabilidade das comunicações telefônicas, deve ser utilizado com parcimônia, não como primeira medida, inclusive porque em muitos casos são captados diálogos entre o investigado e pessoas sobre as quais não recai a suspeita de crime. Se a interceptação foi determinada licitamente, a gravação desses diálogos não a macula, evidentemente, porque não é possível prever com quem o investigado se comunicará.
O fato de se tratar de medida excepcional não impede que o resultado da diligência sirva como prova emprestada, especialmente se na ação penal à qual a prova se dirige se reúnem os elementos de excepcionalidade que justificariam a interceptação. O STJ admite até mesmo que os elementos colhidos durante a interceptação telefônica sirvam de prova em processo administrativo disciplinar:
“O Supremo Tribunal Federal adota orientação segundo a qual, é possível a utilização, como prova emprestada, de interceptações telefônicas derivadas de processo penal, com autorização judicial, no processo administrativo disciplinar, desde que seja assegurada a garantia do contraditório. Precedentes.” (MS 17.815/DF, j. 21/11/2018)
Mas para que a prova emprestada seja válida é necessário que se disponibilize a integralidade dos diálogos interceptados. O STJ firmou a tese de que, mesmo no processo em que se dá originariamente a interceptação, é dispensável a transcrição integral dos diálogos captados, mas é imprescindível que as partes tenham acesso à sua totalidade. Aplica-se à prova emprestada princípio semelhante: é necessário que se remeta do processo originário a integralidade do que foi captado na interceptação para que as partes possam analisar o exato teor da prova emprestada. A seleção de trechos sem continuidade, sem ordenação lógica e com omissão de passagens das gravações é causa de nulidade da prova, principalmente se a condenação se fundamentou densamente nos diálogos selecionados:
“Faculta-se à defesa a integralidade das conversas advindas nos autos de forma emprestada, sendo inadmissível a seleção pelas autoridades de persecução acerca das partes a serem extraídas, mormente quando atestado no tribunal de origem a existência de áudios descontinuados, sem ordenação sequencial lógica e com omissão de trechos da degravação, em que os excertos colacionados destas interceptações constituem prova que interessa apenas ao Ministério Público. Esta Corte Superior possui entendimento de que a prova produzida durante a interceptação não pode servir apenas aos interesses do órgão acusador, sendo imprescindível a preservação da sua integralidade, sem a qual se mostra inviabilizado o exercício da ampla defesa, tendo em vista a impossibilidade da efetiva refutação da tese acusatória. O emprego de trechos da interceptação pode ensejar a extração de conversas descontextualizadas, de modo que a falta de acesso ao inteiro teor das mídias obsta que a defesa possa impugná-las no momento oportuno, notadamente quando a condenação se fundamenta na prova combatida. Sendo assim, uma vez lastreada a condenação fortemente nas provas obtidas durante o monitoramento telefônico, advindo de prova emprestada, constata-se flagrante prejuízo à defesa não ser facultado o amplo acesso à integralidade da prova, motivo pelo qual deve ser reconhecida a nulidade.” (REsp 1.795.341/RS, j. 07/05/2019)
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Livro: Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal Comentados por Artigos