Informativo: 643 do STJ – Direito Penal
Resumo: A existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime.
Comentários:
A primeira etapa de aplicação da pena privativa de liberdade tem por finalidade fixar a pena-base, partindo do preceito secundário simples ou qualificado estampado no tipo incriminador, sobre o qual incidirão as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima.
Cada uma destas circunstâncias é baseada em aspectos distintos que envolvem o crime e seu autor. Resumidamente, podemos diferenciá-las da seguinte forma:
- Culpabilidade: corresponde ao maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta do agente.
- Antecedentes: representa a vida pregressa do agente, sua vida antes do crime. Trata-se das condenações definitivas que não caracterizam a agravante da reincidência.
- Conduta social: trata-se do comportamento do réu no seu ambiente familiar, de trabalho e na convivência com os outros.
- Personalidade do agente: cuida-se, aqui, do retrato psíquico do delinquente. De maneira precisa, pontuou o Superior Tribunal de Justiça que: “A circunstância judicial referente à ‘personalidade do agente’ não pode ser valorada de forma imprecisa ou objetivamente desamparada porquanto, através de considerações vagas e insuscetíveis de controle, a sua utilização acarretaria a ampla e inadequada incidência do Direito Penal do Autor” (REsp 513.64, DJ 01/07/2004).
- Motivos do crime: correspondem ao “porquê” da prática da infração penal. Entende-se que esta circunstância judicial só deve ser analisada quando os motivos não integrem a própria tipificação da conduta, ou não caracterizem circunstância qualificadora ou agravante, sob pena de bis in idem.
- Circunstâncias do crime: exigem do magistrado a análise da maior ou menor gravidade do crime espelhada pelo modus operandi do agente.
- Consequências do crime: são os efeitos decorrentes da infração penal, seus resultados, particularmente para a vítima, para sua família ou para a coletividade.
- Comportamento da vítima: a culpa concorrente da vítima não elide, não compensa a culpa do agente, mas pode atenuar sua responsabilidade.
Se cada circunstância cuida de um aspecto específico envolvendo a prática criminosa, não é possível utilizar em uma delas um dado correspondente a outra, como decidiu o STJ no HC 472.654/DF, j. 21/02/2019).
No caso, o agente havia sido condenado pela prática de roubo. Na aplicação da pena, sua personalidade foi considerada negativamente com base em folha de antecedentes. O Tribunal de Justiça local manteve a sentença, mas o Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem de habeas corpus para afastar a valoração negativa da personalidade. Segundo o tribunal:
“A consideração desfavorável da personalidade do agente, nesse sentido, deve ser aferida a partir do seu modo de agir, podendo-se avaliar a insensibilidade acentuada, a maldade, a desonestidade e a perversidade demonstrada e utilizada pelo criminoso na consecução do delito. Sua aferição somente é possível se existirem, nos autos, elementos suficientes e que efetivamente possam levar o julgador a uma conclusão segura sobre a questão. Nesses termos, a Sexta Turma, em recente julgado – cuja ratio decidendi é perfeitamente aplicável no presente caso –, considerou que “a valoração negativa da vetorial conduta social com base em condenações definitivas por fatos anteriores é ilegal, pois estas se prestariam ao sopesamento negativo da circunstância judicial relativa aos antecedentes” (HC 457.039/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 07/11/2018). Vê-se, pois, que não há justificativa para se aplicar o referido entendimento para o vetor da conduta social e desprezá-lo no que tange à personalidade, haja vista que, reitere-se, a razão de decidir é a mesma. No mesmo sentido, a Quinta Turma deste Tribunal Superior consolidou o entendimento de que “condenações transitadas em julgado não constituem fundamento idôneo para análise desfavorável da personalidade ou da conduta social do agente”. Ademais, corroborando com a tese ora defendida, o legislador conferiu ao julgador maior discricionaridade – mesmo que ainda vinculada aos parâmetros legais – ao não prever, no art. 59 do Código Penal, um quantum mínimo ou máximo para a exasperação da pena-base. De fato, cabe à prudência do (da) Magistrado (a) fixar, com a devida fundamentação e dentro de parâmetros razoáveis e proporcionais, o patamar que entender mais adequado e justo ao caso concreto. Nessa perspectiva, com o permissivo da lei, é legítimo que o (a) Magistrado (a), na hipótese de haver mais de uma condenação transitada em julgado em desfavor do Réu, eleve a pena, por exemplo, acima do patamar de 1/6 (um sexto), já que a existência de múltiplas sentenças penais definitivas denotam que seus antecedentes lhe são mais desfavoráveis. Respeita-se, concomitantemente, o princípio da legalidade e da individualização da reprimenda”.
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