Tenho lido artigos e matérias publicadas em diversos meios de comunicação acerca do denominado Projeto de Lei Anticrime, do Ministro Sérgio Moro.
Uma das principais críticas é que dispositivos nele constantes estariam dando autorização para o policial matar, o que não é verdade.
Neste conciso artigo pretendo analisar um deles, que trata do chamado excesso exculpante.
O artigo 23 do Código Penal traz quatro hipóteses em que não haverá crime, por ausência de antijuricidade.
A hipótese mais conhecida é a legítima defesa, que vem definida no artigo 25 do Código Penal: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”.
Como qualquer outra causa excludente da antijuricidade, também conhecida como justificativa, o agente não poderá ultrapassar seus limites, quando ela desaparecerá e ocorrerá o excesso, que pode ser doloso ou inconsciente (ou involuntário). Assim, haverá o excesso doloso ou o inconsciente quando o agente se valer de meios desnecessários ou imoderados, nos termos do parágrafo único, do artigo 23 do Código Penal, que dispõe: “Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade; II – em legítima defesa; III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível. Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”.
Como meio necessário deve ser entendido aquele suficiente e que o agente tinha à sua disposição para a salvaguarda de um bem juridicamente protegido ou exercício de um direito.
Já o meio moderado é aquele que não ultrapassa os limites razoáveis da justificativa para a proteção do bem jurídico tutelado ou exercício de um direito.
Ocorrerá o excesso doloso ou consciente quando o agente, que inicialmente agia amparado por uma justificativa, continua a agir, mesmo tendo consciência da desnecessidade ou imoderação de sua conduta. Esse excesso leva o agente a responder pelo fato praticado a título de dolo (CP, art. 23, parágrafo único).
Ocorrerá o excesso inconsciente (ou involuntário), quando o agente, que inicialmente agia amparado por uma justificativa, por erro, continua a agir, sem portar a consciência da desnecessidade ou imoderação da continuação de sua conduta.
Existindo o excesso inconsciente, deve ser verificado se ele deriva de erro de tipo ou de proibição.
Se o excesso inconsciente deriva de erro sobre os pressupostos de fato da excludente de ilicitude, trata-se de erro de tipo (art. 20, § 1º, do CP). Se invencível, exclui-se o dolo e culpa; caso vencível, surge o excesso culposo, respondendo o agente por delito culposo, com fundamento no art. 23, parágrafo único, parte final, combinado com o art. 20, § 1º, 2ª parte, ambos do Código Penal.
Porém, se o excesso inconsciente deveu-se a erro sobre os limites normativos da excludente de ilicitude, trata-se de erro de proibição (art. 21, do CP). Se invencível, exclui a culpabilidade e o isenta de pena; caso vencível, não há exclusão da culpabilidade, incorrendo o agente em crime doloso com a atenuação da pena imposta de um sexto a um terço, com fundamento no art. 23, parágrafo único, parte final, combinado com o art. 21, caput, parte final, ambos do Código Penal. Se o erro for considerado invencível, a culpabilidade será excluída; se o erro for vencível, subsiste a culpabilidade, mas a pena pelo crime doloso será diminuída de um sexto a um terço, nos termos do art. 21 do Código Penal.
Dessa forma, verifica-se que se o erro incidir sobre situação de fato e levar ao excesso, este será derivado de erro de tipo; todavia, se o erro incidir sobre matéria de direito (ilicitude do fato) e ensejar o excesso, será ele derivado de erro de proibição.
Para que seja possível analisar a moderação, é exigido por coerência lógica que os meios empregados fossem necessários por ocasião da conduta. Na grande maioria das situações, a análise do excesso, notadamente quanto à moderação, ocorrerá na excludente da legítima defesa (art. 25 do CP), que expressamente se refere ao emprego moderado dos meios necessários para a repulsa da injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
É a análise do caso concreto, ou seja, das provas produzidas, que levará o Magistrado Togado, ou os Jurados, a decidir sobre a ocorrência do excesso doloso ou o inconsciente. Essa decisão em muitas vezes é de difícil tomada, diante do aspecto volitivo do agente, ou seja, se ele excedeu com dolo ou se incorreu em erro.
Parte da doutrina admite, ainda, o excesso exculpante, tendo por fundamento a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Assim, o sujeito por medo, surpresa ou perturbação dos sentidos, decorrente de uma dada situação, acabaria se excedendo. De tal forma, se o sujeito, ao defender-se de uma agressão atual e injusta contra a sua pessoa, acaba se excedendo por medo e matando o agressor com disparos de arma de fogo além do necessário, poderia invocar o excesso exculpante em seu favor e ter, com isso, excluída a culpabilidade, com a isenção de sua pena, ou reduzida a culpabilidade, o que levará a redução de sua pena.
Contudo, vários juristas têm se insurgido contra dispositivo previsto no Projeto de Lei Anticrime, do Ministro Sérgio Moro, voltando a dizer que será dada autorização para matar diante do teor da norma, que isentaria de pena o policial que matar em serviço, caso alegue se encontrar com medo, for surpreendido ou acometido por violenta emoção.
Com o devido respeito, não é bem assim. Essa previsão de isenção ou redução de pena já era reconhecida pela doutrina e jurisprudência, não havendo, porém, sua regulação e limitação. O que o projeto fez foi regulá-la e, com isso, limitar o âmbito de sua aplicação não apenas para os policiais, mas para todas as pessoas.
O projeto inclui o § 2º, no artigo 23 do Código Penal, que prevê: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Note-se que não basta que o agente se exceda em razão de medo, surpresa ou violenta emoção. Estas emoções devem ser escusáveis, ou seja, desculpáveis, de modo que o agente não tivesse outra forma de agir. Assim, dificilmente o policial poderá alegar o excesso nestas hipóteses, pois ele é treinado para que elas não ocorram. Da mesma maneira, quem deu causa a essas situações não poderá argui-las em seu favor, pois o excesso não será escusável.
Com efeito, o projeto veio apenas a trazer luz para uma situação não regulada normativamente, mas constantemente aplicada pela jurisprudência e aceita pela doutrina, devendo, ao invés de ser criticado, aplaudido.