Informativo: 639 do STJ – Direito Penal
Resumo: A Súmula Vinculante n. 24 tem aplicação aos fatos ocorridos anteriormente à sua edição.
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Nos crimes materiais contra a ordem tributária, questionava-se amplamente a possibilidade de ajuizamento da ação penal sem que o órgão fazendário pudesse exigir o tributo pela via da execução fiscal. Argumentava-se que se no âmbito fiscal não se havia esgotado o procedimento de cobrança do tributo, impedindo portanto que o Estado o exigisse (art. 151, III, do Código Tributário), não seria possível utilizá-lo como fundamento da pretensão punitiva criminal. Além disso, lançar mão precocemente da via criminal significava ignorar a eficácia da fiscalização e da execução das dívidas tributárias pelos órgãos estatais, invertendo as prioridades de atuação entre o Direito Tributário e o Direito Penal.
Não bastasse isso, uma das vertentes que sustentavam a tese da impossibilidade de instauração da ação penal antes do esgotamento da via administrativa argumentava que, sem o pronunciamento formal de que o tributo era devido, não havia sequer a possibilidade de tipificação, pois o crime objeto do debate consistia em “suprimir ou reduzir” tributo ou contribuição social (art. 1º da Lei nº 8.137/90). Se não havia se estabelecido formalmente a existência do tributo suprimido ou reduzido, o tipo penal não poderia ser considerado perfeito.
Foram reiteradas as decisões do STF a respeito da impossibilidade de deflagrar a ação penal sem a constituição definitiva do tributo, até que o tribunal editou a súmula vinculante nº 24, segundo a qual “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Editada a súmula, houve quem sustentasse sua irretroatividade, pois, tratando-se de interpretação que retira a tipificação do momento da conduta e a transfere para o momento da inscrição definitiva do tributo, provoca consequência direta no início do cômputo da prescrição, que, evidentemente, não pode correr se ainda não há crime tipificado. É o que sustenta Hugo de Brito Machadohttp://periodicos.ufc.br/nomos/article/download/870/847):
“Com apoio no que foi aqui exposto, podemos firmar as seguintes conclusões:
1ª) O prazo de prescrição da ação penal, relativa ao crime previsto no art. 1º, da Lei nº 8.137/90, antes do trânsito em julgado da sentença, é de 12 anos e começa a fluir no dia em que o crime se consumou, que nos termos da Súmula Vinculante nº 24 é a data do lançamento definitivo do tributo.
2ª) A regra consubstanciada na Súmula Vinculante nº 24 não produz os efeitos peculiares a essa espécie normativa, para o passado, de sorte que em relação aos crimes de supressão ou redução de tributo, nos quais a conduta do autor consumou-se antes dela, a prescrição começou a correr independentemente do lançamento definitivo do tributo a que se refiram.
3ª) A Súmula Vinculante nº 24 também não pode retroagir para adiar o início do prazo de prescrição, validando em prejuízo do réu a denúncia por crime contra a ordem tributária, porque a retroatividade em prejuízo do réu está expressamente vedada pela Constituição Federal.
4ª) Mesmo que se tenha dúvida a respeito da questão de saber se em relação aos ilícitos tributários praticados antes do advento da Súmula Vinculante 24 a prescrição da ação penal começa na data em que esteja consumado o ilícito, ou na data do lançamento definitivo do tributo, essa dúvida deve ser resolvida a favor do réu, vale dizer, na dúvida devemos considerar que se consumou a prescrição.”
O STJ chegou a proferir decisões segundo as quais fatos ocorridos muito anteriormente à edição da súmula não poderiam sofrer seus efeitos, sob pena de fomentar a insegurança jurídica. Decidiu a Sexta Turma no julgamento do REsp 1.318.662/PR:
“1. Deve ser mantida a decisão agravada, que considerou como marco inicial da prescrição da pretensão punitiva estatal a data do fato (1998), e não a do lançamento definitivo do tributo, visto que, à época, muito anterior ao leading case sobre a matéria e ao enunciado da Súmula Vinculante n. 24 do STF, o exaurimento da via administrativa não obstava a tipificação do crime tributário que somente mais de uma década depois foi erigido a delito material, cuja consumação pressupõe a efetiva lesão ao erário. 2. Agravo regimental não provido.”
Ocorre que a Terceira Seção do tribunal, julgando embargos de divergência opostos no mesmo recurso especial, firmou a orientação de que a súmula vinculante 24 se aplica a fatos ocorridos antes de sua edição, tendo em vista que não se trata de retroatividade maléfica, mas tão somente de consolidação da orientação que o tribunal já vinha adotando nos julgamentos relativos a crimes materiais contra a ordem tributária:
“Assim, o delito imputado ao embargado (art. 1º da Lei n. 8.137/1990) somente se consuma, segundo a pacífica jurisprudência, com o lançamento definitivo do crédito tributário, momento em que nasce a justa causa para a ação penal. Desse modo, é inevitável concluir que o curso do prazo da prescrição da pretensão punitiva somente pode ter início com a própria constituição definitiva do crédito, após o encerramento do processo administrativo de lançamento previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional, conforme inclusive prevê o art. 111, I, do Código Penal. Convém rememorar por fim, que a Súmula Vinculante n. 24/STF, aprovada na sessão plenária de 02/12/2009 (DJ de 11/12/2009), não trouxe novos contornos para a questão, uma vez que referido enunciado nada mais fez do que consolidar o entendimento jurisprudencial que já era aplicado tanto no âmbito do STF como do col. STJ, razão pela qual não se pode falar em indevida aplicação retroativa do referido texto sumular.”
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