1) A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
A regra é a de que as atenuantes sempre atenuam a pena, por previsão expressa do artigo 65, caput, do Código Penal. A doutrina alerta, porém, sobre a existência de exceções:
1ª) Não incide a atenuante quando a circunstância já constitui ou privilegia o crime. Trata-se de exceção criada pela doutrina e que merece atenção. A mesma regra se aplica às agravantes (neste caso, por expressa disposição legal), mas a razão para a agravante não incidir quando também qualifica ou constitui o crime é evitar o bis in idem. Em se tratando de atenuantes, não existe esse perigo. Logo, sem previsão legal (e que venha logo lei corrigindo essa lacuna), parece-nos que esta exceção ofende o princípio da legalidade, configurando analogia in malam partem.
2ª) Por força de interpretação jurisprudencial, a pena intermediária não pode ficar aquém da sanção mínima cominada ao tipo penal. Em outras palavras, na segunda fase de aplicação da pena o juiz está adstrito aos limites previstos no tipo penal. Assim, se a pena-base for fixada no mínimo, a atenuante não incidirá. Neste sentido, aliás, é a Súmula 231 do STJ. Nos precedentes, o tribunal estabeleceu a impossibilidade de a atenuante levar a pena abaixo do mínimo legal em basicamente quatro argumentos: 1) desde a elaboração do Código, em 1940, a tese contrária nunca mereceu destaque; 2) a desconsideração do limite mínimo provocaria indeterminação no sistema penal, com tratamentos infundadamente muito díspares, o que contraria a reserva legal; 3) admitida a tese de que a atenuante pode desconsiderar o limite mínimo da pena, qual seria o limite? A pena “zero”? 4) a expressão “sempre atenuam a pena”, contida no caput do art. 65 do CP, deve ser interpretada em sentido teleológico, não literal. Ou seja, as atenuantes “sempre atenuam” desde que a pena-base não tenha sido aplicada no mínimo. Do contrário, como as agravantes “sempre agravam a pena”, o limite máximo cominado ao delito também poderia ser ignorado na segunda fase de aplicação.
2) Em observância ao critério trifásico da dosimetria da pena estabelecido no art. 68 do Código Penal – CP, não é possível a compensação entre institutos de fases distintas.
O Código Penal, em seu artigo 68, adotou o sistema trifásico (ou Nélson Hungria) para o cálculo da pena privativa de liberdade. Assim, sobre a pena cominada:
1) na primeira fase, estabelece-se a pena-base atendendo às circunstâncias judiciais trazidas pelo artigo 59 do CP: culpabilidade do agente (que nada tem a ver com a “culpabilidade” como substrato do crime, mas sim com o maior ou menor grau de reprovabilidade da conduta); antecedentes; conduta social do agente (comportamento do réu no seu ambiente familiar, de trabalho e na convivência com os outros); personalidade do agente (retrato psíquico do delinquente); motivos do crime; circunstâncias do crime; consequências do crime; comportamento da vítima.
2) na segunda fase, sobre a pena-base incidirão eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes (arts. 61, 62, 65 e 66);
3) na terceira fase, encerrando o quantum da reprimenda, serão consideradas as causas de diminuição e aumento de pena previstas tanto na Parte Geral como na Especial do Código.
Considerando que se trata de fases com fundamentos distintos, não pode o juiz compensar elementos de fases distintas, como circunstâncias judiciais com atenuantes ou atenuantes com causas de aumento:
“A vindicada compensação entre a atenuante da menoridade relativa e a causa de aumento de pena referente ao fato de o incêndio ter ocorrido em casa habitada (CP, art. 250, § 1º, II, “a”) implicaria subversão do critério trifásico estabelecido pela legislação penal, pois tais circunstâncias devem ser sopesadas em etapas distintas da individualização da pena. Precedentes.” (HC 406.709/SC, j. 14/09/2017)
“Em observância ao critério trifásico estabelecido no art. 68 do Código Penal, as circunstâncias atenuantes não podem ser compensadas com circunstâncias judiciais desfavoráveis ou causa de aumento de pena. Nesse diapasão, a pretendida compensação é indevida, conforme inteligência do art. 68 do Código Penal, tendo em vista que tais elementos são valorados em fases distintas da dosimetria.” (AgRg no HC 447.785/SC, j. 11/09/2018)
3) O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.
O art. 157, § 2º, do CP estabelece para o crime de roubo cinco causas de aumento que podem provocar a elevação da pena abstratamente cominada de um terço à metade. Como são múltiplas as majorantes e variáveis as frações de aumento, a jurisprudência chegou a estabelecer um critério de majoração baseado no número de circunstâncias presentes: 1/3, 3/8, 5/12, 11/24 e 1/2 para, respectivamente, uma, duas, três, quatro ou cinco majorantes (à época ainda vigorava o inc. I, revogado pela Lei 13.654/18, e não existia o inc. VI, inserido pela mesma lei).
Ao longo do tempo, no entanto, os tribunais superiores firmaram o entendimento de que somente o número de circunstâncias majorantes não é suficiente para aumentar a pena em fração maior de um terço. Para que se opere o aumento, deve o juiz justificar concretamente a necessidade de pena maior em virtude da efetiva gravidade do crime. O STJ consolidou a orientação por meio da súmula nº 443, cujo teor vem sendo reiterado:
“- Nos termos do disposto no enunciado n. 443 da Súmula desta Corte, “o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.
– Na hipótese, o aumento da pena em fração superior a 1/3 ocorreu em razão da quantidade de majorantes, sem a indicação de fundamentação concreta, a evidenciar a necessidade de aplicação da fração mínima.” (AgRg no HC 472.221/RJ, j. 04/12/2018)
Note-se, no entanto, que com a entrada em vigor das novas majorantes do § 2º-A (Lei 13.654/18), esta regra pode se relativizar. Se o roubo for cometido em circunstâncias que correspondam a majorantes dispostas nos dois parágrafos, ao juiz é possível limitar-se a um só aumento (art. 68, parágrafo único, do CP) ou aplicar os dois aumentos – conforme as finalidades da pena e as circunstâncias do caso concreto –, seguindo, na segunda hipótese, o princípio da incidência isolada (o segundo aumento recai na pena precedente, não na já aumentada). Assim, num roubo cometido em concurso de pessoas e com emprego de arma de fogo, o juiz pode tanto aplicar apenas o aumento de 2/3 relativo ao emprego da arma, como também pode fazer incidir os aumentos de 1/3 a 1/2 pelo concurso de agentes e de 2/3 pelo emprego do artefato.
4) Incide a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do CP na chamada confissão qualificada, hipótese em que o autor confessa a autoria do crime, embora alegando causa excludente de ilicitude ou culpabilidade.
A confissão é simples quando o acusado assume a prática dos fatos que lhe são atribuídos. Pode ser total (o agente confessa o crime com todas as suas circunstâncias) ou parcial (caso em que não se admitem, por exemplo, qualificadoras ou causas de aumento). Já na confissão qualificada, o réu admite a autoria do evento, mas alega fato impeditivo ou modificativo do direito (como a presença de uma excludente de ilicitude ou culpabilidade).
O art. 65, III, d, do CP dispõe que se atenua a pena se o agente confessa espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime. Diante dos conceitos expostos no parágrafo anterior, indaga-se: Incide a atenuante quando a confissão é qualificada (ou somente quando simples)?
No Supremo Tribunal Federal, a matéria é controvertida, pois há decisões no sentido de que é possível aplicar a atenuante mesmo quando a confissão é qualificada (HC 99.436), assim como já se decidiu pela impossibilidade de atenuar a pena nas mesmas circunstâncias (HC 119.671). No Superior Tribunal de Justiça, firmou-se o entendimento de que a confissão, ainda que parcial, deve ser considerada para atenuar a pena se utilizada como fundamento para a condenação (súmula nº 545).
O STJ impunha que a confissão fosse relativa ao fato típico atribuído ao agente; caso se tratasse de admissão parcial para tentar modificar a imputação, não incidia a atenuante. Era, por exemplo, o caso de quem assumia a subtração mas negava o emprego de violência ou grave ameaça (HC 301.063/SP, DJe 18/9/2015). Há, no entanto, decisões recentes em que o tribunal mitiga a exigência de correspondência estrita entre a confissão e a imputação:
“Embora a simples subtração configure crime diverso – furto -, também constitui uma das elementares do delito de roubo – crime complexo, consubstanciado na prática de furto, associado à prática de constrangimento, ameaça ou violência, daí a configuração de hipótese de confissão parcial.” (AgRg no HC 452.897/SP, j. 07/08/2018)
5) A condenação transitada em julgado pelo crime de porte de substância entorpecente para uso próprio gera reincidência e maus antecedentes, sendo fundamento idôneo para agravar a pena tanto na primeira como na segunda fase da dosimetria.
Esta tese perdeu efeito diante de recentes decisões proferidas por ambas as Turmas com competência criminal no STJ.
O art. 28 da Lei nº 11.343/06 pune quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. As penas consistem em advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Nota-se, portanto, que a posse de drogas para uso próprio não acarreta nenhuma espécie de privação de liberdade, o que, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.343/06, provoca debates a respeito da natureza jurídica da infração, ou seja, se ainda permanece a natureza de infração penal ou se houve a descriminalização.
No julgamento do RE 430.105/RJ, o STF considerou que a posse de drogas para consumo pessoal mantém a natureza criminosa, diferenciando-se das demais figuras delituosas apenas quanto às consequências, já que não se aplica pena privativa de liberdade. O STJ tem seguido o mesmo entendimento firmado pelo STF no RE 430.105, isto é, considera que a conduta de posse de droga para uso pessoal mantém a natureza criminosa, apesar da despenalização promovida pela Lei nº 11.343/06.
Em razão disso, decidia-se reiteradamente que embora a despenalização impedisse a aplicação de pena privativa de liberdade, a natureza criminosa da conduta podia provocar efeitos na pena privativa aplicada em outros crimes. Dessa forma, a condenação anterior pelo cometimento de uma das condutas do art. 28 da Lei nº 11.343/06 podia atrair a agravante da reincidência:
“A conduta prevista no art. 28 da Lei n. 11.343⁄06 conta para efeitos de reincidência, de acordo com o entendimento desta Quinta Turma no sentido de que, “revela-se adequada a incidência da agravante da reincidência em razão de condenação anterior por uso de droga, prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343⁄06, pois a jurisprudência desta Corte Superior, acompanhando o entendimento do col. Supremo Tribunal Federal, entende que não houve abolitio criminis com o advento da Lei n. 11.343⁄06, mas mera “despenalização” da conduta de porte de drogas” (HC 314594⁄SP, rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 1⁄3⁄2016)” (HC 354.997/SP, j. 28/03/2017).
Mas a Sexta Turma do STJ inaugurou nova tendência ao negar provimento a recurso especial (REsp 1.672.654/SP, j. 21/08/2018) interposto pelo Ministério Público de São Paulo contra decisão do Tribunal de Justiça que deu provimento ao recurso da defesa para afastar a reincidência decorrente da condenação anterior por posse de drogas para uso próprio.
Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, embora o art. 28 da Lei 11.343/06 tenha caráter criminoso, fazer incidir a agravante da reincidência em virtude de condenação anterior por este crime viola o princípio da proporcionalidade. Isto porque se não há previsão legal de pena privativa de liberdade, considerar em desfavor do agente a reincidência significa lhe conferir tratamento mais severo do que se houvesse sido condenado por contravenção penal, que, passível de prisão simples, não gera reincidência, como se extrai dos artigos 63 do Código Penal e 7º do Decreto-lei 3.688/41.
Em seguida, a Quinta Turma do tribunal decidiu exatamente no mesmo sentido:
“Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código Penal, que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006 configurar reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade”. (HC 453.437/SP, j. 04/10/2018)
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