Sabe-se que a palavra do ofendido tem especial importância na apuração do crime. Por conta disso, o legislador considerou relevante sua oitiva, dedicando-lhe um capítulo próprio na parte concernente à prova, e a jurisprudência tem especial apreço por sua palavra, “devendo seu relato ser apreciado em confronto com os outros elementos probatórios, podendo, então, conforme a natureza do crime, muito contribuir para a convicção do juiz”, como ensina Magalhães NoronhaCurso de direito processual penal, São Paulo: Saraiva, 2002, 28ª. ed., p. 111.
O relato da vítima se destaca sobretudo em delitos cometidos às ocultas, dentre os quais se sobressaem os de natureza sexual, que normalmente não deixam testemunhas presenciais. Se não se vislumbra, no proceder da vítima, nenhuma intenção de incriminar falsamente, seu depoimento assume valor extraordinário. Nisso, inclusive, se fundamenta a orientação do STJ:
“10. 1’Este Sodalício há muito firmou jurisprudência no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, geralmente ocorridos na clandestinidade, a palavra da vítima adquire especial importância, desde que verossímil e coerente com os demais elementos de prova’ (AgRg no REsp 1695526/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 04/06/2018).
10.1. Na hipótese em foco, a Corte local destacou a unicidade dos depoimentos das vítimas, os quais foram corroborados por elementos trazidos por testemunhas. Inexistência de ilegalidade.” (AgRg no REsp 1.730.708/RO, j. 02/10/2018)
Ocorre que o relato da vítima é sempre analisado no contexto, de forma que se lhe confira a devida relevância quando todos os indícios, reunidos, dão-lhe a necessária verossimilhança. Mas há situações em que, pelas condições da vítima, suas declarações podem se tornar inviáveis, como no caso de crianças de tenra idade, que ainda não têm plenas condições de apreender a realidade. Em tais situações, outros elementos de prova mitigam o protagonismo das declarações da vítima e podem conduzir à absolvição caso tais declarações não sejam vigorosamente corroboradas.
Com base nisso, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um homem acusado de abusar sexualmente de sua filha. No caso, o agente havia ajuizado ação de regulamentação de visitas porque vinha tendo dificuldade para manter contato com a filha. Estabelecido o direito de visitas, a mãe da criança acusou a ocorrência do abuso sexual, o que levou à suspensão da visitação e ao processo criminal por estupro.
No curso das apurações, foram realizados estudos psicológicos sobre a vítima, mas tais estudos foram inconclusivos, ou seja, não puderam estabelecer, com a certeza necessária, a ocorrência de algum tipo de abuso sexual, o que, para a 9ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, tornava inviável a condenação, baseada unicamente nos relatos da vítima e em testemunhos que, no conjunto, eram demasiadamente frágeis.
Note-se, no entanto, que a imprescindibilidade do exame psicológico já foi afastada pelo STJ, que, embora reconhecendo sua utilidade na apuração dos danos provocados por abusos sexuais, decidiu não se tratar de elemento obrigatório para a condenação:
“3. ‘O art. 159 do CPP diz respeito ao exame de corpo de delito e a outras perícias, os quais não incluem o laudo psicológico realizado na vítima, normalmente confeccionado para avaliar os danos sofridos com o abuso sexual, não constituindo o aludido diagnóstico prova obrigatória nem imprescindível para a comprovação do delito ou de sua materialidade’ (AgRg no AREsp 531.398/GO, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, DJe 4/8/2015).” (AgRg no REsp 1.721.564/SP, j. 17/05/2018)
O que se pode concluir é que as circunstâncias do caso concreto devem ditar a necessidade do exame psicológico para a comprovação do crime. Muitas vezes, mesmo que se trate de vítima incapaz de oferecer um relato adequado, as provas materiais de abuso deixam evidente a ocorrência do crime, situação em que o exame psicológico se torna dispensável. Em outros casos, porém, pode não haver vestígios materiais que comprovem de plano o abuso, o que conduz à necessidade de uma apuração mais refinada que afaste a possibilidade de uma condenação injusta.