Um dos efeitos da sentença penal condenatória consiste em tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, nos termos do art. 91, inc. I, do Código Penal Art. 91 - São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;. De tal forma que, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória proferida pelo juízo penal, pode a vítima, seu representante legal ou seus herdeiros promover, no âmbito civil, a ação de reparação de dano, conforme estabelece expressamente o art. 63 do CPP:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.”
Dessa forma, estabelecida a responsabilidade pela prática de um crime, a sentença criminal faz coisa julgada na esfera civil, onde será apenas liquidada. Assim, se é reconhecido, em um processo criminal, que o réu cometeu homicídio, transitada em julgado esta sentença condenatória o debate não pode ser reaberto em processo de responsabilidade civil. Não teria cabimento, com efeito, que o juízo criminal afirmasse a culpa e um juiz cível, ao contrário, dissesse não ter havido o crime. A questão relativa à responsabilidade criminal, portanto, ficou definitivamente resolvida com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Com base nisso, e tendo em vista a obrigação de indenizar contida no art. 91 do CP, o STJ confirmou, em recurso especial (REsp 1.615.979/RS, j. 12/06/2018) decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que estabeleceu o pagamento de danos morais e de pensão mensal a familiares de uma vítima de homicídio. Há, no julgado, ao menos dois pontos interessantes que merecem destaque.
Em primeiro lugar, discutia-se no recurso a legitimidade passiva de um dos condenados, a quem se atribuiu responsabilidade por homicídio culposo por excesso na legítima defesa. Argumentava o recorrente que, tendo agido em legítima defesa, não estava obrigado a indenizar, na esteira do disposto no art. 188, inc. I, do Código Civil:
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”
No entanto, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino – relator do recurso no STJ – apontou que a legítima defesa de que trata o Código Civil deve ser analisada à luz dos conceitos relativos ao Direito Penal. Por isso, reconhecido o excesso na esfera criminal, o ato deixa de ser lícito, ainda que o agente tenha se excedido culposamente:
“Em que pese o recorrente possa ter, em algum momento do chamado iter criminoso, estado em situação de legítima defesa, desde que dela passou a usar imoderadamente, ingressou na seara da ilicitude e, assim, da punibilidade penal e, consequentemente, adentrou no âmbito da compensação civil dos danos por ele causados.
(…)
Ora, se antijuridicidade é contradição ao direito e o excesso na legítima defesa é punível, porque vedado (acaso se tipifique o fato como crime), é evidente que, na espécie, não haverá falar em ausência de ilicitude na conduta do recorrente e, assim, em aplicação do art. 188 do CC.”
O segundo ponto interessante do julgamento foi o reconhecimento de danos morais mesmo diante da inexistência de vínculo formal entre a vítima do homicídio e uma das pessoas indenizadas.
Com efeito, as instâncias ordinárias haviam estabelecido indenização por danos morais em favor da filha do homem assassinado e da mãe dela, que, no entanto, não era com ele casada nem matinha com ele união estável. Alegava-se, portanto, no recurso especial, que a inexistência de real vínculo afetivo tornava imprópria a indenização por danos morais.
Valendo-se, todavia, do conceito de vítimas por ricochete, o ministro relator reconheceu a ocorrência do dano em virtude de se tratar de pessoa que havia tido uma filha com a vítima do homicídio, com quem sem dúvida compartilhava as complexas responsabilidades inerentes à criação e à educação da menina, o que caracteriza vínculo suficientemente profundo para lhe causar intenso sofrimento:
“Em sede doutrinária, já defendi que a definição da legitimidade das vítimas por ricochete em face do dano morte apresenta grande relevância prática, em face da necessidade de se limitar o leque de pessoas atingidas reflexamente pelo evento danoso e, assim, de legitimados para postular a correspondente compensação.
A propósito, ponderei (in Princípio da Reparação Integral, Ed. Saraiva, 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: 2011, p. 294):
Fatos graves, como a morte trágica de uma pessoa em desastre aéreo ou em acidente de trânsito, afetam drasticamente não apenas os parentes próximos (filhos, pais, cônjuge, irmãos), mas também atingem fortemente os amigos do falecido e demais familiares mais distantes. A dificuldade está em estabelecer os limites de parentesco ou de amizade para o reconhecimento da ocorrência desse dano extrapatrimonial pelo prejuízo de afeição, o que é relevante para efeito de se fixar a legitimidade para a propositura da ação indenizatória.”
Por fim, manteve-se a obrigação de pagar pensão mensal à filha da vítima até que ela complete vinte e quatro anos de idade, sendo que o dies a quo da obrigação foi fixado no momento do falecimento, não no do ajuizamento da ação, pois foi a partir daquele momento que a menor se tornou absolutamente privada dos cuidados do pai.
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