O art. 1º da Lei 9.455/97Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. pune a tortura em dois incisos. O inciso I, na alínea a, tipifica a denominada tortura-prova, consistente em constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. Já o inciso II trata da tortura-castigo, consistente em submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Na primeira figura, na qual age o torturador com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa, a consumação se dá com o constrangimento causador de sofrimento à vítima, dispensando-se a efetiva obtenção da informação almejada. A segunda figura se diferencia da anterior porque se refere a intenso sofrimento físico ou mental. Esta expressão não pode ser desprezada, pois engloba a ideia de um sofrimento atroz, martirizante, insuportável, que, no caso concreto, desperta certa dificuldade de aferição, mas que, evidentemente, deve estar presente para que se considere caracterizado o crime.
Nota-se, pois, que as duas condutas se diferenciam pela intensidade do sofrimento causado, dispensado na primeira. Por esta razão, o STJ reformou decisão do Tribunal de Justiça do Pará, que, em apelação, havia desclassificado a conduta para lesão corporal leve.
No caso julgado, policiais militares haviam sido acusados de espancar três assaltantes para que confessassem a autoria do roubo e prestassem informações sobre o local onde havia objetos de interesse para a apuração do delito. Os agentes foram condenados por tortura, mas apelaram. O Tribunal de Justiça do Pará, apesar de reconhecer a violência empregada e o sofrimento causado às vítimas, e de admitir que isso se deu para obter a confissão, considerou que a conduta deveria ser classificada como lesão corporal leve, e não como tortura, em virtude de não ter sido demonstrado o caráter “martirizante” ou de “extrema crueldade”, “capaz de causar à vítima atroz sofrimento físico, verdadeiro suplício”.
O STJ, contudo, considerou indevida a exigência de que o sofrimento físico imposto pelos policiais para que os assaltantes confessassem fosse insuportável, exatamente porque a figura da tortura-prova não tem os mesmos elementos da tortura-castigo. Apontou, a respeito, o ministro Rogerio Schietti Cruz:
“diversamente do previsto no tipo do inciso II do artigo 1º da Lei 9.455/97, definido pela doutrina como tortura-pena ou tortura-castigo, a qual requer intenso sofrimento físico ou mental, a tortura-prova, do inciso I, alínea ‘a’, não traz o tormento como requisito do sofrimento causado à vítima. Basta que a conduta haja sido praticada com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa e que haja causado sofrimento físico ou mental, independentemente de sua gravidade ou sua intensidade”. (REsp nº 1.580.470/PA, j. 24/08/2018)
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