Após ler a obra intitulada Pai rico pai pobre: o que os ricos ensinam a seus filhos sobre dinheiro, de autoria de Robert T. Kiyosaki e Sharon L. Lechter, cuja leitura é veementemente recomendada, me foi oportunizada uma pequena noção de como funciona o dinheiro em nossa sociedade.
Em sua descrição, o autor nos conta sua experiência financeira desde a mais tenra idade, apontando as falhas do sistema educacional acerca do conhecimento que todos deveriam adquirir em relação ao funcionamento do dinheiro nas sociedades capitalistas, discorrendo sobre a necessidade de “educação financeira” às pessoas, demonstrando especialmente que a educação tradicional, embora consiga proporcionar uma formação de nível superior ao indivíduo, garantindo-lhe bons empregos e bons salários, não o orienta no sentido de maximizar seus ganhos, a fim de enriquecer, simplesmente manejando seu dinheiro através de inúmeras operações no mercado financeiro, algumas hodiernamente concretizadas apenas com o “clique” no mouse dentro de nossas próprias casas. A obra destaca, ainda, o poderio das pessoas jurídicas, isto é, as facilidades oferecidas pelo mercado e pela legislação para que as sociedades empresárias prosperem, em especial aquelas que se estabelecem sob o manto das sociedades anônimas. Em síntese, o livro nos dá a “receita” de como enriquecer rápida e licitamente, “fabricando dinheiro” da noite para o dia, e como uma sociedade empresária cuja direção seja financeiramente educada jamais terá prejuízos, estando sempre a aumentar seu fluxo de caixa em progressão geométrica.
Refletindo sobre o que li, pude chegar a algumas conclusões sobre o porquê de o consumidor, dentre outros motivos conhecidos, continuar sendo desrespeitado no mercado de consumo, evidenciando ainda mais a sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor, e em como será difícil se estabelecer o equilíbrio entre os sujeitos da relação de consumo enquanto os aplicadores do Direito continuarem ignorantes, neste particular.
A vulnerabilidade do consumidor restou reconhecida pela ONU, através da Resolução da ONU 39/248 de 1985, e se encontra agasalhada por nosso ordenamento jurídico no art. 4º, I, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90). Dentre outras características que evidenciam a vulnerabilidade do consumidor está aquela observada em relação ao abuso do poder econômico do fornecedor, também conhecida como vulnerabilidade fática. Significa dizer, nua e cruamente, que o fornecedor, como pessoa jurídica, detém aqueles conhecimentos financeiros que maximizam seus lucros, permitindo-lhe dominar o mercado sem medo de ter de enfrentar ações judiciais das mais diversas, propostas por consumidores insatisfeitos.
Em termos práticos, isto quer dizer que uma boa parte do dinheiro que compõe o que os economistas chamam de coluna de ativos da empresa é destinada a aplicações e investimentos altamente rentáveis no mercado financeiro, fazendo com que o empresário “crie” dinheiro a partir do nada, e não da sua atividade empresarial propriamente dita (destaquei).
Parte destas somas, obviamente, é destinada a cobrir os “prejuízos” da empresa, sendo que, na verdade, não há prejuízo rigorosamente falando, uma vez que, como foi “criado” dinheiro a partir de operações estranhas à atividade empresarial, isto é, utilizando-se tão somente dos artifícios disponibilizados pelo mercado financeiro, o patrimônio do fornecedor nunca será diretamente atingido, de forma que experimente dissabores em sua atividade.
Como foi dito na introdução deste artigo, PAI RICO PAI POBRE nos informa que de nada adianta uma educação tradicional, que forme indivíduos com alto grau de instrução, mas pouco ou nenhum conhecimento financeiro. A obra revela que pessoas altamente graduadas nos EUA – maior potência do mundo – passaram (e ainda passam) dificuldades financeiras, simplesmente por não possuírem conhecimentos básicos sobre o funcionamento do dinheiro.
As afirmativas do autor, no que toca a pouca eficiência da formação tradicional das instituições de ensino, tornam-se ainda mais verdadeiras se as transportarmos para o campo jurídico, o qual, pelo menos em tese, é composto de indivíduos com alto grau de instrução, em especial na esfera do Poder Judiciário, que é o único Poder da União cuja composição reclama de seus integrantes a graduação de nível superior em Direito, sem falar do alto nível de conhecimento a ser demonstrado por seus membros no momento do concurso público, não só do ponto de vista jurídico, mas também dos conhecimentos gerais.
Entretanto, nestes dias em que o consumo se revela como um dos mais importantes aspectos da vida civil, parece-nos urgente a necessidade de que os candidatos a magistrado adquiram conhecimentos financeiros (não sobre Direito Financeiro como disciplina jurídica), mas do teor da atividade financeira propriamente dita.
Neste artigo, decidi me deter apenas no Judiciário porque é ele o responsável por aplicar o direito no caso concreto, de forma a garantir o império do justo, e cujas decisões gozam de eficácia, mais uma vez destacando: em tese.
Levando-se em conta a realidade brasileira, o dia a dia forense demonstra que a maioria dos juízes, na aplicação do Código de Defesa do Consumidor, e principalmente no que toca as indenizações por ato ilícito, raramente impõem condenações efetivamente agressivas ao patrimônio das grandes corporações, de forma a reprimir, de modo eficaz, os abusos cometidos pelos fornecedores nas relações de consumo. O argumento mais utilizado para justificar as condenações irrisórias impingidas pelo Judiciário é o de que não se pode permitir a instituição da “indústria” das indenizações, principalmente aquelas onde se pretende a reparação do sofrimento moral do indivíduo.
Data venia, tal ótica nos faz sentir que o juiz, ao argumentar dentro dessa linha de raciocínio, somente leva em conta a suposta possibilidade de enriquecimento ilícito do jurisdicionado favorecido pela respectiva sentença. Contudo, os artifícios utilizados pelo empresariado a fim de maximizar seus ganhos, embora lícitos em seu nascedouro, sem sombra de dúvida são uma “arma” a lhe garantir a prática de uma infinidade de abusos no mercado de consumo em detrimento do consumidor, porquanto seu patrimônio real nunca será atingido por eventuais condenações judiciais. Dessa forma, o que antes era lícito torna-se ilícito no momento em que serve de “escudo” para as práticas corriqueiramente narradas nos autos dos processos.
Aproveitando esse raciocínio, é imperioso registrar que grande parte das empresas fornecedoras no mercado de consumo é constituída de sociedades anônimas. Uma rápida passada de olhos pelos bancos de dados das entidades responsáveis pela defesa do consumidor (PROCONs, associações de defesa do consumidor e congêneres) e dos tribunais pátrios nos permite vislumbrar que as empresas mais reclamadas e acionadas judicialmente são sociedades anônimas. São sociedades empresárias do ramo da telefonia, energia elétrica, saneamento básico, bancos, financeiras, seguradoras etc. Coincidência?!
Não há dúvidas de que a caneta do juiz deve ser animada conforme cada caso concreto, mas o que se vê é que mesmo naqueles casos mais extremos, onde a ofensa a bem jurídico de titularidade do mais fraco é latente, e que reclamam considerável peso na condenação do fornecedor, as canetas dos magistrados trabalham em progressão aritmética, enquanto as dos fornecedores de produtos e serviços trabalham em progressão geométrica.
Ouso discordar dos que rotulam o CDC como código paternalista, pois, se observarmos o ponto de vista aqui proposto, a proteção que este diploma objetiva garantir se justifica, dentre outros fatores, exatamente em razão do alto lucro auferido pelos fornecedores, não só em virtude de sua atividade, mas também devido ao alto conhecimento financeiro de quem se lança na atividade empresarial, evidenciando, assim, sua capacidade econômica.
Obviamente, o tema proposto comporta amplas explanações e discussões, sendo que este singelo artigo se digna apenas a acender uma importante discussão, fornecendo alguns dados para reflexão, em especial aos membros do Poder Judiciário quando da aplicação do direito.
Acrescento, ainda, que não é meu objetivo condenar os artifícios financeiros utilizados pelos empresários para o aumento de seus lucros, na medida que o próprio ordenamento jurídico permite o livre desenvolvimento da arte de enriquecer inteligentemente, sendo, portanto, lícita tal prática. Desejei, lado outro, apenas demonstrar que a precisão da balança da Justiça deve ser revista à luz destes fundamentos, a fim de que a vulnerabilidade do consumidor não se perpetue.
Aos magistrados, fica a recomendação: leiam PAI RICO PAI POBRE.