A diferenciação dos direitos de cônjuges e companheiras é tema recorrente no Judiciário. Instado a se manifestar mais uma vez sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que nos casos de ausência de descendentes ou ascendentes é garantido à companheira o direito de recebimento de todos os bens deixados pelo companheiro falecido, salvo se existir manifestação de última vontade.
A discussão surgiu do interesse dos parentes de quarto grau em receber os bens adquiridos pelo falecido antes de instituída a união estável.
Para entender o posicionamento do STJ, do qual compartilho, é necessário interpretar os dispositivos do Código Civil à luz do que decidiu o Supremo Tribunal Federal, encarregado pela guarda da Constituição da República.
A respeito da diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, o STF firmou a tese, para os devidos fins de repercussão geral: “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código CivilArt. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.“.
Diante disso, embora vez ou outra surjam discussões insistindo em diferenciar o tratamento adotado ao cônjuge e ao companheiro, é necessário – até mesmo para não fomentar uma eterna instabilidade jurídica sobre a questão – respeitar a interpretação dada pelo STF.
No caso em comento, os parentes (de quarto grau) do falecido argumentam violação ao art. 1.790 do Código CivilArt. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. , que diz que a companheira deveria concorrer com os parentes colaterais até o quarto grau nos direitos hereditários do autor da herança. Citado dispositivo estabelecia diferenciação injustificada dos direitos de cônjuges e companheiros para fins sucessórios.
Todavia, o mencionado artigo foi julgado inconstitucional pelo STF, por violar os princípios constitucionais da igualdade, dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso (RE 878694/MG).
Com isso, afastando-se qualquer diferenciação sucessória entre cônjuge e companheira, tanto o STF como o STJ entendem que deve ser aplicado o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/02.
De acordo com o artigo 1.829, a sucessão legítima é estabelecida, em ordem, aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente; aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; ao cônjuge sobrevivente; e aos parentes colaterais.
Além disso, para não deixar dúvida sobre a questão, cabe lembrar que o artigo 1.839 do CC/02Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau. (que deve incidir por analogia aos companheiros) diz que será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente no caso de ausência de descendentes e ascendentes.
Portanto, não resta outra conclusão se não a que o companheiro, assim como o cônjuge (já que têm os mesmos direitos sucessórios), não partilharão a herança legítima com os parentes colaterais do falecido, mesmo os bens adquiridos antes da instituição da união estável, salvo se o falecido houver deixado disposição de última vontade.
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